O CEO do Bradesco, Marcelo Noronha, numa entrevista à Globonews na última sexta-feira, se revelou muito preocupado com o futuro próximo da economia brasileira. Como bom porta-voz do mercado financeiro, não se revelou muito entusiasmado com os números da economia que revelam situação de virtual pleno emprego e aumento de 6% na renda do trabalhador. Ao contrário. Sua recomendação é que o Banco Central aumente a Selic e a Fazenda corte o déficit primário, para reduzir a atividade econômica a fim de controlar a inflação e estabilizar o câmbio.
Como não pertenço à confraria dos banqueiros e nem especulo no over, vou pedir licença ao executivo para apresentar meu ponto de vista de economista e professor independente, exatamente oposto ao dele. Primeiro, quero dizer que a Selic é uma taxa espúria para ser usada a fim de controlar a inflação. Trata-se de um indicador arbitrário de inflação futura, baseado em expectativas dos componentes do Copom e dos próprios donos de bancos e de grandes corretoras (boletim Focus), estes justamente os mais interessados em sua elevação.
Segundo, mesmo uma taxa de juros objetiva e honesta para ser usada no controle da inflação, como o IPCA do IBGE, tem eficácia limitada, pois ninguém prova uma relação de causalidade estrita entre aumento de taxa de juros e queda ou estabilidade da inflação. A inflação não é um fenômeno apenas monetário, mas se deve principalmente à relação objetiva entre oferta e procura de bens e serviços no mercado real. Fatores externos à política monetária e fiscal como guerras, quebras de safras, embargos comerciais e outros, que afetam oferta e demanda, podem contribuir mais para a desestabilização dos preços do que a taxa de juros e o déficit público.
Quanto ao déficit público, cujos cortes no orçamento primário os conservadores-neoliberais, bem representados pelo CEO do Bradesco, consideram, repetindo em uníssono como num coro grego, essenciais para a estabilidade dos preços, também não constituem necessariamente causa de inflação. Ao contrário, se esses déficits forem contrabalançados por bons e responsáveis investimentos públicos em infraestrutura e em investimentos privados na produção de bens e serviços de consumo popular, não haverá necessariamente inflação ou, sobretudo, aumento do custo de vida.
Assim, quando se analisa a economia fora dos padrões ideológicos do conservadorismo-neoliberal, também não é preciso, para que o País cresça com sustentabilidade, que tenha equilíbrio fiscal. Na verdade, o que se requer para assegurar a estabilidade inflacionária com crescimento é justamente o oposto. Ou seja, que um desequilíbrio inicial do orçamento primário, resultante da expansão da demanda acima dos gastos e investimentos públicos, induza o aumento da produção de forma dinâmica, a fim de que o equilíbrio de oferta e demanda no mercado real seja sempre restabelecido pelo aumento da produção (com contribuição de importações) e não pelo corte da demanda.
O desequilíbrio deve sempre começar pelo lado da demanda. Se começar pelo lado da oferta, haverá no mercado mais produtos disponíveis para o consumo do que consumidores dispostos a comprá-los. Com isso, os produtores desligariam suas máquinas e migrariam para o setor financeiro especulativo, atraídos pelas altíssimas taxas de juros oferecidas nele pelo Banco Central. Quando o desequilíbrio começa pela demanda ocorre o contrário. O consumo pressiona a produção, aumentando a oferta e as importações. Isso significa que, para estabilizar os preços, o fundamental é garantir o equilíbrio dinâmico entre demanda e oferta, do que resulta o crescimento do PIB.
Resumindo: para fomentar o crescimento sustentável sem aumento do custo de vida e da inflação não é preciso reduzir ou eliminar o déficit primário, nem aumentar juros, desde que haja a contrapartida de bons projetos do próprio Governo ou da iniciativa privada em investimentos em infraestrutura e produção de bens e serviços de amplo consumo. Só que, para isso, é indispensável a contribuição do Banco Central para aumento da liquidez da economia, respondendo ao déficit orçamentário, e levando à queda dos juros a fim de estimular a produção e o investimento privado.
