Lula, como diria Raul Prebisch, o grande economista argentino do desenvolvimentismo keynesiano latino-americano, descobriu uma das forças do desenvolvimento: a combinação de valorização do salário mínimo + programas sociais desenvolvimentistas.
Por isso, ele disse que despesas sociais não são gastos, mas investimentos.
O arcabouço fiscal mata Lula como ideia desenvolvimentista, prepara-o para a derrota eleitoral em 2026.
Por isso, o governo está dividido diante do pacote fiscal neoliberal dos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento.
A resistência desenvolvimentista que ganha ímpeto como negação do arcabouço está mudando a correlação de forças no debate sobre o ajuste fiscal.
Mobilização das forças progressistas dividem o governo para fortalecer Lula a lutar contra o mercado, favorável ao arrocho fiscal neoliberal.
É nesta mobilização que Lula aposta politicamente para vencer, de novo, como disse, o mercado especulativo anti-desenvolvimentista, pró-arrocho fiscal.
Como ele está concebido, entra em contradição com a proposta politicamente progressista que movimenta corações e mentes dentro do PT e aliados.
O conteúdo social implícito à formação da consciência política da esquerda não convive com o seu oposto radical, o da direita-ultradireita-Faria Lima, cuja prioridade é conceber o Estado como distante da proposta de superação das desigualdades.
A resistência progressista anti-arcabouço é pelo Estado Social, não o Estado Rentista.
O neoliberalismo, que entrou para valer na concepção política dominada pelo rentismo, em que a prioridade é eliminar custos do Estado em nome da eficiência, que resulta acumulação crescente de injustiça social, provoca tensões políticas crescentes capazes de romper a estabilidade institucional.
O governo Lula está diante desse problema, agora.
Nesse sentido, está entrando em estresse, o arcabouço fiscal que o mercado financeiro tenta impor-lhe, forçando cortes de gastos que sustentam os mais pobres, para continuar transferindo rendas aos mais ricos, em proporções incontroláveis, que levam ao rompimento da estabilidade política.
Lula se recusa a enterrar sua própria marca: apóstolo de que gasto social é investimento e é com ele que matará a fome dos mais pobres e criar vantagens comparativas para os mais ricos, mediante consumo interno como ativo decisivo do desenvolvimentismo lulista.
HADDAD E TEBET NA CORDA BAMBA
Se insistirem em vocalizar os argumentos da Faria Lima, dentro do governo, correm o perigo de se enfraquecerem, politicamente, quanto mais irá se aproximando o tempo das eleições presidencial, parlamentar e federativas, em 2026.
A experiência das eleições municipais deixou claro que o arrocho fiscal acelera tal estresse político.
O governo se submeteu, de forma demasiada, à política monetária estabelecida pelo Banco Central Independente, sob pressão do mercado e apoiada pela direita e ultradireita política no legislativo.
Esse movimento revelou a emergência do semipresidencialismo ou semiparlamentarismo inconstitucional contra o qual o governo não tem força parlamentar para lutar, submetendo, assim, ao novo status quo antidemocrático.
O resultado de tal submissão, restrito ao plano institucional, levou à derrota eleitoral municipal.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL COMO ANTÍDOTO
Como reverter a submissão ao Congresso e dar a volta por cima?
O conceito de democracia é o governo do povo pelo povo exercido sobre seus representantes>
Contudo, se os representantes votam e agem contra o povo, aliado às forças antipopulares, como as capitaneadas pela Faria Lima, com apoio do semipresidencialismo inconstitucional, restaria ou não ao Executivo, eleito diretamente pelo povo, convocar o poder originário, as forças populares organizadas para defendê-lo?
É a organização popular o quarto poder sobre o qual Lula se ergueu para virar presidente.
Seria essa a interpretação que se pode alcançar da fala do presidente de que já venceu o mercado e poder novamente vencê-lo em favor dos interesses da maioria ameaçada pelo arcabouço fiscal neoliberal?
