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Construção da cidadania no nacional trabalhismo: educação e saúde

Construção da cidadania no nacional trabalhismo: educação e saúde como pilares essenciais para o desenvolvimento social. Por Pedro Augusto Pinho*

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Os dois grandes grupos da gestão de um Estado, que se defina como nacional trabalhista, são a defesa permanente da Soberania Nacional e a construção da Cidadania, que é o processo contínuo do desenvolvimento da sociedade.

Em artigos anteriores tratamos de aspectos fundamentais da Soberania, como a energia, o transporte e a comunicação. Neste iniciamos desenvolvendo alguns pilares da construção da Cidadania: a educação, a saúde, a habitação, a mobilidade urbana, a garantia dos direitos e a comunicação, no sentido do povo para as mídias e para o poder político.

Educação

Ao discorrer sobre a comunicação como defesa da Soberania, tratamos brevemente da função educadora do Estado, que esteve ausente do domínio público por 430 anos de nossa história. Foi somente em 14 de novembro de 1930, 11 dias após ser designado presidente do Governo Provisório, pelo comando da revolução vitoriosa de 1930, que o estadista Getúlio Dornelles Vargas colocou a educação e a saúde como obrigações do Estado brasileiro (Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública).

Se em 12 de maio de 1551 era instituída, em Lima (Peru), a Universidade Nacional Maior de São Marcos, no Brasil, nossa primeira universidade foi criada pelo Decreto 14.343, de 7 de setembro de 1920, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ). O que evidencia que, no longo período em que prevaleceu a privatização do ensino, provocou-se também a manutenção da ignorância sobre tudo que nos diz respeito e que manteve o País atrasado.

Laís Olivato, em 2020, apresentou sua tese de doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), tratando de “Um projeto educacional nas Independências: A circulação do plano de ensino mútuo na América do Sul (1810-1830)”. Observa, de início, que a divisão colonizadora espanhola – Nova Espanha, Nova Granada, Vice-Reino do Peru e Vice-Reino da Região do Prata e Chile – criara certa indefinição das fronteiras para as novas repúblicas, que, ao ganharem suas independências, tiveram facilitadas, em diversos aspectos, sua integração sul-americana.

Assim, foi possível aliar a educação ao projeto político ligado ao de uma sociedade liberal pautada no utilitarismo inglês. Era “possível vislumbrar a construção de uma nova moral social, mais técnica e científica, que modelasse as virtudes do povo. Em outras palavras, defendia-se o poder transformador da Educação”.

“Vale lembrar” afirma Laís Olivato, “que, no período das Independências, as discussões educacionais entre a América do Sul e a Europa se desenvolveram junto aos debates sobre novas formas de governo ou de se fazer política”.

Prossegue Olivato, “o plano de ensino mútuo – como foi chamado o projeto de expansão do método de ensino lancasteriano no primeiro terço do século 19 – previa que, a partir da aplicação de técnicas de instrução bem direcionadas às crianças pobres de ambos os sexos, a criminalidade poderia ser reduzida e cidadãos disciplinados seriam formados”.

O impulsionador destas ideias foi o quaker inglês, pedagogo, Joseph Lancaster (1778-1838), que trazia a possibilidade de educar centenas de crianças utilizando poucos recursos materiais e humanos. “As aulas nas escolas mútuas inglesas eram regidas por apenas um professor que se valia de monitores para conduzir o ensino de centenas de alunos e um rebuscado sistema de prêmios e castigos para conter a indisciplina. Na sociedade britânica, cada vez mais industrial, o foco desses estabelecimentos era atingir as crianças – os filhos dos operários – as quais passavam os dias vagando pelas ruas da cidade”.

No período que vai de 1821 a 1826, as escolas de Santiago, Bogotá, Caracas, Quito, Lima e Buenos Aires adotaram este “método de ensino múltiplo”.

Embora a influência inglesa também fosse visível no período da transição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815) para o Império do Brasil (1822), e tivesse prosseguido até o primeiro período republicano, na área educacional prevalecia a orientação religiosa, principalmente dos jesuítas, que aqui chegaram com Tomé de Sousa em 1549.

