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A Questão Militar

O radicalismo nas Forças Armadas ecoa os interesses particulares de alguns generais, não a vontade da maioria Por Darc Costa

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Cursei a Escola Superior de Guerra (ESG) em 1989 e lá fiquei, na qualidade de membro do Corpo Permanente, por quase dez anos, tendo lá assumido a Coordenação do seu Centro de Estudos Estratégicos. Hoje, já não estou mais tão próximo. Vou a ESG no máximo duas vezes por ano e na qualidade de conferencista.

Pude conviver, naquele período, com chefes militares da estirpe dos generais Meira Mattos, Leônidas Pires Gonçalves, Oswaldo Oliva e do Tenente Brigadeiro Sergio Xavier Ferolla, dentre muitos outros. Tive contato próximo, no corpo de estagiários da ESG, com diversos oficiais, como o General Villas Boas, que chegaram aos mais altos postos de suas forças. Algo que frequentava o imaginário de todos que convivi, pois isto lhes foi incutido, foi o de serem os primeiros e o últimos defensores do Estado Nacional. Mas essa não é uma visão exclusivamente brasileira.

Afinal, o Estado Nacional surge quando o rei traz para si, na figura das Forças Armadas, o monopólio do uso legitimo da força. Mas, aqui se acrescenta uma outra componente, a das Forças Armadas, em especial, no Exército, de se sentir responsável, pelo seu viés positivista, com a modernização do país.

Nos primeiros vinte anos deste século, numa ação deliberada, entidades vinculadas ao sistema financeiro, como as Fundações Getúlio Vargas e Dom Cabral, dentre outras, infiltraram-se nos cursos das Forças, pregando que a modernização só seria atingida mediante os cânones da liberalização econômica. Isto cada vez mais tem se demonstrado irreal, o que está fazendo renascer, no meio militar, a velha doutrina do nacionalismo econômico, presente no antigo positivismo.

Lembro que o soldado é o primeiro e último defensor do Estado Nacional. Por isso, a ideia da sobrevivência do Brasil assume, para eles, em época em que o grande jogo geopolítico recrudesce, a mais relevante das atenções. Foi assim na década de trinta do século passado. Naquela década, o jogo estava pesado, mas não tanto como está agora. O Reino Unido se retirava, naquela década, da posição hegemônica. Os Estados Unidos haviam assumido a primeira posição na atividade produtiva. A Alemanha buscava a proeminência na atividade comercial. Qual deveria ser a posição do Brasil no grande jogo geopolítico, logo após a depressão de 1929?

Naquele momento, graças ao fato de que tínhamos Forças Armadas, que se entendiam como primeira e última defensora do Estado Nacional, nos posicionamos corretamente. E o fizemos no correr da década de trinta, pela ação das Forças Armadas, em especial do Exército e de um estadista, Getúlio Vargas, que entrou no jogo como um peão, mas que saiu dele como uma torre. A solução decorria também das condições geográficas, da posição no Hemisfério Ocidental e consequentemente de nossa proximidade com o postulante norte-americano. Todavia, não foi uma decisão fácil, como aponta a política externa praticada no final da década de trinta e no ano de 1940.

Hoje o grande jogo está fervendo. De novo, temos Forças Armadas. A China detém a prevalência produtiva e comercial e representa, hoje, a parcela majoritária das relações comerciais, nossas e mundiais. Os Estados Unidos não está em retirada e não abandonará facilmente sua posição hegemônica. O soldado ainda é, para eles, o primeiro e último defensor do Estado Nacional.

A situação internacional consolida, como nunca houve, nos últimos dois séculos, uma cisão de natureza geopolítica. De um lado, a Rússia, vista erradamente como uma descendente direta do imperialismo soviético, e a China, a potência ascendente ao seu lado. Do outro lado, os norte-americanos, que buscam pela OTAN restaurar sua hegemonia em um mundo que aparenta caminhar, irreversivelmente, para a multipolaridade.

O Brasil tem hoje uma dimensão muito superior no plano mundial àquela que tinha no século passado. Tem a maior parcela da reserva tida como intocada de recursos naturais do planeta, a Amazônia. Tem um peso muito maior do que nos anos trinta do século passado no grande jogo geopolítico. O Brasil mais uma vez se vê como terceiro interessado. Faz parte de um bloco, BRICS, com a China e a Rússia. Ser ou não ser BRICS? Está aí a principal razão das Forças Armadas quererem influir na política. Veem o grande jogo sendo jogado e os grandes riscos que traz para o Brasil. Não afastam a ideia de ser BRICS, apesar da distância e como terceiro interessado sabem que o Brasil pode pendular. Mas sabem que isto será por pouco tempo. Uma decisão terá de ser tomada.

Pelo que sei das Forças Armadas, existem nelas, como em qualquer instituição, radicalismos, sempre muito mais presos a interesses individuais que coletivos. Mas vejo nelas muito mais compromisso para com o povo brasileiro do que a satisfação dos interesses particulares desses radicalismos. Por isso, salvo decisões equivocadas da classe política, no grande jogo geopolítico em curso, não há espaço nas Forças Armadas para intervenções militares. Elas esperam que o fortuito as ajude e que entre os peões que se movimentam no atual cenário eleitoral apareça, dentre eles, uma nova torre, um estadista, que preserve o Brasil dos danos que virão da cisão geopolítica. A interferência, no plano político interno, só atende a interesses particulares e pouco espaço terá na instituição.

Como me dizia o General Leônidas, não interessa ao Exército entrar na política, ali ele só tem a perder, lembrando o General Góes Monteiro, e cabe sim ao Exército fazer a sua política.

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