O parlamento, sob semipresidencialismo inconstitucional, descolou-se do presidencialismo constitucional, por meio das chamadas emendas parlamentares – que liga o parlamentar à estrutura de poder municipal e regional ao largo da vontade do poder do executivo fragilizado – e inviabiliza governabilidade desenvolvimentista com a qual o presidente se comprometeu em campanha eleitoral.
O Congresso neoliberal joga contra a população assumindo papel semipresidencialismo.
Nega a democracia: está a ilegalidade.
Mas, o restabelecimento da constitucionalidade rompida pelo semiparlamentarismo/semipresidencialismo inconstitucional não se dará no âmbito da institucionalidade rompida/corrompida.
Exigirá, para que tal aconteça, a mobilização social impulsionada pelo executivo, eleito diretamente pelas forças populares, pois, caso contrário, será derrubado pelos mecanismos institucionais manipulados, no semipresidencialismo inconstitucional, que se impõe pelas exigências expressas contidas no arcabouço fiscal neoliberal.
ARMADILHA INCONSTITUCIONAL DO RENTISMO
O governo Lula, diante do arcabouço incompatível com a Constituição, evidenciando a armadilha do mercado financeiro por meio de ataque especulativo semanal à moeda para provocar inflação, está só diante da massa de trabalhadores que precisará ser mobilizada para defender o presidente.
O mercado cria especulativamente a inflação que exige juros mais altos para combatê-lo, conforme os manuais ortodoxos impostos pela financeirização econômica total.
O mercado cria a inflação e a narrativa de que para combate-la é preciso juros altos, para não ultrapassar a meta inflacionária, tal como o cachorro correndo atrás do próprio rabo – sempre vai precisar de mais juros para alcançar a ilusão do controle inflacionário financeiro.
É o preço que o mercado cobra do governo em forma de corte de gastos sociais para se assegurar no pagamento de juros e amortização da dívida em escala crescente, próxima de R$ 800 bilhões/ano.
A sangria financeira levou o governo à derrota eleitoral, porque a prioridade passou a ser o ajuste financeiro, não o desenvolvimento social.
Agora, o financeiro quer engolir o social.
A reação dentro do governo, nesse período pós-eleitoral, contra o pacote fiscal de arrocho neoliberal proposto pela equipe econômica, está sendo empurrada pela própria divisão que ele proporciona, sendo camisa de força antidesenvolvimentista, para incorporar a participação popular.
Evidencia-se, claramente, a luta de classe dos ricos contra os pobres.
Lula, como mediador, nega aceitar as propostas de Tebet e de Haddad, que, por isso, colocam-se como peças políticas candidatas a se enfraquecerem, diante da reação das bases de sustentação ao governo, contrárias ao arrocho fiscal.
Desenvolvimentismo e neoliberalismo brigam dentro do poder.
SINAIS DE MUDANÇA À VISTA
Se Fazenda e Planejamento continuarem insistindo na defesa da proposta do mercado financeiro, ao qual estão relacionados mais estreitamente do que com a base social do governo, caminham para o desgaste, cujas consequências, no limite, podem resultar em saída do governo, numa reforma ministerial.
As bases querem debate, não aceita que arcabouço fiscal seja aprovado sem discussão com ela.
O interlocutor do ministro Haddad não foram as bases lulistas, mas o mercado financeiro, a Faria Lima.
No primeiro governo Lula (2003-2006), quando a posição neoliberal do ex-ministro Palocci se tornou insustentável, foi substituído pelo desenvolvimentista Guido Mantega no comando da economia.
O limite político de ação de Haddad está chegando a um ponto limite que o impede de conviver com as forças políticas que levaram Lula ao poder pela terceira vez, em 2022, para vencer o fascismo, maior inimigo do trabalhador.
Os fascistas, por sua vez, sentem que podem voltar ao poder, em 2026, se continuarem dispondo da força parlamentar que levou o governo ao enfraquecimento, em 2024, derrotando-o, eleitoralmente.
Essa tendência, se o arrocho fiscal se impor, consolidar-se-ia ou não em 2026 com provável derrota lulista, inviabilizando a reeleição favorável às forças progressistas?
A divisão no Governo diante do arrocho fiscal neoliberal é o reflexo da antevisão de 2026.