A cultura contemporânea é marcada pela intersecção entre mídia e sociedade, onde a exposição pública de indivíduos, especialmente de supostos criminosos, suscita variados sentimentos, entre os quais a inveja*.
Longe de querer defender esta ou aquela pessoa específica, a minha intenção é exclusivamente propor a discussão deste fenômeno do linchamento midiático, analisando como a ostentação* associada a esses indivíduos alimenta a inveja do público e como essa dinâmica se reflete na construção de narrativas em torno do crime e da moralidade.
Severos impactos sociais, psicológicos e legais podem compor este debate, destacando a responsabilidade da mídia na formação de opinião e na perpetuação de um ciclo de vingança pública. Nunca é demais recomendar a leitura sobre o caso Escola Base, este que considerado um dos mais notórios da história do jornalismo brasileiro.
Poderíamos encerrar o debate apenas mencionando uma série de episódios em que os erros cometidos pela polícia e pela imprensa passam a ser exemplos de como é possível evitar que reputações e até vidas sejam seriamente maculadas a partir de enredos não apurados e suposições apresentadas como verdades absolutas.
O CASO DEOLANE BEZERRA
Na quarta-feira desta semana, a Polícia Civil de Pernambuco deflagrou uma operação denominada “Operação ‘Integration’” que, de acordo com o publicado na imprensa, tem como objetivo acabar com um esquema de lavagem de dinheiro e jogos ilegais. A advogada e influenciadora Deolane Bezerra foi presa e desde então não é a questão dos alegados “jogos ilegais” que está em debate, mas sim o “modo ostentação” da acusada.
Culpada ou inocente, a acusada Deolane já é vítima do linchamento midiático, pois esta condenação pública de indivíduos através da disseminação de informações na imprensa e na internet, especialmente na era digital, onde as redes sociais amplificam a propagação de conteúdos e praticamente antecipam a punição do acusado.
Este fenômeno tem se intensificado, particularmente em casos que envolvem crimes e ostentação de riqueza, levando a um interesse voraz do público em desvendar a vida de supostos criminosos. Por isso, busco aqui lembrar como a ostentação, muitas vezes vista como um símbolo de sucesso, acaba sendo convertida em um alvo de inveja e vilanização, causando o linchamento público. Por isso, fiz menção ao caso Escola Base.
SIGA O DINHEIRO – COMBATE OU CONTROLE?
Curiosamente, no mesmo dia da operação da Polícia Civil de Pernambuco, foi anunciado que as emissoras Globo, Band e SBT estão finalizando negociações para lançarem suas próprias casas de apostas.
De acordo com as notícias sobre isto, as quatro maiores emissoras de televisão do Brasil estão se preparando para entrar no mercado de apostas esportivas. Globo, SBT e Band estão planejando lançar suas próprias empresas de apostas até o ano que vem. Atualmente, as apostas esportivas no futebol movimentam cerca de R$ 150 bilhões por ano no Brasil.
As regras que vão regulamentar as plataformas de apostas no Brasil entrarão em vigor em janeiro de 2025, com um prazo final para a apresentação de documentações até dezembro. As empresas aprovadas pelo governo poderão usar o domínio “http://bet.br”.
O Ministério da Fazenda recebeu cerca de 132 inscrições de empresas interessadas em operar no Brasil no primeiro trimestre deste ano, incluindo as principais emissoras de televisão do país.
A Band está negociando parcerias, a Globo está interessada em credenciamento para lançar sua própria plataforma de apostas e o SBT está aguardando a finalização da regulamentação para avançar com seus projetos.
Aqui vem “o pulo do gato”
Especialistas destacam que as empresas de mídia possuem credibilidade e uma ampla audiência, o que pode ser benéfico para as marcas de apostas esportivas. Com a regulamentação do setor em andamento, a entrada de grandes players no mercado está trazendo uma transformação significativa, prometendo mais segurança e confiabilidade para os apostadores.
Como sabemos, com a movimentação de bilhões de dólares as “apostas” passaram a ser um dos negócios mais lucrativos do Brasil. As empresas que investem em clubes de futebol, nomes dos estádios/arenas, etc. também investem muito nos chamados “influenciadores digitais”, pois é muito mais barato do que a imprensa tradicional.
