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Debate, por Paulo Moreira Franco

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Certo, certo, num certo sentido, seria eu estar aqui tratando dos temas polêmicos que nos afligiram nestas duas semanas. Não o debate interno sobre capacitismo, discussão muito instigante sobre aquelas coisas que não nos damos conta, em alguma parte dela respostas que me lembram do que se passou com o Charles de Retorno a Howard’s End. Mas na minha aplicação pessoal dos Cinco Princípios, uma vez fora não discuto mais a política interna do Banco.

O banimento do X pelo nosso ilustre STF, esse seria, sim, um assunto a ser discutido. Na verdade, já tratei dessa briga lá atrás, meu Pasquim 300, link não encontrado que alguns amigos receberam, que pode ser lido aqui. Uma pessoa ao menos achou na banca na época, e o que ela lembrava era exatamente o “problemático” parágrafo sobre o autismo de Musk, que ela desconhecia. Capacitismo toma várias formas, algumas às quais nem nos damos conta pois sequer reconhecemos, estranhezas que não estão estampadas no corpo, alvos de bullying e discriminação que passam quase despercebidos.

Mas o banimento do X/Twitter me atrapalha muito, mas muito mesmo. Não participo de debates no X/Twitter, raramente clico em algo do feed do algoritmo. Mas pegar ideias/informações de Taleb, Tooze, Arnaud Bertrand, Cernovich, Pilkington, Greenwald, entre muitos outros, é um (temporariamente suspenso) hábito diário. É minha forma de acessar as discussões da imprensa do Ocidente através de um filtro analítico. Uma coisa ou outra da discussão brasileira: Alberto Almeida, Jacqueline Muniz, Rômulus Maia…

Há um pavloviano nacionalismo de defender a “soberania” do país contra um multibilionário estrangeiro que a estaria desrespeitando. O que pra mim é profundamente engraçado. Não meço soberania em palavras. Vício de formação, talvez. Mas para mim atos e omissões contam muito mais na condução do Estado do que pensamentos e palavras. Desrespeito à soberania foi o avião do chanceler russo não poder ser abastecido por conta de uma possível retaliação americana contra a empresa que o faria. A soberania está nas decisões do Estado, mais no Executivo, cuja Procuradoria, com sua discricionariedade, é um braço, do que no Judiciário.

Mas este é o país da vítima-promotor-juiz Moraes, variante do mundo jurídico do Pessanha do Porta dos Fundos. Haverá algum desdobramento do que está sendo levantado pela Folha de São Paulo sobre as decisões impulsivas do Ministro? Não creio. Muito improvável também o sucesso de qualquer tentativa de impeachment. Mas este serve para fazer o teatro, promover emoções. Afinal, há uma crise acontecendo em nossa (extrema-)direita: a mediação dos capitães e coronéis, de policiais e militares, se tornou desnecessária. A mediação dos profissionais da imprensa, Garotinhos e Datenas a fazer um campo popular de valores conservadores, também. A ameaça de Marçal se tornar Jânio é um sinal de que estamos no século XXI, coisa que muita gente não se dá conta.

Polêmica também foi a questão da queda de Sílvio Almeida. Queda, no caso, no sentido mais variado: Sílvio está politicamente morto, independentemente de como evolua qualquer processo. O que concretamente aconteceu? Houve mão boba? Houve pressão associada a ameaças? Trata-se de uma disputa de poder entre Carapicuíba e a Maré? Não sei.

Mas há que se elogiar o timing. Uma das coisas mais importantes de se entender em Maquiavel é que a virtù não está no ato em si, mas na adequação do ato à occasione. Uma denúncia como esta, seja por justiça com as mulheres assediadas, seja para degola de um rival, tem um alcance político muito grande. Fazê-la neste momento em que a discussão política, concretamente, está reduzida pela suspensão do X/Twitter, foi brilhante.

Mas o assunto que prometi ao Washington tratar aqui foi o do debate presidencial americano. Meio que na forma do debate para o Conselho de Administração do Banco, sem perguntas diretas entre os candidatos. Debate que teve um generoso timing: me privou de ver Paraguai x Brasil pelas eliminatórias, que, pelo que li, foi mais uma medíocre atuação da seleção canarinho.

