Foto: Disparada
Depois de ser adiado várias vezes, enfim foi anunciado o pacote que o Ministério da Fazenda preparou para cortar gastos do governo federal. As medidas anunciadas são várias, e abrangem o BPC (benefício de prestação continuada, voltado para idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza), o Bolsa Família, o abono salarial, o FUNDEB, a lei Aldir Blanc, as emendas parlamentares, a previdência dos militares, entre outros. No entanto, destaca-se, dentre as medidas, a mudança na regra de valorização do salário mínimo.
Na atual regra, o salário mínimo é reajustado de acordo com a inflação acumulada em 12 meses até novembro do ano anterior, medida pelo INPC, e a variação do PIB que ocorreu dois anos antes. Para exemplificar: em 2024, o salário mínimo passou de 1320 reais para 1412 reais. Esse reajuste correspondeu a 3,85% de inflação acumulada em 12 meses até novembro de 2023 mais os 3% que o PIB cresceu em 2022. O que o governo está propondo é que haja um limite para o reajuste real do salário mínimo (a parcela de 3% do exemplo anterior), que ficaria limitado a 2,5%. Se essa regra que está sendo proposta já estivesse em vigor esse ano, para efeito de ilustração, o salário mínimo atual seria de 1405 reais ao invés de 1412.
A diferença parece pequena, mas devido à “mágica” dos juros compostos, significa perdas significativas ao longo do tempo. Se esse limite de 2,5% de crescimento real tivesse sido aplicado ao reajuste do salário mínimo desde 2003, hoje o mesmo estaria ao redor dos 1000 reais, ou cerca de 400 reais a menos, uma perda de quase 30%. De acordo com a apresentação feita pelo próprio governo federal, é dessa redução no valor do salário mínimo que virá o grosso dos cortes orçamentários para os próximos anos. Dos 327,1 bilhões que o governo projeta gastar a menos até 2030, 109,8 bilhões serão devido à redução no salário mínimo, ou mais de um terço do total. Para efeito de comparação, as mudanças na previdência dos militares representarão cortes de apenas 6 bilhões ao longo desses seis anos, ou menos de 2% do total.
O Brasil é, sabidamente, um dos países mais desiguais do mundo. Há, contudo, farta produção científica que demonstra que aumentos reais no salário mínimo contribuíram para que houvesse alguma redução na desigualdade em nosso país nas últimas décadas [1] [2] [3]. O que os estudos indicam, inclusive, é que aumentos no salário mínimo repercutem não só para os trabalhadores da base da pirâmide, mas também para aqueles que recebem mais e/ou que estão no mercado informal. Dessa forma, não cabe meias palavras, se essa nova regra de fato passar no Congresso, representará um enorme retrocesso para o país e, sobretudo, para os trabalhadores.
Buscando harmonizar a trajetória de gastos com o chamado “novo arcabouço fiscal”, que foi proposto pelo próprio Ministério da Fazenda e que limita o crescimento real das despesas a 2,5%, o governo optou por atacar os trabalhadores mais pobres, que são menos organizados e que não têm uma bancada para chamar de sua no Congresso. Trabalhadores esses que foram os grandes responsáveis por derrotar Bolsonaro e eleger o presidente Lula. Uma tremenda ingratidão. Outras despesas que têm dinâmicas diferentes do novo arcabouço fiscal deverão ser os próximos alvos, como os pisos constitucionais de saúde e educação, também indexados pelo crescimento do PIB. Mas isso é assunto para outro texto.
Por hora, é preciso ficar atento e ajudar a denunciar esse retrocesso. Independente da opinião que se tenha sobre a necessidade de haver ou não cortes orçamentários (como sempre, há controvérsias), há que se concordar que fazer justamente os mais pobres pagarem o pato é cruel. A repercussão dessa medida, extremamente deletéria, até agora tem sido pífia. Enquanto isso, do outro lado da pirâmide social (ou da luta de classes, se preferir), a elite do Judiciário já pressiona deputados e senadores e ameaça até mesmo se aposentar em massa como represália a limites nos chamados “supersalários”, que extrapolam o teto de remuneração do serviço público [4]. Se esse cenário permanecer, já se sabe de que lado a corda vai estourar.
Publicação original em: https://disparada.com.br/ataque-salario-minimo/#google_vignette
*Mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR e doutorando em Economia do Desenvolvimento pela USP.