Com a demonização da Deolane, cai a credibilidade dos “influenciadores digitais” e o caminho fica livre para aquilo que os “especialistas” (tem especialista em tudo no Brasil, principalmente em golpe) chamam de “empresas de mídia possuem credibilidade”.
CRIMES E PECADOS NO CASO DEOLANE
De volta ao debate inicial, o linchamento midiático é uma prática que ganhou força com a popularização das redes sociais e a democratização da informação. Diferente do linchamento físico, o linchamento midiático resulta em consequências sociais e psicológicas significativas para os indivíduos alvo. A condenação pública muitas vezes ocorre sem que haja um devido processo legal, o que expõe o quanto a mídia e o público se tornam juízes em uma sociedade contemporânea saturada de
*A ostentação de bens e uma vida de luxo são frequentemente correlacionados à criminalidade na percepção pública. A construção de uma imagem de sucesso através da exibição constante de riquezas leva ao sentimento de inveja, especialmente em uma sociedade marcada por desigualdades socioeconômicas. O modo de vida ostentatório não só atrai admiradores, mas também críticos, que veem essas exibições como provocativas e desrespeitosas.
*A inveja é um sentimento intrínseco aos seres humanos e ganha força em uma sociedade onde o sucesso material é frequentemente exaltado. A exposição de indivíduos que levam vidas ostentatórias e que, simultaneamente, estão envolvidos em casos de criminalidade gera uma resposta emocional intensa do público. Esse sentimento pode se manifestar em formas de linchamento medial, onde o desejo de ver o outro em uma posição inferior se torna predominante. A psicologia social oferece insights sobre como a inveja pode moldar atitudes e comportamentos, tornando-se combustível para ações de condenação pública.
As consequências do linchamento midiático são profundas e variadas. Indivíduos alvo podem experimentar danos irreparáveis à sua reputação, saúde mental e vida pessoal. O estigma social e a exposição contínua podem levar a um ciclo de marginalização, reforçando a ideia de que a mídia tem um papel crucial na formação da narrativa pública. Além disso, tal fenômeno pode desviar a atenção de questões estruturais mais amplas que permeiam a criminalidade e a desigualdade.
A responsabilidade da mídia é um aspecto central na discussão sobre linchamento midiático. A forma como as narrativas são construídas, a escolha das palavras e as imagens utilizadas podem intensificar ou mitigar a sensação de linchamento. O papel da ética na comunicação e a necessidade de um jornalismo responsável e fundamentado são abordados, enfatizando a importância de respeitar os direitos à dignidade e à presunção de inocência.
O linchamento midiático de supostos criminosos, alimentado por sentimentos de inveja e ostentação, reflete uma sociedade que valoriza excessivamente o sucesso material e condena aqueles que não se adequam à normativa social. Este fenômeno não só prejudica os indivíduos expostos, mas também levanta questões sobre a ética jornalística e a responsabilidade coletiva em um mundo interconectado. É um convite à reflexão sobre a forma como consumimos informações e a maneira como isso impacta a vida dos outros, ressaltando a necessidade de empatia e responsabilidade na era digital.
NOTA DESTE OBSERVADOR DISTANTE
Meu defeito é ter levado a sério aquela sugestão “siga o dinheiro”. A partir disso, humildemente, acerto todas. Tem gente maldosa que diz que é porque eu sou baiano. Que maldade!
Deolane pode ser apenas “a escolhida” para a limpeza do caminho das empresas de televisão que fingem querer combater os “jogos ilegais”, mas – assim como os EUA fazem com a cocaína e outras drogas – querem apenas controlar, limpando o caminho, tirando esses concorrentes que ficam “ostentando” riqueza.
O PCC já foi invocado para o provável “pacote de demonização” da desavisada Deolane. O PCC é a sepultura das instituições brasileiras. Hoje funciona como “Posto Ipiranga” e também como “espantalho”. É citado como presente em todos os casos que não podem ser explicados. Virou uma entidade espírita do crime que, pela frequência como vem sendo mencionado, consolida o Brasil como um narcoestado.
Este é o meu convite ao debate sobre como a sociedade pode e deve agir em face do linchamento midiático e da ostentação em tempos de crise de valores e desigualdades sociais. Especialmente quando as empresas tão dedicadas à combater os “jogos ilegais” querem ser “donas da boca”, ou melhor… do negócio.
Boa noite! (Com a voz do William Bonner, para ficar divertido)