Com a chegada de Geisel à Presidência da República, o Itamaraty, sob a chefia de Silveirinha, retoma princípios de defesa do interesse nacional que haviam marcado a Política Externa Independente, inaugurada e sobretudo formulada por Francisco Clementino de San Tiago Dantas.
Coincide o início dos anos 70 do século XX com o final dos ” anos dourados do pós-guerra” ,quando os Estados Unidos da América começam a ressentir os efeitos do renascimento econômico europeu.
Nixon acaba com a convertibilidade entre o dólar e o ouro – e com a confiabilidade na moeda americana – o que leva a uma mudança do eixo central do comércio internacional com perda da hegemonia dos Estados Unidos diante da Europa e do Japão, reindustrializados e fortes concorrentes de um hegemônico a sentir a redução de seus lucros até então crescentes.
É nesta faixa dos anos 70-80 do século passado que os Estados Unidos se decidem a reformar o sistema internacional de comércio, ao mesmo tempo que se aprofunda a temática da segurança internacional na polarização da “ Guerra Fria “.
A segurança internacional- expressa cotidianamente na política de contenção do “ Perigo Vermelho”- se miscigena bastardamente com os princípios do “destino manifesto “ , ambos insensíveis ao desenvolvimento econômico buscado pelos países em desenvolvimento.
A ideologia do neoliberalismo se servirá hábilmente tanto do “ Perigo Vermelho” quanto do destino manifesto para dificultar a defesa da soberania econômica pelos países em desenvolvimento.
Geisel e Silveira, ao denominarem a política externa brasileira de “ pragmatismo responsável” procuram circunscrever os dois torniquetes do destino manifesto e do Perigo vermelho.
Até porque os Estados Unidos claramente utilizam o destino manifesto como uma cruzada anti-comunista, o que tende a impedir a liberdade de relações comerciais com países socialistas.
Esta, aliás, foi outra decisão corajosa tomada por Geisel, ao reatar relações diplomáticas com a China, o que Costa e Silva, que o antecedeu na Presidência da República, não se permitiu fazer.
Este pano de fundo, excessivamente sintético, nos permite melhor entender como o panorama das negociações comerciais multilaterais estava contaminado por forças antagônicas ao interesse dos países em desenvolvimento e como a defesa dos interesses nacionais do Brasil se via constrangida igualmente por fórmulas vicárias de puro expansionismo econômico, travestidas de nobres defesas contra o expansionismo político soviético.
Finalmente, a essas contingências políticas acrescentavam-se outras ,trazidas por grupos de pressão econômicos, ou “lobbies “ específicos em defesa de interesses não só comerciais, mas também de manutenção de disparidades como monopólios ou oligopólios.
O Consenso de Washington se notabilizou por defender a desregulamentação de controles criados pelo Estado em defesa do consumidor, o que levou a um aumento da especulação pura e simples. E, lembremos, à crise financeira de 2008. A crise da soberba bancária. E do golpe hipotecário na classe média americana.
Para completar, os Estados Unidos da América, achou de boa política de vizinhança retirar fundos dos orçamentos de organizações multilaterais, como a UNCTAD, francamente dedicada a prestar assistência técnica aos países em desenvolvimento. Da UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura, os Estados Unidos se retiraram por vários anos, numa demonstração de unipolaridade cultural.
Descrevo este quadro político, porque pretendo entrar agora num exemplo prático dos efeitos negativos para o Brasil de negociações multilaterais econômicas ,quando a combinação desses fatores acima descritos se impõem negativamente numa negociação de altíssima importância para a vida e a saúde das populações dos países em desenvolvimento.
Refiro-me em especial às negociações sobre as patentes farmacêuticas levadas a cabo na OMPI ( Organização Mundial da Propriedade Intelectual ) e na OMC ( Organização Mundial do Comércio).
Talvez você compreenda porque considero esta negociação um exemplo perfeito sobre a utilização de conceitos aparentemente consistentes com o Direito Internacional, mas, na realidade, apenas um amálgama sub-sofisticado de nosso velho “conto do vigário”.
Nem o primeiro nem o último. Mas, um dos mais bem articulados. Um show de “Beggar-thy- neigbhour”. Ou em português castiço : “ dane-se o teco-teco”!