Como temos amplos recursos naturais, principalmente de energia, e suficientes reservas internacionais de mais de US$ 355 bilhões a fim de servir de garantia para financiamentos internacionais de máquinas, equipamentos, tecnologia e insumos industriais, estamos em condição de aumentar a produção como contrapartida do déficit, garantindo a estabilidade dos preços.
Cabe, assim, ao Bacen contribuir para criar as condições de mercado a fim de assegurar a expansão dos investimentos, ou seja, deve assegurar juros baixos às empresas, com a eliminação da Selic espúria; e cabe ao Planejamento estabelecer os mecanismos públicos e privados (incentivos) para distribuição entre investimentos de infraestrutura, que criam oferta de longo prazo, e investimentos para a produção de bens de consumo popular, que devem responder à demanda corrente e à nova demanda de curto prazo (salários, insumos, serviços) que resulta dos próprios investimentos de infraestrutura.
Resta a questão do câmbio. A queda dos juros pode levar à desvalorização cambial, especialmente por conta da retirada de aplicações financeiras especulativas no mercado aberto. Mas isso não é necessariamente ruim para a economia. Se essas retiradas significam fuga de capital especulativo, ótimo. Os investimentos produtivos continuarão vindo para a economia brasileira, e eles são os que nos interessam do ponto de vista da geração de empregos. Além disso, câmbio forte significa destruição de nossa capacidade competitiva no mercado externo. É péssimo para a economia.
A paridade do dólar com o Real, no lançamento da nova moeda em 1994, iniciou um processo de destruição que atingiu virtualmente um terço da capacidade industrial brasileira, junto com milhões de postos de trabalho de melhor qualidade. Um real valia um dólar. Fernando Henrique Cardoso, eufórico, celebrou o fato de que o trabalhador poderia comprar com apenas um real um frango assado, ou uma garrafa de cerveja. Aonde isso levou? A uma escalada do desemprego no mercado de trabalho formal e à extrema expansão da informalidade.
O CEO do Bradesco está confundindo pleno emprego com uma situação do mercado de trabalho que inclui os trabalhadores do mercado informal. São cerca de 39 milhões, hoje, praticamente sem direitos trabalhistas ou previdenciários. No mercado formal, são incluídos os trabalhadores das áreas de serviços, onde o emprego efetivamente está crescendo. Contudo, mesmo esses empregos, comparados aos que foram perdidos na indústria com a política cambial irresponsável do Plano Real, têm remuneração muito menor. Assim, o mundo do trabalho brasileiro se encontra diante de uma de suas piores fases na história.
Isso implica o imperativo da continuidade da atividade econômica em níveis elevados, a fim de assegurar o desenvolvimento sustentável do País com justiça social. É o contrário do que querem o executivo do Bradesco e seus pares do mercado financeiro, que exigem políticas fiscais e monetárias restritivas. Estas roubam bons empregos do sistema produtivo industrial em troca de papéis ou de sinais eletrônicos no over que, em si mesmos, não dão nenhuma contribuição produtiva, direta ou indireta, à sociedade, além de consumirem a parte de leão de sua renda.
Na realidade, diante dos desastres climáticos extremos e recorrentes que estão acontecendo no País, os investimentos públicos e privados para sua reconstrução e prevenção necessariamente vão aumentar. Ao exigir equilíbrio orçamentário e a elevação da Selic, com o suposto objetivo de estabilizar os preços, o “mercado” continuará cometendo seus crimes contra o povo brasileiro, em níveis ainda mais elevados que os comuns. É que estará impondo ao Estado, através da manipulação da mídia, a contração da produção e da oferta de bens e serviços no mercado, enquanto as despesas (demanda) crescerão devido às necessidades reais de reposição da infraestrutura e dos de bens e serviços destruídos pelas tragédias climáticas.