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A real importância da Venezuela (2): um contraponto ao contraponto

Por Beto Almeida*

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Quando Hugo  Chávez chega à Presidência, depois de liderar uma tentativa de Insurreição Popular para convocar uma Constituinte, que o levou à prisão e a tornar-se o homem mais popular do país, a Venezuela toma a primeira decisão para deixar de ser Colônia Petroleira dos EUA, nacionalizando efetivamente o petróleo e a própria estatal , PDVSA, que não era, então, dirigida com critérios nacionais e soberanos.

Nunca antes a Venezuela foi considerada uma nação problemática, muito menos uma ameaça para os EUA. Todo o petróleo produzido pela Venezuela era praticamente regalado, a preços negativos, aos EUA, a ponto que as ruas das principais cidades norte-americanas foram asfaltadas com esse petróleo que vinha da colônia petroleira.

Nunca a Citgo – subsidiária da PDVSA instalada nos EUA, com 5 refinarias e 500 postos de gasolina  –   remeteu lucros e dividendos para Caracas. Chávez acabou com a farra, soberanamente!

Só a partir daí a Venezuela se transforma em “problema”, na visão do governo dos EUA e da indústria petroleira estadunidense, que ocupava posição privilegiada na Venezuela pré Chávez.

Soberania é tomar decisões que  promovam os valores e os interesses do país, entre eles os econômicos . Chávez acaba com a farra, e a CITGO começa a remeter lucros e dividendos para Caracas. A Venezuela então era um país que sequer produzia uma caixa de fósforos, o alface vinha de avião de Miami. Hoje a Venezuela tem soberania alimentar, todos os alimentos consumidos pelos venezuelanos são produzidos internamente, graças ao uso inteligente da renda petroleira, transformada em alavanca da transformação global do país.

A Venezuela é proclamada pela UNESCO como território livre do analfabetismo. Foi dado um impressionante estímulo à leitura e à publicação em massa de literatura das mais relevantes. Quando da comemoração dos 400 anos da obra Dom Quixote, de Cervantes, o governo Chávez promoveu a edição de 1 milhão de exemplares, distribuídos gratuitamente em praças públicas, em homenagem àquela maravilhosa obra da literatura universal. O livro Contos, de Machado de Assis, recebeu na Venezuela uma edição de 300 mil exemplares, o que nunca aconteceu com os livros do bruxo do Cosme Velho pela indústria editorial brasileira.

Segundo a Unicef, a Venezuela registrou a mais vertiginosa redução da mortalidade infantil, até 2013, de toda a América Latina, perdendo apenas para Cuba. De acordo com a Cepal, a Venezuela pagava , em 2013, o mais alto salário mínimo da região, tendo expandido o direito à aposentadoria a todos os cidadãos, com uma intensa regulamentação de direitos laborais, chegando mesmo a superar em aspectos à CLT de Vargas.

A referência ao ano de 2013 é porque a partir de então, reeleito Barack Obama, ele decide, por meio de Decreto Presidencial, declarar que “a Venezuela é uma ameaça aos interesses dos EUA” . Obama não disse que Venezuela era um país problemático, foi bem pior, foi uma ameaça. A relação entre os dois adjetivos é bem notória. Como pode um país semi industrializado, não possuidor de armas atômicas, principal fornecedor de petróleo aos EUA, com apenas 30 milhões de habitantes, transformar-se, repentinamente, em “ameaça aos interesses dos EUA”, um país  com 300 milhões de habitantes, maior potência nuclear do capitalismo, país que mais promoveu intervenções militares em todo o mundo?

A resposta está no fato de a Venezuela ser detentora da maior reserva petrolífera do mundo, na atualidade.  E , também, pelo fato de que a Venezuela, de modo soberano, recusa-se a privatizar e internacionalizar essa imensa riqueza, tal como fez o Brasil com o petróleo pré-sal  que hoje, segundo a AEPET,  já há cerca de 70% desta riqueza fora do controle nacional.

