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Mercantilização da água: a mais abominável expressão do processo de expropriação capitalista 

Por Ricardo Guerra

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Nesse agudo momento de sua maior crise estrutural, o capitalismo está acelerando e ampliando as formas e os tipos de exploração sobre o trabalho e sobre a natureza.

A água, pela sua essencialidade em todos os espectros da vida, exerce importante centralidade neste contexto, onde a luta de classes está sorrateiramente se “atualizando”:

  • E a expansão imperialista avança a passos largos sobre esse bem natural, antes coletivamente partilhado;
  • Agora submetido à lógica do mercado e da acumulação.

A mercantilização da água implica em contundente agravamento das desigualdades sociais e representa a expressão mais vil e vergonhosa do processo de expropriação capitalista e apropriação privada dos recursos naturais.

A apropriação privada dos mananciais públicos, que geralmente ocorre através do uso intensivo do poder e da violência, agora parece estar definitivamente se encaminhando para ser um processo oficial legalizado – e a ofensiva pressionando a privatização e a mercantilização da água está cada vez mais aumentando.

A pressão conta com o lobby agressivo de organizações financiadas por grandes grupos empresariais, particularmente os vinculados ao setor de alimentos e bebidas:

  • A pecuária intensiva e a fruticultura irrigada, especialmente voltadas para a exportação, incidem sobre as águas disponíveis – acentuando as desigualdades e penalizando as populações campesinas e os trabalhadores rurais;
  • Ao mesmo tempo em que empresas gigantes como a Coca-cola e a Nestlé procuram exercer forte pressão onde instalam suas fábricas, no sentido de obter acesso privilegiado à água e ter subsidiado os custos com a sua utilização pelos governos locais.

Dessa forma, a população muitas vezes só consegue acesso limitado à água, enquanto as grandes empresas e corporações têm a ela livre afluência – e ainda a recebem com o preço reduzido.

No Brasil, um país que detém 12% de todas as reservas de água doce do mundo, boa parte da população não consegue ter acesso à água potável de forma regular e, apesar de termos os maiores mananciais do mundo, o proposital descaso dos gestores públicos conduziu o país a uma das mais graves crises hídricas da história:

  • Impactando o nível dos reservatórios e dos subsistemas elétricos;
  • Gerando insegurança quanto ao processo de produção e distribuição de alimentos;
  • E podendo contribuir para aumentar, ainda mais, os preços de produtos agrícolas.

Diante de uma sociedade que finge não conhecer mecanismos igualitários de acesso a bens fundamentais para o exercício da cidadania: 

  • Onde os governos são estabelecidos como prepostos dos interesses do imperialismo, oferecendo-lhe e também à plutocracia local acesso privilegiado aos nossos patrimônios naturais, públicos, financeiros e estatais;
  • O discurso da “escassez” vai sendo criado e orientado em direção ao objetivo da lucratividade das grandes corporações nacionais e multinacionais e a privatização é apresentada, como sempre, como “a fórmula mágica para sua solução”;
  • E, assim, a água vai deixando de ser entendida como o bem essencial que é, e passa a ser vista como uma simples mercadoria.

Foi a partir desse direcionamento que, em 2020, o Senado nacional aprovou o PL 4.162/2019 – que trata da privatização do setor de saneamento no Brasil:

  • De acordo com o PL, a partir de março de 2022, os contratos de prestação de serviços de saneamento (o que inclui distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos) existentes entre os municípios brasileiros e as estatais de saneamento, passaram a poder serem revisados e reavaliados;
  • E os serviços considerados direitos humanos básicos e universais, como o acesso à água potável, a destinação correta de resíduos e o tratamento de esgoto, estão se transformando em mercadorias – sendo orientados sob a ótica da obtenção de lucros.

Não podemos deixar de perceber que a água está no centro da luta de classes – e que interesses muito poderosos mobilizam uma ampla rede com o objetivo de exercer influência no Congresso Nacional, nos governos, nas associações de classes, no empresariado e também nos espaços acadêmicos.

Por exemplo, o autor do Projeto de Lei 4.162/2019, o senador Tasso Jereissati, é um dos sócios do grupo que comanda a única acionista brasileira de uma das maiores fabricantes de Coca-cola do mundo (ver aqui e aqui):

  • Esta e muitas outras informações importantes não são veiculadas pela mídia corporativa nacional;
  • E, como acontece com a maioria das questões importantes no nosso país, pouco se fala e se discute sobre esse projeto de privatização relacionado à água – e quase não se ouve denúncias e questionamentos sobre essa absurda questão. 

A realidade é que, apesar de acontecer através de um processo velado – na surdina:

  • A água está sendo transformada em mercadoria;
  • E o seu consumo passará a ser cada vez mais restrito e com custo altíssimo, inviabilizando, até mesmo, a população suprir suas  necessidades mais básicas.

Não podemos esquecer, que a guerra pela mercantilização da água encontra-se diretamente vinculada ao contexto de disputa pela terra e pelos demais recursos naturais, e faz parte dos processos de contínua expropriação e expansão capitalista:

  • No campo, a questão da água não se estabelece desvinculada da questão agrária;
  • E envolve não só a propriedade da terra e a água, mas também elementos relacionados às culturas alimentares, o modo de produção e a forma de utilização do solo, e os recursos minerais.

Garantir o acesso à água de qualidade para toda a população brasileira é um dos principais desafios do poder público, cuja preocupação não pode ficar restrita a aspectos relacionados à escassez e questões como manejo adequado e o uso sustentável dos recursos naturais, formas de intervenções humanas no meio ambiente, e investimento em tecnologias, como propaga o discurso “hegemônico” e a mídia “oficial”.

Enfim, o imperialismo, em sua insaciável busca por expansão e sua voraz avidez pela manutenção de taxas irreais de lucros, cada vez mais inalcançáveis:

  • Segue imprimindo sua agenda neoliberal aos governos que constituem a periferia do sistema capitalista mundial;
  • Sufocando suas economias, eliminando direitos e destruindo todas as formas de ação orientadas para o bem-estar social das populações locais;
  • Mas, agora, violando a soberania desses países de forma ainda mais assustadora, estão avançando sobre as terras, os recursos naturais – e até sobre os mananciais e aquíferos. 

O nosso papel é denunciar e aglutinar as pessoas, mobilizando a luta pelo acesso democrático à água, a gestão pública democrática dos recursos hídricos e a participação da sociedade civil nesse processo, e a construção de uma sociedade mais justa e livre da ação predatória do capital – que nesse momento imprime a sua mais abjeta e indecorosa expressão, exercendo furiosa pressão pela privatização desse bem natural essencial para vida.

 

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