Na América do Sul, com as independências, a educação se iniciou em instituições privadas, logo o Estado passou a organizá-las e foi sob esta orientação que passou ao século 20. No Brasil, no entanto, apenas por pouco tempo e para que o Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892) atendesse seu amigo, também militar, o positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), existiu o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criado pelo Decreto nº 346, de 19 de abril de 1890, e extinto pela Lei nº 23, de 30 de outubro de 1891, menos de dezenove meses.

Se no método do ensino múltiplo havia o interesse na formação profissional, no método jesuítico apenas prevalecia a obediência e a disciplina para salvar a alma.

O grande feito de Getúlio foi colocar, como obrigação do Estado, o ensino laico, universal e gratuito para todo povo brasileiro. E, com as ideias trazidas pela publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932) e a presença de Heitor Villa-Lobos (1887- 1959), nomeado por Vargas, em 1932, para diretor da Superintendência de Educação Musical e Artística, esta educação foi moderna e ampla, com o canto orfeônico como disciplina e com as crianças entoando os hinos pátrios, favorecendo o nacionalismo.

A educação no século 21, no entanto, não deve ser a mesma de Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970), Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), nem mesmo como a “prática da liberdade” de Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997). É imperioso ser a de tempo integral, unindo a presencial com a virtual, como propôs Darcy Ribeiro (1922-1997) para os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) alargados, no projeto que vai das creches às universidades, pois, como dizia este sábio brasileiro, “o que chamamos de menor abandonado e delinquente é tão somente uma criança desescolarizada ou que só conta com uma escola de turnos”.

Saúde

A doença chegou ao Brasil com os colonizadores e encontrou a população aqui residente totalmente desprotegida, a história computa estas mortes no que se conhece como o maior genocídio da história, que, com as mortes pelos bacamartes e pela escravidão, eliminou perto de 90% da população original das Américas.

Houve aspectos políticos e ideológicos envolvidos nesta selvageria com aqueles que foram denominados “selvagens”. É preciso portanto ter muito cuidado ao nos informarmos sobre as agressões, de todas as maneiras, pois as narrativas vêm eivadas de interesses ocultos e propósitos velados.

No período colonial, quem precisava buscar auxílio médico recorria a pajés, curandeiros ou boticários que viajavam de maneira informal e sem qualquer planejamento ou ação do poder público.

Talvez o receio de ser vítima das doenças que os portugueses por aqui disseminaram, ao chegar a Salvador (Bahia), em 22 de janeiro de 1808, o futuro D. João VI tratou, ali mesmo, de criar a Escola de Cirurgia da Bahia, em menos de um mês, 18 de fevereiro de 1808. Esta escola viria a ser a mais antiga unidade de ensino superior do Brasil, hoje denominada Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb), da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Muito pouco se fez em prol da saúde até 1930. As poucas iniciativas surgiam das enfermidades e pandemias que atingiam indistintamente a toda população, aí incluída a nobreza. Uma destas foi o Instituto Vacínico do Império, criado em 17 de agosto de 1846, diante da epidemia de varíola que assolou o Rio de Janeiro.

Os jesuítas também participaram com as Santas Casas, em Santos, Rio de Janeiro e Salvador, da atenção à saúde.

O poder público esteve praticamente ausente de um projeto sanitário e o poder privado pouco se interessou, até a I República, ou República Velha, tornando o Brasil destacado internacionalmente pelos surtos de doenças infecciosas, a ponto de prejudicar sua economia.

Em 1903, Oswaldo Cruz (1872-1917) é nomeado diretor geral de Saúde Pública, e promoveu, em 1904, a campanha de vacinação compulsória contra a varíola, que levou a população do Distrito Federal (Rio de Janeiro) ao movimento de rua conhecido como “Revolta da Vacina”.

Em 1920, a Diretoria Geral de Saúde Pública foi extinta, e criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), sob direção do pesquisador e sanitarista Carlos Chagas (1879-1934).

Mais uma vez foi o estadista Getúlio Vargas que colocou o Estado para tratar organicamente, com a força de sua representatividade nacional, do problema que afligia a todos brasileiros: a saúde. Inicialmente a questão da saúde teve forte participação do movimento sindical, associada aos Institutos de Aposentadoria e Pensão.

