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Paulo Moreira Franco

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“Mas essa pessoa aí

Mandou parar de me seguir

Essa pessoa aí

Mandou você me bloquear”

(Guilherme & Benuto)

 

“Ora, quando o Senhor suscitava juízes, ele estava com o juiz para livrá-los de seus inimigos enquanto vivesse o juiz: o Senhor compadecia-se dos gemidos que soltavam diante de seus inimigos e de seus opressores.”

(Juizes 2,18)

 

Rezam os astrólogos (astrólogos rezam?) que esta semana estamos sob a conjunção dos dois malévolos, Saturno e Marte. Portanto, barracos há, barracos haverá, e na obrigação que me imponho de toda a semana fornecer uma crônica fresquinha e original, não posso fugir de um barraco como esse que acontece entre nosso Judiciário (e aqui falo do Poder, isto é, das pessoas que são a encarnação do Poder) e o multi-multi-multibilionário. Um assunto delicado, não há dúvida.

Não acho que o mundo começou em 2013, em 2016, em 2018, em 8/1/2023, ou em qualquer outra data que se escolha para anno domini. Bem, no caso do nosso Poder Judiciário e do establishment jurídico brasileiro, acho que esta era estável em que estamos começa com a proclamação da Constituição de 88. Onde, no afã de fugirmos de qualquer forma de ditadura e arbitrariedade, atribuiu-se à Justiça uma série de garantias e seguranças, de privilégios corporativos, que a tornaram um Poder imune aos que não são operadores dentro dela. E à cúpula desse poder, um Poder Moderador: o poder de, de fato, dirimir os conflitos entre os poderes (mesmo que com ele mesmo como parte), poder que as Forças Armadas sonhavam ter segundo umas interpretações do artigo 142 que andaram de novo circulando impunemente por aí bem recentemente.

Soberano é aquele que decide do estado de exceção”, assim explicou Carl Schmidt. Agamben, em Estado de Exceção, pega essa questão de uma atuação além da lei, e faz dela uma característica dos tempos modernos. Belo, denso livrinho.

Afronta à soberania nacional! As pessoas que assim interpretam a crítica de Musk a Xandão estão mais corretas do que possam pensar. Não se trata do país, do laço borromeano imperfeito que é este Brasil. Trata-se do soberano estrito senso, aquele que pode decretar a exceção, aquele que pode cometer a aberração de conduzir um processo à revelia da lei.

“O inquérito das fake news que Moraes arrasta há 5 anos é uma aberração jurídica por ter sido aberto pelo próprio Supremo e por servir como uma espécie de rede de arrastão: quem critica o tribunal, um exercício que pode ser legítimo em qualquer democracia, é jogado dentro da investigação.” Esse trecho de uma coluna do experiente jornalista Mário César Carvalho no Poder360 mostra o paradoxo que o próprio autor se recusa a encarar: a ação do Moraes não é uma lei à qual Musk tenha que se conformar, como são os casos que ele cita de espaços “democráticos” como a União Europeia, ou autoritários como Arábia Saudita e China.

Dá para entender que lei é lei, exceção é exceção? Que o nosso caso é diferente dos outros? Precisa desenhar?

No caso do Musk, talvez desenhando ele explicasse melhor. No mês que estamos, que tal as pessoas, hoje tão preocupadas com diversidade, levarem em conta que o companheiro Musk é alguém do espectro autista? Que tal levar isso em consideração na análise de suas ações e falas? Experimente fazê-lo. Você vai ver que elas fazem mais sentido. Seja nas piadas por vezes cretinas, seja a impulsividade, seja a literalidade, seja a capacidade de responder a jornalistas pelo caminho de uma lógica sincera ao invés do decoro do media training.

Mas o ponto central não é o Musk. O ponto central é o Supremo. Anos atrás, cruzando acidentalmente com o professor Fabiano dos Santos numa esquina acho que da Rua do Rosário, Fabito, que foi meu colega do curso de mestrado do IUPERJ, fez uma ótima observação de que o STF estava fazendo uma gradual reforma política por conta própria. Pouco antes o STF resolvera interpretar que o mandato era dos partidos, e não dos deputados, se esses mudassem de partido. Uma interpretação que não só ia no sentido contrário de décadas de eleições, mas do próprio fato de que isso fora explicitamente rejeitado na Constituinte, em março de 1988.

Proibição de coalizões, limitação de formas de publicidade na campanha eleitoral, o presidente Lula sendo impedido de dar sequer entrevistas – tudo isso vimos perpetrado pelo STF/TSE de 88 para cá. Tudo isso de forma discricionária, mas, mesmo assim, consentida pelos atores políticos. A prisão do senador Delcídio, sob uma absurda interpretação de flagrante, foi uma violação clara da autonomia do Congresso. Some-se a isso o consentimento à Lava-Jato e aos desmandos do “Sistema U” (TCU, CGU, MPU e mais um ou outro organismo do tipo, para os que não têm intimidade), só para lembrar o que se passou com muitos daqueles que trabalharam nos governos do PT.

O STF hoje é uma instância última, com uma temporalidade própria, a versão nacional do Líder da Revolução do Irã. Isso pode ser consertado? Talvez pela via de Peter Turchin, talvez pelo colapso da institucionalidade americana na qual nos espelhamos. No momento, nossa democracia está condenada a ela, e a exceção é regra.

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Esse texto foi concluído na madrugada de quarta (dia 10) para quinta (dia 11).

De lá para cá, os dois principais jornais de São Paulo investiram, em seus editoriais, contra o autoritarismo do Supremo. O Globo defendeu a PL das fake news. Isso é bem explicado nesta matéria no Poder360. Mas o ponto que por vezes passa esquecido em relação a questão de comunicações neste país é o quão complexo é o conjunto de interesses envolvidos. Por exemplo: entre todas as subcomissões da Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte, a de comunicações foi a única a não conseguir apresentar um relatório. Como dizia Kalecki, “Os capitalistas fazem muitas coisas como classe, mas certamente eles não investem como classe.”

 

P.S. O artigo é de Abril do corrente ano. Pode-se dizer que, desde então, as coisas não melhoraram.

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