Em 1º de abril de 1964, a democracia brasileira foi violentada!
João Goulart – que presidia o Brasil com grande apoio popular – foi deposto por um golpe militar, instigado pelos EUA e apoiado pelos latifundiários, grandes empresários, religiosos reacionários e mídia monopolista.
O objetivo maior do golpe foi impedir as “Reformas de Base” – reforma agrária, urbana, eleitoral, educacional, bancária, tributária, administrativa – e medidas anti-imperialistas exigidas pelo povo e assumidas por João Goulart.
Não por acaso, o golpe aconteceu logo após João Goulart ter assinado o decreto que tornou passíveis de desapropriação – para fins de reforma agrária – todas as terras improdutivas com mais de 500 Ha, localizadas em até 10km das margens das ferrovias e rodovias federais, ter regulamentado a Lei de Remessa de Lucros (limitando-as) e ter anunciado a nacionalização de refinarias particulares.
Comprovando as razões pelas quais o golpe foi promovido, as primeiras medidas dos generais golpistas foram a revogação das mudanças na legislação da remessa de lucros, a redução da tributação sobre elas, a devolução à Hanna Corporation das concessões retiradas, a assinatura do acordo dando todas as garantias aos investimentos dos EUA no Brasil, a revogação dos decretos de reforma agrária e a anulação da nacionalização de refinarias particulares.
A Junta Militar imediatamente suspendeu a Constituição, extinguiu as eleições diretas para a Presidência da República, impôs Castello Branco como “General – Ditador”, cassou os direitos políticos de três ex-presidentes, seis governadores, quatro Ministros do STF e centenas de parlamentares e membros do judiciário. Durante os 21 anos de ditadura, cinco mil brasileiros tiveram os seus mandatos e os seus direitos políticos cassados.
Só nos primeiros meses, 50 mil pessoas foram presas. Muitos foram torturados, mortos ou “desaparecidos”. Foram instaurados cinco mil IPMs, indiciando 40 mil pessoas. Dez mil funcionários públicos foram demitidos. Quatorze mil brasileiros foram enquadrados na recém-criada Lei de Segurança Nacional e mais de sete mil foram levados ao banco dos réus. Cerca de dez mil brasileiros tiveram que exilar-se, para escapar às torturas e à morte, e 130 foram banidos. Nas Forças Armadas, 6.600 militares foram punidos ou afastados e vários deles foram mortos.
A CGT e o PUA foram proibidos e seus líderes perseguidos. Três confederações, 43 federações e 452 sindicatos sofreram intervenção. A UNE e a UBES tiveram a sua sede incendiada e as ligas camponesas foram fechadas. Seus dirigentes passaram a ser caçados pelos órgãos de repressão.
Nas universidades, sucederam-se os expurgos de professores e cientistas e a expulsão de líderes estudantis. A censura a centenas de filmes, peças teatrais, livros, revistas e à mais de mil letras de música, novelas de TV e programas de rádio, quis calar a intelectualidade, mas sem êxito.
O aparelho estatal foi ocupado por 18 mil militares que, além de vários ministérios, assumiram milhares de cargos na administração direta, em estatais, autarquias e grupos privados, onde se dedicaram ao “tráfico de influência”.
O Serviço Nacional de Informação – a máquina de espionagem da ditadura – chegou a ter 300 mil informantes e 1 milhão de colaboradores. Foram “fichados” 250 mil cidadãos…
A “Teoria da Segurança Nacional” e suas premissas foram impostas à nação: 1) O mundo está dividido em dois blocos e o Brasil deve alinhar-se aos EUA; 2) O poder civil é demasiado frágil para enfrentar os desafios atuais; 3) A prioridade das FFAA é enfrentar os inimigos internos, mais que os externos; 4) Para fortalecer o poder nacional é necessário modernizar o latifúndio, criar fortes grupos monopolistas nacionais e aliar-se às potências ocidentais.
As Forças Armadas aumentaram os seus efetivos de 114 mil para 300 mil homens; as polícias estaduais foram militarizadas e postas sob o comando do Exército. A prioridade do aparato militar passou a ser a “segurança interna”, a ponto e só 6% do currículo da Escola Superior de Guerra tratar da defesa de nossas fronteiras.
Frente à resistência do povo, que nunca cessou, se generalizaram os sequestros, prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos, acobertados pela incomunicabilidade dos presos, pela extinção do habeas corpus e pela censura (ou autocensura) da mídia. Centros clandestinos de tortura – como o “Dopinha” em Porto Alegre e a OBAN em São Paulo – passaram a rivalizar com os centros oficiais de tortura – os DOPS, DOI-CODI, CENIMAR. A maioria dos “desaparecidos” foram na verdade assassinados e jogados de avião em alto mar, incinerados em fornos, enterrados de forma anônima como indigentes ou tiveram seus corpos ocultados.
O fim desse regime de atrocidades – que durante 21 anos vitimou o povo brasileiro, ampliou a concentração de renda e o monopólio da terra, incentivou a monopolização da economia, subordinou o Brasil ao grande capital internacional e nos legou uma inflação anual de mais de 200% e uma dívida externa 30 vezes superior à que existia quando assumiu o poder – não decorreu da bondade dos militares ou de um pretenso “espírito democrático” de nossas elites. Foi fruto da luta indômita do nosso povo, em especial da nossa juventude, que não poupou esforços ou sacrifícios em sua luta por democracia e soberania nacional.
Passados 60 anos do golpe militar, alguns poderiam perguntar: por que rememorar esses anos de vergonha nacional? Certamente, para que as antigas e as novas gerações saibam o que ocorreu nesse período tenebroso da nossa história, e assim evitar que isso se repita. Mas como evitar? Só há uma maneira: removendo as suas causas de fundo – o atual sistema social excludente e injusto, o autoritarismo e o militarismo.
Portanto, não basta apontar os crimes da ditadura. É preciso identificar os seus verdadeiros mandantes, pois o regime militar não foi meramente uma criação de “pessoas más”. Foi criação de um sistema de exploração em crise que para manter-se precisou assumir formas totalitárias e repressivas. Comprovação disso é a participação de grandes multinacionais e conhecidos líderes empresariais na sustentação e no financiamento da ditadura militar e de seus aparelhos de repressão e tortura – como a Operação Bandeirantes, em São Paulo. Enquanto não eliminarmos esse sistema econômico e social injusto e opressor, ele continuará gerando monstros!
Mãos à obra!
*Raul Carrion é Historiador, Vice-presidente da Associação de Ex – Presos e Perseguidos Políticos do RS e ex-deputado do PCdoB
Artigo publicado no “Relatório Azul” da CCDH-ALERS, Edição Especial de 30 anos (2023-2024)