Houve um golpe aqui, claro, em 2016. Tanto Dilma como Erdogan foram avisados que os golpes contra esses dois governos seriam desfechados. Erdogan levou a sério as advertências que lhe foram enviadas. Dilma não. Caiu sem resistir.

A Venezuela resistiu a vários intentos de golpe, num deles o presidente Hugo Chávez esteve sequestrado por 47 horas, com sua sentença de morte já determinada pelos que não aceitaram que o país deixasse de ser colônia petroleira.

A Venezuela vem promovendo, desde que superou a condição de colönia, um processo de industrialização, com a instalação de indústrias de tratores, caminhões, em parceria com o Irã, de indústrias de defesa, em parceria com a Rússia, de satélites, em parceria com a China, de medicamentos, em parceria com Cuba. Nacionalizou suas jazidas de ouro, hoje controlada por empresa estatal, jazidas de ferro, igualmente estatizada, nacionalizou sua companhia de aviação, Chávez encomendou 150 aviões de passageiros da Embraer, dos quais apenas 30 foram entregues, porque o Brasil foi proibido, pelos EUA, de cumprir a totalidade do contrato. Quem precisa de soberania?

O problema é que Barack Obomba não apenas declarou que Venezuela era uma ameaça aos EUA. Os EUA organizou uma guerra econômica, financeira, monetária contra a nação bolivariana, que, ao longo de 10 anos, provocou o recuo de 62% no PIB da Venezuela, com a retração de 90% nas suas vendas petroleiras, a principal economia do país.

O surpreendente é que nem assim a Revolução Bolivariana se rendeu, como ocorreu com a Dilma. Seus dirigentes foram alvo de atentados houve sucessivas explosões em sua indústria de energia, houve desabastecimento provocado, hiperinflação induzida de fora, a tal ponto que a Venezuela teve que alterar seu padrão monetário. Destruir é muito mais fácil.

Os EUA impuseram à Venezuela 937 sanções coercitivas, uma delas proibindo até a importação de remédios quimioterápicos e , inclusive, de insulina!! Era para estrangular! Não conseguiram. Segundo a Cepal, a Venezuela registrou em 2023 o maior crescimento de PIB de toda América Latina, e , neste ano de 2024,  a estimativa de crescimento do PIB aproxima-se de 9%.

É  estranha a comparação da Venezuela com a Guatemala, um país de economia primária, com boa parte de sua receita oriunda de remessas de refugiados econômicos, um país que não possui riqueza petroleira, nem é auto suficiente na produção alimentar, típica república bananeira. Ao passo que a Venezuela teve confiscada suas reservas em ouro pelos bancos da Inglaterra, seus ativos, patrimoniais e financeiros pelos EUA, entregues a Guaidó, hoje apenas um fugitivo da polícia internacional.

A Venezuela reagiu à desorganização de seu abastecimento e ao colapso salarial causado pela hiperinflação imposta de fora, pelos EUA, com a instituição dos CLAPS um sistema de distribuição alimentar em grande escala, com participaçãopredominante das Forças Armadas, estimulando a produção cooperativada de alimentos, colhendo os frutos do uso da Receita Petroleira no passado para a formação de sua agropecuária, quando Chávez intercambiou petróleo por matrizes com Honduras de Zelaya e  o Uruguay de Tabare e Mujica.

A Revolução Bolivariana está lá, de pé, enfrentando sabotagens, golpes, ameaças, sanções , e durante todo este período realizando regularmente eleições, sendo o país que desde 1999, mais realizou eleições, referendos, plebiscitos, expandindo sua mídia pública, mantendo a educação pública e gratuita em 95%, bem como o seu sistema de saúde, tendo enfrentado os efeitos das sanções coercitivas, com parceiras com Cuba ( que lhe forneceu as vacinas contra a Covid) e o Irã, a quinta maior indústria farmacêutica do mundo, que garantiu o funcionamento do Programa Farmácia Popular.

