A pergunta no título é feita pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr. no artigo “O Brics e o desafio da desdolarização”, publicado na revista chinesa Wenhua Zongheng, referência importante para o desenvolvimento do pensamento chinês. Paulo Nogueira fala com experiência: foi diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), delegado brasileiro no processo Brics e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o Banco dos Brics.
“Existe uma expectativa generalizada de que o Brics irá desenvolver, num futuro próximo, uma alternativa ao dólar estadunidense. Mas será que esta expectativa é realista? A complexidade do tema é dupla – política e técnica”, afirma.
Do lado político, o economista cita 2 pontos: a notória resistência dos EUA de ter a sua moeda nacional servindo como a principal moeda global; e a dificuldade de realmente unir os países do Brics nessa empreitada.
Paulo Nogueira Batista Jr. lembra, entre outros acontecimentos, que os EUA enterraram as ideias de Keynes para uma moeda internacional, no pós-Guerra. As ameaças do presidente eleito Donald Trump confirmam não só a preocupação dos Estados Unidos, como que não será uma batalha fácil.
A questão da coesão dos Brics é uma abordagem pouco usual. O economista, com base na experiência prática no processo do bloco, alerta contra o otimismo demasiado nessa questão. “Mesmo quando havia apenas 5 países na mesa, as dificuldades para chegar a acordos sobre medidas concretas (…) eram verdadeiramente surpreendentes. Primeiro, devido às diferentes perspectivas e interesses nacionais (…). Em segundo lugar, infelizmente, devido à falta de talento e competência técnica de muitos dos funcionários que representam os cinco países nessas negociações e nos mecanismos financeiros resultantes destas.” A expansão amplia esses problemas.
“Contudo, não sejamos demasiado negativos. A verdade é que o grupo Brics inclui países importantes. Os quatro membros originais – Brasil, Rússia, Índia e China – estão entre os gigantes do mundo. A China é hoje a maior economia, em termos de PIB em paridade de poder de compra”, analisa Paulo Nogueira, que lembra que os motivos de insatisfação com a arquitetura monetária e financeira internacional só se agravam, e a disfuncionalidade do sistema baseado no dólar se torna cada vez mais óbvia.
“Assim, temos o dever de buscar estar à altura desses desafios. Se não conseguirmos fazê-lo como grupo, talvez a China tome para si a responsabilidade de tomar medidas para promover a desdolarização”, avalia, ainda que questione se o país estaria interessado em assumir essa tarefa. O Brics, como um grupo, poderia dividir o fardo.
Como presidente do Brics em 2024, a Rússia já começou a trabalhar numa revisão do sistema internacional e na desdolarização. “O Brasil, próximo presidente do grupo em 2025, continuará, espero, onde a Rússia parou.”
Publicação original em https://monitormercantil.com.br/brics-e-coeso-para-concretizar-a-desdolarizacao/