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A Ilusão e a Servidão (2) ou A estrada da Servidão.

Adhemar Bahadian

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A semana que passou foi de Kamala Harris. Devemos a ela o trabalho de desmitificação pública de Trump. Em menos de duas horas, a estátua de cera de um arrogante político autoritário se foi derretendo diante de verdades duras e irrespondíveis. Ninguém havia tido até então a coragem de expor as fraturas evidentes de um santo do pau oco, carcomido até a medula pelos cupins da mentira sistemática associada a uma retórica de camelô. Em que a língua inglesa se vê sempre submetida ao que nela há de pior e mais pobre.

Ainda bem que na Convenção Democrata, em Chicago, com os discursos dos Obamas, dos Clintons e de Kamala havíamos voltado a respirar um pouco da eloquência civil e determinada que, para ficar no tempo de minha vida, se inicia com Roosevelt, passa por Churchill até chegar a Kennedy e Obama.

E agora até Kamala a dizer as verdades mais duras com um sorriso magnético no ar. Em contrapartida, nada mais deprimente do que ouvir as sandices ( ou seriam delírios? ) de Trump sobre a carnificina que os imigrantes haitianos estariam a fazer com os animais de estimação dos americanos, comendo-os como bárbaros em praça pública. Uma mentira deslavada, mas impregnada de valores caros aos americanos que tem por seus “pets” uma relação sabidamente carinhosa e pelos haitianos um medo secular por terem sido eles os arquitetos da única guerra libertadora contra os brancos. Todos os brancos.

Trump sempre mente em busca de um dividendo político trazido pelo medo. Daí a importância da retórica de Kamala ao responder aos exageros de Trump com silêncio devastador a evidenciar o contraste de uma campanha de reconstrução nacional diante da “estrada da servidão” construída pelos neoliberais dos anos 80 do século XX para cá.

Pois cristalinamente óbvia se torna a campanha eleitoral nos Estados Unidos na tentativa de polarizar o mundo entre “eleitos” e “condenados” numa versão bíblica em que Trump, vestido na melhor renda que o dinheiro pode comprar, assume o papel de “Bebê de Rosemary” a espalhar enxofre e destruição por onde passa.

Sabedor que sua proposta só poderá aprofundar a divisão na maior potência nuclear do planeta, Trump coloca no mesmo balaio os criminosos “imigrantes” os incompetentes militares que dele discordaram e revelaram em livros a incompetência e o narcisismo de seu período como Presidente dos Estados Unidos da América.

Trump não tem alternativa senão seguir a estrada da servidão, até porque os grandes financiadores de sua campanha estão particularmente interessados em aprofundar a política do neoliberalismo iniciada em 1980 e que já deixa claro seu rastro de desigualdade social. Nos anos 80, do século passado, estava em Nova Iorque e trabalhava na nossa Missão do Brasil junto às Nações Unidas.

Estávamos em plena euforia do governo Reagan e a embaixadora dos Estados Unidos na ONU era a senhora Jeane Kirkpatrick, na época uma das mais enfáticas defensoras da visão de mundo de seu chefe Reagan. Uma tarde, como era rotineiro nos meses de setembro a dezembro, a máquina da Nações Unidas produzia recomendações aos governos sobre os mais diferentes temas da agenda da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Nesta tarde específica a que me refiro o debate entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento se concentrava na herança dos países colonizadores sobre os países récem-libertos, onde predominava uma enorme carência de recursos para investimentos. Em grande parte pela política depredadora dos países colonizadores, muito deles expulsos depois de guerras violentas de independência. Eis que pede a palavra o representante dos Estados Unidos da América, um afro-americano tido como dos ases da equipe de Kirkpatrick.

Em sua intervenção, o delegado americano em voz que oscilava entre o repúdio aos argumentos até então levantados e timbrada por um tom quase autoritário, o ilustre afro-americano, para pasmo da maioria de seus colegas africanos que o ouviam, nos lascou uma reprimenda e nos admoestou a encarar os fatos. Eram desenvolvidos os países que trabalhavam e não os que ficavam a lamentar seu destino. Um discurso de fazer inveja ao mais requintado colonizador do século XIX.

Faço esta digressão porque ela marca o ponto inicial da Diplomacia neoliberal com que passaríamos a conviver. Pretensiosa e espoliativa. Na análise que pretendo continuar a fazer sobre os argumentos neoliberais assinalo o período do governo Reagan, como aquele em que foram paulatinamente desconstruídos os mecanismos de proteção contra monopólios. Desta forma, contribuiu para um sistema internacional altamente disfuncional e anti-desenvolvimentista.

As eleições nos Estados Unidos terão impacto negativo para as democracias e para o desenvolvimento econômico de países como o Brasil. Kamala Harris, nesse contexto, abre a possibilidade de se retomar um diálogo mais construtivo. Caso Trump vença, como ele disse, sua referência internacional será Orban, autocrata da Hungria. Mas, quem Trump realmente admira e secretamente aspira a ser é Putin. Ou será que me equivoco?

Em artigos próximos iremos tecendo- ou melhor desenrolando- este novelo. Até chegarmos ao técno-feudalismo que já está batendo às nossas portas.

XXXXXXXX XXXXXXXX. XXXXXXXX.

EM TEMPO: Amigo meu me informa, que, a qq. hora, Trump estabelecerá a verdade: os haitianos estavam a comer cachorros quentes. A confusão se deve à Inteligência artificial. Não se sabe se dele ou de Musk. Fica o registro. Com molho.

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