Uma investigação conduzida pela Agência Pública, que está disponível online para consultas, trouxe a revelação de que existem entre nós famílias que teriam origem escravocrata e que mantêm o poder há duzentos anos. Tratou-se de uma pesquisa feita com apoio do Pulitzer Center. Farei alguns breves comentários sobre o assunto.
Em síntese, segundo a investigação tornada pública a partir de novembro, foi mostrado que “descendentes de escravizadores na época dos períodos colonial e imperial brasileiros são integrantes de clãs familiares que, ainda hoje, controlam e influenciam politicamente suas regiões”. Alguma surpresa?
A pesquisa revelou ainda que alguns “políticos que seriam parentes de escravizadores foram investigados por escravidão moderna”. Os respectivos nomes foram publicados no site da Agência Pública. Tais fatos reforçam que o nosso presente comum está repleto de um passado trágico e perverso. A trajetória histórica é importante porque nos ajuda a compreender o presente.
No livro ‘D. Pedro II’ (2007), editado pela Companhia das Letras, o professor José Murilo de Carvalho descreveu como a escravidão foi o “cancro social” do Brasil. Citando José Bonifácio, o acadêmico argumentou que a escravidão era incompatível “com a construção de uma nação”. Além disso, Bonifácio dizia que a escravidão era incompatível com “a formação de um exército e de uma armada poderosos”.
O Exército, segundo o professor, “manifestou-se coletivamente a favor da abolição apenas em 1887, quando o Clube Militar solicitou ao governo que os soldados não fossem usados para perseguir escravos fugidos”. Para o professor José Murilo de Carvalho, na Proclamação da República, em novembro de 1889, “o dano político causado pela defecção dos proprietários de escravos teve peso maior do que o apoio popular”. A lavoura havia se tornado republicana após perceber que haveria a abolição da escravidão sem indenização aos proprietários.
Tornou-se, desde então, famoso o alerta do barão de Cotegipe para a princesa Isabel, quando argumentou que ela redimira uma raça, porém havia perdido o trono. Cotegipe antevia, dessa maneira, o golpe militar que instaurou a República. Ideias positivistas invadiram as escolas militares e, sob uma perspectiva evolucionista, elas pregavam que a república era um regime superior à monarquia.
Conforme descreveu o professor Darcy Ribeiro, em ‘O povo brasileiro’ (1995), que também foi editado pela Companhia das Letras, a nossa formação econômica esteve associada aos “moinhos de gastar gente”. A exploração predatória da natureza também fez parte desse processo de ocupação do território. Necessitamos, portanto, de mudanças estruturais planejadas de rumos para além de pactos conservadores feitos no andar de cima.
De acordo com o IBGE, a taxa de informalidade laboral tem se mantido no patamar de 39%. A taxa de desocupação no terceiro trimestre de 2024 foi reduzida para 6,4%, sendo que o rendimento ficou estável em todas as regiões do país. A taxa composta de subutilização da força de trabalho foi de 15,7% no respectivo período. Um mercado laboral estruturalmente precário é o resultado de um processo histórico que ainda nos incomoda no presente.
Publicação original em: https://www.agazeta.com.br/colunas/rodrigo-medeiros
*Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo. Em seus artigos, trata principalmente dos desafios estruturais para um desenvolvimento pleno da sociedade.
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