De um lado, Trump. “Eating the dogs, eating the cats” explodiu em memes. É verdade? Não sei. Lembra, amiga leitora, da história de que o estado de senilidade de Biden seria só uma fake news construída na base de vídeos recortados, cheap fakes? Alguém tem coragem de dizer isso hoje? Pois a prefeitura do local diz que não. Há pessoas que dizem que sim. Tem mais lendas (e memes) a respeito, envolvendo patos e gansos.

Do outro lado, Kamala Harris e dois jornalistas da ABC. Sim, os dois jornalistas estavam do outro lado. Sim, sempre que puderam os dois jornalistas interromperam Trump para fact check o que ele estava dizendo. Quantas vezes fizeram isso para Kamala? Zero. Houve mentiras gritantes da Kamala? Bem, para começar, ela repete as mesmas bobagens sobre o ataque do Hamas em sete de outubro. É como se parte dos mortos não tivesse sido pela Hannibal Directive. Mas isso não seria cobrado na TV americana (aqui eu estaria colocando um link de um post no X da Katie Halper, que vi repostado no Telegram. Mas não cometerei essa ilegalidade de buscar esse link. Vai que alguém clica com um VPN ligado e comete o crime de acessá-lo).

Talvez o mais patético nos jornalistas tenha sido cortar a tentativa de Trump de trazer o assunto do tiro. A tentativa de assassinato contra Trump, a negligência (para dizer o mínimo) que permitiu o atentado, isso virou uma não notícia para a grande imprensa americana. Esse assunto, a adesão de RFK Jr à Trump, tudo isso deveria ser alvo de perguntas de um conjunto de entrevistadores neutros. A nítida decadência de Biden e renúncia de sua candidatura também pediriam uma pergunta à vice-presidente em exercício. Mas essas coisas estragariam a narrativa. E ficaram de fora.

Houve algumas falas de Kamala que me fizeram gargalhar de perplexidade. “The late, great John McCain” me fez engasgar. Falar do apoio de Cheney e de sua filha como algo positivo é como se, numa disputa presidencial futura entre Gleise e Marçal, Gleise falasse com orgulho do apoio de Mourão e dos filhos de Bolsonaro. Aliás, tanto os jornalistas quanto ela insistiam numa condição de resolução da guerra da Ucrânia, que, concretamente, não existe mais: uma derrota da Rússia. Trump, curiosamente, falou dos milhões de mortos (e somando mortos e feridos, o número deve ficar nessa casa), de algo que poderia ter sido evitado. Poderia? Victoria Nuland meio que confirmou esta semana que os EUA “estimularam” a Ucrânia a não aceitar um acordo de paz em 2022.

Há a controvérsia de que os brincos de Kamala seriam, na verdade, fones de ouvido. Seria uma teoria de conspiração absurda não fosse o fato de que esses mesmos órgãos de imprensa foram os que diziam que a senilidade de Biden era cheap fake. Os mesmos que, ao mesmo tempo que evitavam detalhes da história do laptop do filho de Biden, davam divulgação a um documento onde ex-membros do FBI e da CIA diziam que a história era uma ação da inteligência russa. Pense: qual a credibilidade desses meios de imprensa que agem em coro?

Um dado curioso para os que querem ver uma luta contra uma plutocracia global na briga Musk-Xandão, na eleição americana, é que nenhum CEO das 100 maiores empresas está apoiando Trump. Tipo assim, NENHUM. Nem mesmo Musk doou segundo essa matéria do Guardian no link.

Estar sem X atrapalha dizer mais coisas. Uma visão do outro lado sobre o que poderia ter sido cobrado de Kamala está aqui. E aqui tem uma crítica na (insuspeita de ser trumpista) CNN sobre a forma como Kamala fugiu de algumas perguntas importantes. Lula já escolheu um lado. Isso é um erro, mais um erro numa política externa brasileira que compra uma pauta do establishment do Ocidente ao invés de buscar uma neutralidade em relação a essas disputas internas. Mas essa é uma história para depois.

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