A ideia de Getúlio foi dotar de poder efetivo os trabalhadores, colocando os sindicatos participando da seguridade social ao trocar, a partir de 1937, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), de controle empresarial, pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), conforme as categorias profissionais. No entanto, se acertou por um lado, falhou na efetividade da prestação da saúde. Um sistema de saúde, digno deste nome, deve ter a prevenção como o maior objetivo, o que envolve um sistema de vacinação e um cuidado preventivo, que as Clínicas da Família do Sistema Único de Saúde (SUS) atendem perfeitamente, apenas exigem mais recursos e melhor distribuição geográfica.

Em 1953, é criado o Ministério da Saúde, com foco não apenas em ações educativas e campanhas, como na manutenção de serviços assistenciais para os não segurados da previdência.

Em 1975, como resultado da V Conferência Nacional de Saúde, o poder público, sob presidência do General Ernesto Geisel, cria o Sistema Nacional de Saúde, acabando com os IAPs e os unificando no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que sofre intensa campanha dos médicos e empresários do setor da saúde no Brasil.

Como se observa, a assistência social estava associada à previdência social, o que atingia apenas os trabalhadores formais e seus dependentes que constituíam cerca de 30% da população brasileira.

Em 1982, instituiu-se o Plano Conasp, que extinguiu o pagamento por unidades de serviços ao setor privado, contratado pelo Inamps, implantou as autorizações para internação hospitalar (AIH) e possibilitou, por meio das Ações Integradas de Saúde (AIS), o acesso aos serviços previdenciários e de saúde pública para a população não segurada.

Foi com a Constituição de 1988 que o Brasil passou a contar com o Sistema Único de Saúde (SUS) que até hoje prevalece. Considerado como dos maiores sistemas públicos de saúde mundiais, o SUS é descrito pelo Ministério da Saúde como “um sistema ímpar no mundo, que garante acesso integral, universal e igualitário à população brasileira, do simples atendimento ambulatorial aos transplantes de órgãos”.

Conforme dados divulgados pelo Portal da Saúde do Governo Federal, em 2023 foram gastos R$ 161,22 bilhões, valor inferior ao orçado (R$ 185,46 bilhões), enquanto a despesa com juros, pagas pelo Governo Federal, foi R$ 816,2 bilhões.

O grande problema da saúde no Brasil não está, diferentemente de outras atividades, na estruturação do sistema, mas na oposição que ele recebe dos próprios médicos, em especial dos médicos empresários, donos de redes hospitalares e de empresas importadoras de materiais, instrumentos e aparelhos para área da saúde.

Porém os médicos já não conseguem manter suas clínicas sem participar de um sistema de saúde dirigido por seguradoras ou entidades paraestatais. E, como contratados, os médicos são microempreendedores individuais (MEIs), sem direitos trabalhistas nem previdenciários.

Em síntese, pode-se afirmar que por longo período da nossa história, a saúde, como a educação e tantas obrigações do Estado para a população, permaneceu privada e ineficaz. Até que a falta de saúde passou a prejudicar a economia e o conceito do próprio País. Foi o período em que o Estado entra na medicina preventiva, com os programas de vacinação.

Com Vargas que, ao contrário de muitos analistas, não era estatizante, a saúde passa a ser conduzida como parte da assistência e previdência social, onde os sindicatos podiam atuar pelo sistema político. Para os funcionários públicos foi criado sistema semelhante, porém sob controle direto do Estado.

Este modelo permaneceu até o período dos governos militares, que estatizaram a previdência por motivação econômica e para enfraquecer o movimento sindical. Esta forma levou à criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, que durou de 1º de maio de 1974 até a reforma administrativa de abril de 1990.

Com o SUS, o Brasil já tem sistema adequado para construção da cidadania, que vem sendo, de algum modo, sabotado pela orientação neoliberal dos governos após 1990.

A questão da saúde exige a perspectiva sistêmica e recursos, que hoje são destinados ao sistema financeiro para a dívida sem auditoria, como tantos outros gastos.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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