Neste período, a Venezuela construiu 5 milhões e 100 mil moradias populares, entregues aos segmentos mais  empobrecidos da população já equipadas com geladeira, fogão, móveis etc. Inevitavelmente, ante uma guerra econômica desta dimensão, houve intensa emigração, com a destino conhecido de sempre, os EUA, como também ocorre com os demais países, com Cuba, que é alvo de um bloqueio demolidor, mas também com países como Guatemala, San Salvador, que não sofreram as sanções coercitivas impostas à Venezuela.  Mas, especialmente os jovens que deixaram o país, sabem que se aceitarem a ingressar na Operação Retorno, com o governo colocando aviões estatais gratuitos para os que estão decididos a voltar, encontrarão na volta a casa ainda em seu nome e a matrícula na universidade, que é pública e gratuita, e ainda fornece alimentação e atendimento médico gratuito aos estudantes.

Claro, a Venezuela, que sempre defendeu a construção de um mundo multipolar, pretende ingressar no BRICs, conquistou este direito, pois quem a considera uma ameaça são os EUA, que também consideram ameaças a seus interesses o Irã, a Coreia do Norte, o Iraque, a Líbia, a Síria, país que está invadido por tropas dos EUA, o que deveria ser considerado quando se fazem alusões à situação política daquele bravo país árabe. Mas, a Síria, mesmo invadida, resiste, apoia a Palestina, junta-se ao Irã e ao Yêmen, ao passo que o Brasil segue enviando petróleo e carne para Israel, que se transformou em máquina de matar crianças e mulheres palestinas e libanesas.

A Venezuela é um problema para os EUA porque proibiu a instalação da empresa Star Link em seu território, ao contrário do Brasil, onde esta empresa controla as comunicações militares, revelando a bravata oca de Janja quando arremete com fraseologias inofensivas aquele empresário direitão, amigo do Trump.

Vamos falar concretamente de soberania?

A pretensão venezuelana de ingressar no BRICS é legítima, ela pretende estar associada aos países que , dotados de força energética, questionam a hegemonia do dólar e planejam outra modalidade de uso de seu petróleo, aliás, como já havia feito Hugo Chávez, ao criar a PetroCaribe, fornecendo petróleo em troca de medicamentos, médicos, professores, matrizes, sementes, configurando uma nova e criativa dialética bolivariana do petróleo, no qual todos os países envolvidos se beneficiaram e puderam crescer juntos.

Se o governo brasileiro proclama o lema “vamos crescer juntos”, porque excluir a Venezuela? Por que o Brasil quer a Venezuela no Mercosul, na Unasul, e na Celac, mas não a quer no Brics, posição que levou o presidente Vladimir Putim a criticar, publicamente, a decisão brasileira, o que foi anunciado mais tarde como apenas uma temporária falta de consenso”, como disse o primeiro ministro russo, ao desembarcar em Caracas, onde selou a ampliação de todos os acordos estratégicos entre Rússia e Venezuela, indicando que não a considera um país problemático, caracterização que serve aos que elaboram visões negativas sobre a Pátria de Bolívar? Certamente para justificar novas agressões contra  um país que mantém em funcionamento a Escola Latino Americana de Medicina Salvador Allende, onde estudam , gratuitamente, 100 jovens palestinos e dezenas de estudantes pobres latino-americanos, inclusive filhos de assentados do MST.

Como pode ser considerada problemática uma nação que, em meio privações de uma guerra econômica que lhe açoitava, salvou milhares e milhares de vidas brasileiras, durante a Covid, com a doação de  oxigênio solidário para o Amazonas, quando sua capital , abandonada pelo governo Bolsonaro, se transformou em uma espécie de cemitério a céu aberto?

Nem ameaçadora, nem problemática, a Venezuela apenas resiste a agressões constantes e pede direito de participação, fortalecendo, concretamente, não apenas em discursos, as articulações em favor do Sul Global, e sua integração com os países do BRICS que querem um mundo multipolar!

*Beto Almeida, jornalista. Conselheiro da ABI. Diretor da Telesur e da TV Comunitária de Brasília, Membro da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade.

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