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A Economia Política dos Pitbulls

Por J. Carlos de Assis

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A economia política brasileira é como um cego na Fazenda, conduzindo outro cego no Planejamento, ambos sob a vigilância implacável de um pitbull, o “mercado” financeiro especulativo. O pitbull passa o ano inteiro rosnando sobre equilíbrio fiscal, através da imprensa, e sempre que se aproxima o momento decisivo de discutir o orçamento da República, como agora, vai às vias de fato com implacáveis mordidas nos ceguinhos para que não se desviem dos caminhos sob a vigilância dele.

As medidas anunciadas ontem por Fernando Haddad atestam bem as características dessa economia comandada por pitbulls. O mantra recorrente é o corte no orçamento primário, a parte que de fato interessa ao povo porque se refere às despesas fundamentais que lhe dizem respeito. E os cortes têm de ser feitos para acomodar o orçamento geral às despesas ilimitadas com o serviço da dívida pública de mais de R$1 trilhão anuais que não pode ser cortado por disposição constitucional fraudulenta.

A economia política de pitbulls não é de agora, nem propriamente uma escolha. É uma evolução natural fatídica do capitalismo que, no caso brasileiro, tomou caminhos extravagantes. Até os anos 70, no mundo e no Brasil, a aliança entre o Capital e o Estado refletia, em favor do primeiro, a necessidade de controle social dos trabalhadores representados por sindicatos fortes. O papel do Estado era principalmente o de Polícia, para garantir uma suposta tranquilidade social.

Na medida da absorção crescente de novas tecnologias nos processos produtivos,  a acumulação de capital pelos grandes monopólios e oligopólios também tornou-se crescente, e o dinheiro neles concentrado passou a migrar para o sistema financeiro especulativo. Simultaneamente, os trabalhadores passaram a perder seus postos de trabalho na indústria, buscando outras atividades. Houve, em consequência, uma dispersão do Trabalho, com o enfraquecimento inexorável dos sindicatos.

No Brasil isso foi levado ao extremo. Os sindicatos haviam desempenhado papel de vanguarda extremamente importante até fins dos anos 1970 e início dos 80, liderando, em grande parte, a luta comum contra o regime militar. Com essa luta foi inicialmente rompida a aliança entre o Estado autoritário e o Capital, a qual esteve na base do golpe de 1964. Com a democratização, a aliança entre o Capital e o Estado assumiria  gradativamente uma nova forma, mais sutil, sem relação com a Polícia.

Diante de sindicatos desmontados institucionalmente e socialmente fracos (hoje pouco mais de 8% dos trabalhadores são sindicalizados), nem o Capital, nem o Estado, têm que se preocupar com movimentos trabalhistas que põem em risco a estabilidade social. Com isso, ambos podem se dedicar a tarefas mais eficazes em favor do Capital  no plano de políticas públicas. As principais são as políticas fiscais e monetárias, todas as duas impostas e vigiadas de perto pelos pitbulls.

O mantra da política fiscal é a necessidade de equilíbrio (ou de déficit pequeno) entre capacidade de financiamento do Estado e o conjunto de despesas públicas; e o mantra da política monetária é o controle da inflação mediante a manipulação da Selic. Ambos são, explicitamente, os mecanismos que  o Capital financeiro, de forma muito mais sutil do que com a utilização da Polícia contra os trabalhadores e o povo, controla a seu favor a expropriação da renda da sociedade brasileira como um todo.

Vejamos como isso funciona. Pela política fiscal, o Governo esmaga o orçamento primário, onde estão previstas as despesas com educação, saúde, financiamento básico, transportes, reconstrução e prevenção de desastres climáticos e outras de interesse direto do povo. Com isso, abre espaço para transferir renda ao orçamento financeiro, onde estão fixadas as despesas com juros, correção monetária e cambial, e amortização da dívida pública, as quais, pela Constituição, não têm limite.

A presunção é de que, com o equilíbrio orçamentário, o Governo não pressione para cima a demanda global da economia em relação à oferta, causando inflação. Do lado monetário, a presunção é de que a manipulação da taxa Selic  garante a redução da inflação ou sua estabilidade. Ambos esses pressupostos são falsos. Tanto o déficit público, se não for em nível muito exagerado, não provoca inflação, quanto o aumento ou redução da Selic, conforme atestado empiricamente, também não a afeta.

Na verdade, o efeito real dessas políticas pode ser o oposto, inclusive contribuindo com o aumento do PIB e a estabilidade inflacionária. Isso depende exclusivamente de uma boa articulação entre a política fiscal conduzida pela Fazenda e a política monetária conduzida pelo Banco Central – desde que seja descartada a taxa Selic como instrumento de política monetária, dado seu caráter subjetivo e o fato também visto empiricamente e que ela, de fato, antecipa uma inflação futura alta.

O efeito positivo de políticas fiscais deficitárias depende também do setor privado produtivo. Na medida em que, no orçamento primário, surja um déficit que empurre a demanda global da economia para cima – por exemplo, uma grande despesa orçamentária para combater desastres climáticos extremos, que transborde para o conjunto da economia -, o setor privado por certo responderá com um aumento da produção ou da oferta, se tiver adequados estímulos para isso.

O principal estímulo produtivo é uma taxa de juros baixa. Caso contrário, o empresário do setor produtivo emigrará para o setor financeiro especulativo que, no Brasil, paga juros absolutamente extravagantes. Diante disso, é desperdiçado no interesse dos especuladores um espaço para aumento da produção e do PIB aberto pelo déficit primário, ferozmente combatido pelos pitbulls do mercado financeiro que comandam com seus latidos na imprensa os cegos que conduzem a política econômica.

Vejamos mais da política monetária. Por que o Brasil tem taxas de juros tão elevadas? Simplesmente porque assim quer um grupo de tecnocratas que dirige o Banco Central sob controle dos próprios pitbulls. Eles fazem da Selic, que surgiu em 1979 para controle de liquidez no mercado aberto, um indexador de todo o sistema financeiro e do conjunto de grande parte da economia, sendo, além disso, um instrumento de presumível controle da inflação, de ineficácia comprovada.

Com essas preliminares, fica evidente que na economia brasileira não há coordenação entre política fiscal e política monetária, o que, em princípio, existe em todos os países sérios do mundo. No nosso caso, essas políticas não contribuem para o aumento da produção e o crescimento do PIB a altas taxas. Um ritmo mais acelerado deste, hoje em torno de medíocres 3% anuais em face de nosso imenso potencial de recursos humanos e naturais, e principalmente de energia, poderia nos levar a taxas chinesas.

Note-se que a relação entre política fiscal deficitária e política monetária de juros baixos  está no núcleo de uma política econômica consistente que assegure o desenvolvimento sustentável do País de forma dinâmica. Para que haja crescimento da produção e do PIB, é preciso, como disse antes, que a demanda aumente antes da oferta e que a produção, a fim de atendê-la,  seja estimulada por juros baixos. Isso implica forte crescimento dinâmico com estabilidade inflacionária.

Não estou negando que seja impossível para uma economia crescer sem déficit primário e juros baixos. A economia brasileira, neste e nos anteriores governos de Lula, desmentiria isso. O crescimento pode ser oriundo também de aumento de salários e da massa salarial. Entretanto, as condições de ampla pobreza e de extremos desníveis sociais e de renda no Brasil exigem que nosso desenvolvimento ocorra a taxas maiores do que as que temos visto há décadas, desde o fim do regime militar.  

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