Com o anúncio do pacote de cortes, em Rede Nacional de TV e Rádio, pelo Ministro da Economia, Fernando Haddad, ficou claro que o presidente Lula desistiu, por agora, de resistir às pressões da tirania financeira, como ele vinha apregoando, quando afirmava ser um absurdo cortar nos benefícios sociais dos mais humildes e deixar intacto os privilégios fiscais das grandes empresas, inclusive a Rede Globo, uma das maiores beneficiadas pelas isenções de impostos, uma regalia das empresas e dos bancos.
As medidas anunciadas começam por propor um mecanismo de reajuste menor para o salário mínimo, o que se traduz em maior espoliação sobre a classe trabalhadora, sobretudo considerando que o salário é o índice para o reajuste dos Benefícios de Prestação Continuada, pagos pela Previdência a aposentados, portadores de invalidez, auxilio doença para acidentados do trabalho, mas também para os Programas Sociais instituídos pelos próprios Governos Lula/Dilma.
E notável como os vários pronunciamentos realizados por Lula, repelindo os cortes nos programas sociais foram traduzidos exatamente no seu contrário. Não há, rigorosamente, nenhum corte nos privilégios fiscais das grandes empresas. Mesmo a proposta de taxação de super salários, registra enorme possibilidade de rejeição pelo Congresso, onde a esmagadora maioria de seus membros encontra-se neste perfil de remuneração ou representa esse segmento social.
Mídia buscará desconstruir a imagem de Lula
De concreto, inclusive para ser apresentado ao Congresso como Projetos de Lei (de aprovação mais fácil que uma PEC), estão os cortes sobre os direitos dos trabalhadores, iniciados na Era Vargas, com a regulamentação do salário mínimo. Com um reajuste menor do salário mínimo e sua desvinculação no reajuste dos valores de vários programas lançados pelo próprio presidente, será Lula e não Haddad, que será crucificado pela mídia teleguiada pela tirania financeira, rotulado como ”o presidente que diminuiu o salário mínimo, que reduziu o Abono Salarial e o Salário Desemprego”. Em suas declarações contra os cortes Lula qualificava de crueldade o corte nos programas sociais de aposentados e empregadas domésticas. Mas, é isso mesmo que vai acontecer se o presidente Lula não desistir deste pacote de maldades, que chega ao cúmulo de reduzir auxílio doença para cegos, portadores de hanseníase, dementes, cardiopatas e demais incapacitados para o trabalho. Caminha-se na direção inversa da filosofia da Renda Mínima, tão alardeada por Eduardo Suplicy, e regulamentada em vários países do mundo, em razão da crise estrutural do sistema capitalista, que a esse expediente recorre para, como dito pela Presidenta do Banco Mundial, manter a níveis de uma ração mínima a sobrevivência de um milhões de seres humanos no subconsumo.
Ampliar Isenção de Imposto de Renda desagrada a tirania financeira
A inclusão no pacote, de última hora, da proposta de isenção do pagamento de Imposto de Renda para os que recebem até 5 mil salários, surge como contra partida aos graves cortes nos programas sociais, e também como forma de negociação junto ao Congresso, mas revela a confissão de que o conteúdo das medidas é efetivamente antipopular e visa manter intactos os privilégios dos rentistas. Mais que isso, é uma tentativa de viabilizar um Arcabouço Fiscal que inviabiliza do desenvolvimento do Brasil, impedindo-o de realizar investimentos produtivos capazes de gerar empregos em massa e promover uma economia soberana. Vale registrar que mudanças na Tabela do Imposto de Renda, como a realizada pelo próprio Lula no ano passado, podem ser implementadas por medidas administrativas da Secretaria da Receita Federal.
O que se esperava é que o próprio Lula levasse à Rede Nacional de Rádio e TV o seu discurso contra os Cortes e explicando-os aos brasileiros cronicamente desinformadas pela tirania midiática e convocando-os a resistir a estas medidas de conteúdo anti popular. Quase todos os ministros de Lula aderiram ao discurso corta, corta, corta propagado diuturnamente pela Rede Globo (beneficiada por privilégios fiscais), e, qual não foi a surpresa, negativa, é que o único que fazia o discurso de defender os benefícios socais, herança trabalhista de vários governos, o Presidente Lula, eleito pelos mais pobres, também cedeu às pressões.
Ausência do PT e Centrais Sindicais no debate
Outra evidência é a passividade do PT e das Centrais Sindicais, que não mobilizaram a sociedade e não qualificaram o debate em torno dos cortes, apresentando propostas alternativas para que os cortes sejam executados exclusivamente sobre os indecentes privilégios fiscais. A Lei Kandir, por exemplo, permite que todos os minérios e produções agrícolas sejam exportadas sem pagamento de impostos, sem qualquer benefício para o povo brasileiro. Mas, durante 6 meses de 2023, por meio de MP, houve a taxação do petróleo exportado, resultando em expressiva arrecadação para o Estado Brasileiro. Há alternativas nesta linha que um presidente, com o perfil de Lula, poderia dialogar com a sociedade, sempre em Rede Nacional de TV e Rádio, para politizar e mobilizar o povo brasileiro, contra a pressão dos banqueiros. Inclusive, explicando as manipulações que envolvem a própria comunicação praticada pelo Governo, com reiterada precariedade. Quando Haddad apresentou a lista das empresas que mais recebem privilégios fiscais, ele jogou luz apenas sobre um lado da questão, protegendo os maiores beneficiados, o setor financeiro, que tem garantido a cada ano, quase 50% do Orçamento Federal. Por que?
Se o governo realmente levar à frente este pacote de medidas, tal como está, prejudicando segmentos mais frágeis da sociedade, os que recebem salário mínimo, os aposentados, os incapacitados para o trabalho, estará fornecendo um enorme trunfo eleitoral à direita, sobretudo por permitir um desgaste frontal na imagem que Lula construiu com as grandes massas trabalhadoras. Leva-se uma vida para construir tal conquista. Em pouco tempo ela pode ser fragilizada.
A única saída para situação tão difícil e complexa, com um presidente popular sem maioria no Parlamento, está na mobilização do povo, em torno de um programa alternativo ao Arcabouço Fiscal, que prioriza o capital financeiro, a desindustrialização, a redução dos investimentos para a expansão do mercado consumidor e para a realização das obras inadiáveis para o povo brasileiro, mais hospitais, mais escolas, mais saneamento básico, mais moradias, menos favelas. A esterilização de metade dos recursos do Orçamento Federal para a remuneração dos banqueiros, via sistema da dívida, desafia o Brasil para a realização da Auditoria da Dívida, prevista na Constituição, realizada somente durante o governo de Getúlio Vargas, permitindo enorme folga de recursos para investimentos nos programas sociais que caracterizaram a Era Vargas. Já que o Presidente Lula repete constantes elogios ao ex-presidente Getúlio Vargas, eis aí um tema para ser tratado, com o talento político que possui, em Rede Nacional de TV e Rádio, informando e convocando o povo brasileiro para resistir a essa desumana destruição de direitos sociais.
*Beto Almeida, jornalista , Conselheiro da ABI, diretor da Telesur