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A Ilusão e a Servidão (6) ou  O Despotismo Esclarecido.

Adhemar Bahadian

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                 A chegada de Ernesto Geisel ao poder marca o início da revisão de vários aspectos mais controvertidos da ideologia  militar que  se havia  instalado no Brasil desde 1964.

              Na política externa brasileira, Geisel, juntamente com Silveirinha, restaurou no Itamaraty um clima muito mais distendido e construtivo de trabalho, embora o Brasil estivesse sob a égide do AI-5, rebento teratológico da pervertida subserviência jurídica nacional.

              Da maior relevância, porém, foi a visão de Geisel sobre os interesses nacionais e seu desassombro em relação aos Estados Unidos da América e seus postulados tanto sobre o “destino manifesto” quanto à segurança hemisférica.

               Dada a relevância desta temática, convido relermos juntos  partes do depoimento de Ernesto Geisel ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, publicado por Maria Celina de Araujo e Celso Castro em livro editado pela FGV em 1997.

          Assim, na página 342 da quarta edição do Livro “Geisel”, em resposta a uma pergunta dos entrevistadores sobre a reação dos Estados Unidos sobre a votação do Brasil na ONU condenando o sionismo como uma forma de racismo, Ernesto Geisel respondeu:

                  “ Embora eu fosse solidário com os Estados Unidos na política geral contra o comunismo, não era caudatário deles.Admirava muito o povo americano, com o qual convivi  seis meses , durante a guerra, fazendo cursos militares. Mas o povo é uma coisa e o governo é outra. O povo americano é de primeira ordem , pelo menos nas áreas que frequentei. Mas, o governo americano é imperialista: fez a guerra contra a Espanha, tomou Cuba,  tomou Porto-Rico, fez a independência do Panamá para fazer o canal do Panamá, tomou as Filipinas, tomou outras ilhas no Pacífico, apropriou-se de grande parte do México. A California toda era mexicana! O Texas ! O que fizeram com ele? Quando se descobriu que o Texas tinha Petróleo, o governo americano promoveu um movimento dentro do Texas para torná-lo independente, reconheceu sua independência e pouco tempo depois , a pedido da população, “aceitou” a sua anexação aos Estados Unidos!. Essa é a história. Não tenho nada contra os Estados Unidos, mas tenho minhas reservas em relação à política do governo americano.”

                   O texto é importante porque mostra que a política externa de Geisel não desconhece “o destino manifesto” e a ele se opõe claramente.

                 O impacto desta nova orientação permite a Geisel enfrentar seus adversários no próprio Exército, em especial Silvio Frota, que dispensa apresentações .

              Geisel reatou relações diplomáticas com a China à revelia de Frota, passou a apoiar, sem exageros, as principais reivindicações da diplomacia multilateral, acertou nossos ponteiros com a Argentina, apoiou, contra a posição dos Estados Unidos, a independência de Angola e terminou nosso servilismo com o colonialismo português que nos assombrou até a época do governo JK, quando Alvaro Lins foi sacrificado e nos deixou um  livro indispensável:” Missão em Portugal”, aula sóbria de patriotismo.

             No Itamaraty, a gestão do embaixador Antonio Francisco Azeredo da Silveira – Silveirinha- foi simplesmente eletrizante. Homem carismático,  dinâmico, respeitadíssimo internacionalmente, Silveira espantou os vilões de uma diplomacia amputada. Renovou-a.

              Começou  pela seleção dos diplomatas que mais de perto o assistiram em seu próprio  Gabinete, cuja chefia entregou a Luiz Augusto Souto Maior, um dos meus primeiros chefes no Itamaraty, juntamente com Gilberto Coutinho Paranhos Veloso. Devo a ambos terem me aproximado do embaixador Georges Alvares Maciel, meu chefe e amigo, com quem servi e muito aprendi na diplomacia multilateral tanto na ONU em Genebra quanto em Nova York.

                Época em que a diplomacia parlamentar brasileira entrou em campo com verdadeiros mestres como Miguel Osório de Almeida, Sergio Correa da Costa, Sergio Paulo Rouanet,  Alvaro Gurgel de Alencar, Paulo Nogueira Batista, Baena Soares, Samuel Pinheiro Guimarães  Orlando Carbonnar, Luiz Felipe Lampreia, Sebastião do Rego Barros. Todos já falecidos.

   No próximo domingo pretendo expor alguns dos grandes temas da economia internacional tal como desenhada na diplomacia multilateral tanto na UNCTAD quanto na OMC.

         E você saberá o impacto dos” lobbies ” sobre a política externa dos Estados Unidos de Reagan, de Margareth Thatcher  e a política neoliberal que, a partir daquela época até hoje, construiu uma nova forma de colonialismo que não ousa dizer seu nome.

          E muito contribuiu para os impasses que hoje estamos a viver, num mundo em que o trumpismo e a democracia iliberal nos cegam como  sol carregado de sangue.

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