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É a briga pelo fundo público, seu estúpido!*

Estado constitui-se no garantidor de última instância do sistema Por Ranulfo Vidigal**.

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Na era Clinton, no governo americano, seu consultor econômico cunhou a frase: “É a economia, estúpido!”, para afirmar que o ritmo da atividade produtiva define uma eleição. No título do presente artigo, recordo essa tirada para trazer à tona a verdadeira “briga de foice” pelos recursos do fundo público (a parte da riqueza taxada por impostos) que domina a cena nacional. Para alguns grupos, o orçamento do Estado brasileiro parece uma farta vaca leiteira, distribuindo fundos e garantindo a sobrevivência de muito poucos.

Enquanto isso, a economia tupiniquim enfrenta problemas aparentemente insolúveis de produtividade, preços fundamentais (câmbio e juros), salários reais corroídos, serviços públicos precários e infraestrutura aos frangalhos (vide a crise paulistana). Os dados oficiais nos indicam o seguinte quadro de debilidade: o Governo Central gasta 19% do PIB, dos quais míseros 0,7% do PIB em investimentos. Em contrapartida, a formação bruta de capital fixo – crucial no processo de acumulação de capital – é de 17,5% do PIB.

Como a economia é cíclica e a conjuntura internacional, dominada pela intensificação dos conflitos bélicos e pela desaceleração gradativa no ritmo da economia chinesa, traz grande instabilidade ao quadro da geração de oportunidades lucrativas, os detentores de sobras de caixa (lucros) se afugentam nos braços do poder público, parceiro natural das várias frações da burguesia nacional.

A taxa de investimentos na economia prossegue baixa, contudo, os dividendos (que, aliás, não pagam impostos em nosso país) distribuídos pelas empresas cotadas na B3 atingiram, somente nos primeiros nove meses deste ano, R$ 222 bilhões, valor 30% acima do ano anterior. Entender as nuances é crucial.

Na crise, quando a taxa de lucro das empresas produtivas cai, o fundo público, na forma de dívida interna federal, entra em campo para garantir os ganhos dessa massa de dinheiro excedente “adormecida” esperando a volta do ciclo e das novas oportunidades de ganho. Para comprovar isso, hoje o estoque de endividamento como proporção do PIB sobe pressionado pelo ritmo do déficit nominal, aquele que inclui a conta de juros embutida no orçamento, e supera a cifra espantosa de R$ 1 trilhão ao ano. O gasto primário, que impulsiona o crescimento da economia, desde o período da pandemia, está crescendo na casa dos 8% ao ano – muito acima do limite imposto pelo Arcabouço Fiscal (+2,5%).

Nesse ritmo frenético, a dívida pública como proporção do PIB já subiu 6 pontos percentuais, de 2022 até agora, e subirá outros 6 pontos até o final do mandato do atual governo, devendo atingir 84% do PIB. Não custa lembrar que o caríssimo juro real embutido na dívida pública federal – de 7% ao ano – colabora para essa cifra!

O endividamento crescente pressiona o prêmio de risco, eleva o valor do dólar frente ao real – uma moeda não conversível internacionalmente – e desancora as expectativas dos agentes financeiros, ávidos por lucros no giro de seus títulos. Para variar, o déficit em transações correntes do Balanço de Pagamentos atinge 1,6% do PIB, e esta situação piora, conjunturalmente, o quadro de nossa relação financeira com o exterior. Para fechar essa conta, pressionados pela saída de dólares, contamos com grana volátil e de curto prazo.

E tem mais: o Orçamento Federal de 2025 prevê R$ 544 bilhões em renúncias a impostos sobre variadas atividades produtivas. O Simples Nacional lidera a lista com R$ 121 bilhões; o agronegócio abocanha R$ 83 bilhões; os declarantes de Imposto de Renda, R$ 46 bilhões; a Zona Franca de Manaus, R$ 30 bilhões; e a indústria automobilística, R$ 8 bilhões.

Em contrapartida, o Brasil investe apenas 4% do PIB para financiar o Sistema Único de Saúde, que atende 75% da população, enquanto o capital privado investe outros 6% para cobrir os 25% que dependem de planos de saúde. É inegável a necessidade de mais recursos para essa área, quando nossa população fica mais idosa e tenta viver mais, e de forma saudável. Contudo, a proposta é cortar o orçamento dessa área. O mesmo ocorre com o Fundeb, da educação básica, que, segundo a imprensa corporativa, pode sofrer cortes de R$ 30 bilhões e inviabilizar o incremento do piso salarial do professorado.

Resumo da ópera: o fundo público e os agentes do Estado dão as cartas do jogo e também atuam ativamente no sistema nacional de crédito – da agricultura ao consignado. Constitui-se, na verdade, no garantidor de última instância do sistema, injetando dinheiro, garantindo contratos e gerenciando os riscos das diversas frações do grande capital nacional e internacional atuando no país. Essa é uma realidade que predomina há décadas.

Nesse contexto, sem levar em conta as condições materiais concretas da maioria da população, qualquer tentativa de pensar as perspectivas políticas e sociais de nossa terra pode enveredar por diagnósticos parciais sobre o futuro da rica nação brasileira. Um sintoma é o elevado contingente de eleitores que sequer foram votar nas últimas eleições.

**Ranulfo Vidigal é economista. Original publicado em:

É a briga pelo fundo público, seu estúpido!

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