Muitos irão discordar, é claro, mas não gosto do governo Maduro.
Em primeiro lugar, me parece que Maduro é uma liderança que dista muitíssimo da estatura política de Hugo Chávez.
Em segundo, creio que o governo de Maduro afastou-se bastante dos ideais profundamente democráticos da revolução chavista. Uma revolução que implodiu o pacto político oligárquico de Punto Fijo e investiu fortemente na participação popular e em um sistema eleitoral moderno. Essa foi uma decisão do povo da Venezuela, a qual quedou inscrita na nova constituição daquele país. Não foi uma imposição de alguma potência extrarregional.
Entretanto, os resultados metafísicos e as atas fantasmagóricas das últimas eleições levantam a forte suspeita de que o pleito foi fraudado, em clara violação da constituição chavista e em confronto com os Acordos de Barbados.
Sem dúvida, o governo Maduro tornou-se pouco confiável e traiu o apoio que o Brasil e vários outros países depositaram nos famosos Acordos de Barbados.
Apesar de tudo isso, e não é pouca coisa, defendo a ideia de que o Brasil não deva vetar o ingresso da Venezuela no BRICS.
Por quê?
Assim como Israel não deve ser confundido com o governo de Netanyahu, acusado de genocida, a Venezuela, um importante vizinho nosso, não pode ser confundida com o desastroso governo de Maduro.
Relações diplomáticas se dão entre países e Estados, com base em seus interesses de longo prazo. Por conseguinte, as idiossincrasias políticas e ideológicas de governos específicos têm de ser abstraídas, nos cálculos estratégicos.
Talvez não se possa confiar em Maduro, mas pode-se confiar inteiramente no fato de que a Venezuela tem cerca de 2,200 quilômetros de fronteira conosco e vários problemas que demandam soluções comuns e coordenadas, como o do fornecimento de energia, o desenvolvimento das áreas fronteiriças e a questão migratória.
Saliente-se que, em 2007, tivemos nosso maior saldo comercial com a Venezuela. Hoje, após a crise e o rompimento das relações diplomática entre Brasil e Venezuela, na época de Bolsonaro, perdemos muita presença naquele país. A China e outros países possuem, hoje, presença muito maior em Caracas.
Também podemos contar com o fato de que a maior parte da oposição venezuelana também não é muito confiável, e tampouco demonstra ter compromisso efetivo com a democracia.
Nessas circunstâncias, o investimento em retaliações e isolamento nos parece contraproducente, tanto para os interesses maiores da Venezuela quanto para os interesses do Brasil.
À direita, o simples veto não é suficiente. O que a direita quer é o que Bolsonaro fez: romper relações com o governo de facto da Venezuela e reconhecer um governo fictício (o de González Urrutia), o Juan Guaidó 2. Assim, não se ganha nada com o veto e ainda se assiste ao desgaste na imprensa reacionária, a qual dá amplo destaque ao imbróglio e às diferenças de posição entre Putin e Lula.
O Brasil precisa, mesmo nas atuais circunstâncias difíceis, insistir em negociações e na cooperação. Não há alternativas racionais.
A entrada da Venezuela no BRICS, além de fortalecer o grupo multipolar com a maior reserva de hidrocarbonetos do mundo, poderia possibilitar a redução do impacto de algumas sanções, que tanto dano causam à população da Venezuela.
Discordo. Tal veto, se mantido, será uma derrota da nossa tradição diplomática.
O Brasil, soft power por excelência, destaca-se por sua capacidade de dialogar e cooperar. Destaca-se por sua atitude sempre propositiva e positiva, no cenário mundial. Não vetamos, não sancionamos, não intervimos. Praticamos o que os nossos princípios constitucionais determinam. Investimos em multipolaridade, em multilateralismo, e na paz Nossa tradição é a de Rio Branco. Não é a de Theodore Roosevelt. Não carregamos um Big Stick. O fracasso das negociações é uma derrota da paz e da racionalidade.
Claro está que a reação ensandecida do governo Maduro de acusar o Brasil de traição e de comparar Lula com Bolsonaro é ridícula. Quem traiu, por diversas vezes, a confiança do Brasil foi Maduro.
Na realidade, é a única que poderia impedir a expansão de conflitos extrarregionais para nossa região, um ganho geopolítico significativo.
Ainda há tempo de rever a posição, num quadro de expansão parcimoniosa, porém inevitável do BRICS.
Afinal, como disse Voltaire: A tolerância nunca foi causa de guerra civil; ao contrário, a perseguição cobriu a terra com sangue e carnificina.