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Avelãs, por Paulo Moreira Franco

Por Paulo Moreira Franco

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Muita coisa realmente interessante aconteceu do último artigo para cá. Não falo do processo/sitcom que envolve o ex-presidente Bolsonaro no papel de Bolsonaro, um conjunto de militares extremamente qualificados em suas carreiras no papel de palermas, e algumas nulidades da política como Zambelli. Tudo ali é ridículo, inverossímil, absurdo. Acho que mesmo Alberto Almeida e o falecido padre Quevedo reconheceriam a macumba na Casa da Dinda como um processo mais racional e científico de intervenção na política do que essa história toda. A única coisa de notável é perceber como Augusto Heleno ainda preserva uma boa caligrafia de pessoa muito bem alfabetizada.

Tenho minha interpretação particular sobre nossas forças de defesa, sobre quais os problemas de ordem sociológica e histórica que elas carregam. Não vou tratar deles neste sítio. Pelo menos não neste momento. Não é a mesma que eu tinha mais de três décadas atrás quando trabalhei um pouco com esse assunto. Naquele momento, após a Constituição, eles já eram uma força obsoleta, sem propósito, anacrônica em mais de um sentido. Década e meia atrás eu achava que missões como a do Haiti dariam um sentido, uma transformação positiva. Forças armadas orientadas primariamente a compor forças de paz da ONU, compostas por este povo tão alegre, diverso e amistoso de que fazemos parte. Eu estava errado, em mais de um sentido errado. Naquele tempo, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Não só a Missão não motivou a transformação militar da Força, como produziu condições para um problema novo, que foi o governo democraticamente eleito de Jair. Se este país foi um grande Nakatomi Plaza durante os quatro anos do governo passado, podemos olhar para o conjunto de militares hoje “golpistas” sob a metáfora de Duro de Matar 2, onde o Haiti entra no lugar de Granada.

Mas a arte da guerra também está longe de ser aquela. Se muitos dos equipamentos que ainda funcionam permanecem sendo atualizados desde a Guerra Fria, muita novidade aconteceu de lá para cá. Há uma transformação profunda da arte da guerra, e, num certo sentido, essa parte da minha percepção de década e meia atrás deu certo (talvez seja mais fácil se fazer previsões como engenheiro do que como cientista social). Época em que discutíamos se Rafales, Gripens ou F/A-18s, e eu não via mais futuro no avião (e por isso eu era a favor do F/A 18, dado que transferência tecnológica e destruir os exércitos vermelhos não era um dos meus objetivos na compra do que seria esse momento final da aviação tripulada). Já naquele momento, para quem prestasse atenção, os drones sinalizavam uma transformação profunda na forma de se fazer guerra. E isto está se tornando bastante claro no momento.

Legadas e transmitidas do passado… De fato, há toda uma aposta existencial das Forças Aéreas no avião tripulado. Há toda uma aposta simbólica. Pense em Tom Cruise no papel de Maverick. Vem de muito antes. O primeiro Oscar de melhor filme? Wings. As pessoas que comandam forças aéreas foram pilotos, têm isso como elemento que os diferencia das outras pessoas, dos outros militares.

Uma das coisas que me levou a apostar no futuro dos drones foi ver que a indústria aeronáutica israelense ia nesse caminho já na primeira década deste século. Mas esse entendimento racional de quem produz não necessariamente se reflete em quem comanda. Há um instigante artigo do Alon Mizrahi no Substack sobre o que ele define como a supremacia branca embutida na figura do heroico piloto de caça, e como isso levou Israel, país pioneiro no uso de drones, à sinuca em que se encontra hoje, quando sua força aérea produzida e custeada pelos americanos é incapaz de, de fato, ameaçar o Irã.

Musk é alguém que já entende isso. Por mais que haja um desespero de desqualificar o que o pessoal de Big Tech já entende por guerra, o que acontece hoje no Oeste da Ásia e no Leste da Europa mostra que essa supremacia construída à base de Mavericks tornou-se obsoleta. Lembre-se de um detalhe adicional: Maverick é um piloto que opera a partir de um porta-aviões.

O escolhido por Trump como futuro ministro da Defesa é alguém que claramente entende essa mudança. Há um trecho que viralizou desse pedaço de conversa, onde ele diz que em todos os wargames conduzidos pelo Pentágono os porta-aviões são destruídos. Visualmente, Hegseth parece saído de Idiocracia, com suas tatuagens, sua musculatura trabalhada, seu emprego de apresentador da Fox. Na prática, é alguém fora dos esquemas tradicionais de think tanks e boards de empresas do complexo industrial militar. E como pessoa de fora ele é capaz de entender o que não funciona.

E o que não funciona? Dois ataques recentes, duas interpretações interessantes (já que ninguém vai, de fato, discutir fracassos dessa proporção). No primeiro caso, os Houthis teriam feito um ataque preventivo sobre a força-tarefa comandada pelo Lincoln (CSG-3). O ataque teria sido um sucesso. Não por destruir ou danificar o porta-aviões ou sua escolta, mas por ter paralisado um ataque que seria feito, e intimidado os americanos o bastante para eles saírem de uma posição ameaçadora no Mar Vermelho. A interpretação do Will Schryver sobre o acontecido faz bastante sentido. Ela bate com o comentário do futuro Secretário de Defesa. E ela bate de frente com quem ainda acha que submarinos nucleares ou Grippens ou Sukhois sejam a forma de se confrontar uma força tarefa americana. Essas são as ameaças para os quais a força tarefa foi construída. Os mísseis hipersônicos e o enxame de drones, não.

Segundo caso, Oreshnik (flores de avelã em português). Os russos testaram um míssil balístico intermediário em Dnipropetrovsk. Mísseis balísticos intermediários eram algo banido entre russos e americanos até 2018, um acordo feito para reduzir as tensões na Europa e manter a Destruição Mútua Assegurada (mísseis do tipo na Europa permitiriam um first strike americano). Os EUA saíram do acordo durante o Governo Trump basicamente por conta de os chineses estarem fora do acordo, e desenvolvendo armas do tipo. Mas isso fez com que os russos retomassem o desenvolvimento dessas armas, e o fizessem de maneira revolucionária.

Um ataque com o Oreshnik é algo contra qual não há defesa. Uma chuva de precisas ogivas hipersônicas. No ataque em Dnipropetrovsk, aparentemente, sequer havia ogivas explosivas. Puro momento, massa x velocidade, lembra disso da aula de Física?

Há uma interessante dedução de outro tuiteiro, Armchair Warlord, sobre o que foi o ataque. O alvo teriam sido os mísseis ar-terra de “longo alcance” ingleses e franceses armazenados numa estrutura feita em tempos soviéticos para resistir a ataques nucleares. Não só a capacidade do que remanesce de força aérea ucraniana poder fazer algum estrago em território russo teria sido comprometida, como nenhuma estrutura hoje, de fato, é segura contra um míssil hipersônico.

Os conflitos que acontecerão no Governo Trump (ao menos no seu início) estarão centrados no âmbito interno. E um deles vai ser o redirecionamento de sua força militar para algo realmente funcional, que possa confrontar drones e hipersônicos. Coisas como diversidade e gênero estarão encobrindo essa discussão, servindo de biombo para defender o status quo. Não preste atenção nisso, não preste atenção aos patriotas de porta do quartel.

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