Pelo menos 230 empresas ligadas à cadeia de exploração do petróleo no Brasil foram beneficiadas com R$ 226 bilhões em renúncias fiscais desde 2017, primeiro ano completo do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). A maioria das petroleiras beneficiadas é estrangeira. Essas companhias foram agraciadas com isenções prorrogadas pelo próprio Temer um ano após assumir o posto que era de Dilma Rousseff (PT).
Quando o Repetro foi criado, ainda no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ideia era que ele fosse temporário. Seus benefícios venceriam em 2020.
O governo Temer, entretanto, agiu para prorrogá-lo até 2040. Editou uma medida provisória para isso, que virou lei sancionada por ele.
“Os dados revelam que as renúncias fiscais aumentaram significativamente a partir de 2017, com a renovação do Repetro até 2040 pela lei 13.586/2017. Essa lei ampliou o escopo do regime, beneficiando ainda mais as empresas do setor”, informou o Inesc, em texto da divulgação do seu levantamento.
“É um patrocínio enorme que o governo federal concede à indústria de óleo e gás, que é uma indústria que a gente sabe que tem seus dias contados, que precisa passar por um transição”, acrescentou Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, que trabalhou no levantamento. “E o Brasil precisa desse recurso. São recursos que saem do Orçamento.”
Estrangeiros
Considerando todos os dados levantados pelo Inesc, a Petrobras é de longe a empresa que mais foi beneficiada pelas isenções. Foram R$ 117,2 bilhões, aproximadamente 45% de todo o benefício fiscal distribuído por meio do Repetro desde 2015.
A segunda empresa que mais se beneficiou foi a Modec, que aproveitou de R$ 15,3 bilhões em isenções. A Modec é uma multinacional que atua principalmente provendo plataformas marítimas usadas por petroleiras.
Segundo Cardoso, a Modec é só uma das várias estrangeiras beneficiadas por isenções no Brasil. Ela estima que 90% das companhias do Repetro são de fora do país.
Críticas
Para o economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), essas isenções não fazem sentido. Sejam elas para empresas nacionais com a Petrobras, sejam elas para estrangeiras.
Dantas acompanha o mercado do petróleo há anos. Lembrou que, entre 2021 e 2023, a Petrobras distribuiu bilhões a seus acionistas em forma de dividendos. Não precisaria, portanto, da ajuda do Estado para desenvolver suas atividades.
Dantas ressaltou também que essas isenções à indústria do petróleo não se revertem em benefícios à população, já que a cadeia do setor é baseada em preços internacionais. O petróleo produzido aqui – com ou sem incentivos do governos – é vendido por um valor definido num mercado global. A gasolina e o diesel, cujo preço depende do petróleo, não tendem a ficar mais baratos porque o governo ajudou as petroleiras.
Mahatma dos Santos, um dos diretores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), também não vê benefícios no Repetro pós-2017. Segundo ele, o programa surgiu como uma solução emergencial para trazer equipamentos ao Brasil enquanto a indústria nacional se desenvolvia.
A partir de 2017, o incentivo governamental a esse desenvolvimento parou. Para ele, assim, o Repetro serviu para beneficiar estrangeiros. “Isenções que beneficiaram sobretudo essa cadeia transnacional, reduziram a capacidade de concorrência dessa indústria nascente no Brasil e privilegiaram a indústria estrangeira, que de certa maneira, indireta e indiretamente, foi apoiadora do golpe de 2016 [contra Dilma].”
Revisão geral
Cardoso, do Inesc, espera que o governo revise as revisões do Repetro considerando as ponderações sobre o programa, mas sobretudo o cenário de mudanças climáticas.
“Esse é um passo necessário que se espera de um governo que busca exercer liderança na agenda climática global”, afirmou. “A relação do Brasil com a indústria do petróleo é marcada por uma profunda assimetria de informações e, também, pela falsa promessa de que os recursos oriundos do petróleo financiarão a transição energética. Sustentar essa expectativa é perder um tempo precioso no combate às emergências climáticas.”
Texto de Vinicius Konchinski com edição de Thalita Pires, no Brasil de Fato