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Flavio Dino e a Sucessão II

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José Carlos de Assis
José Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

​Escrevi ontem que, a meu ver, do ponto de vista moral, o melhor candidato à sucessão de Lula em 2026 – caso ele próprio não seja candidato à reeleição -, é o ministro Flávio Dino, do STF. O ministro se destacou, no ano passado, como o grande paladino da luta contra a corrupção do Congresso, o qual, através das infames emendas parlamentares, tentou roubar do povo, nesse ano, mais de R$ 50 bilhões.
​Nem todo esse dinheiro chegou às mãos da “quadrilha” parlamentar que tentou desviá-lo dos cofres públicos, sem qualquer transparência, justamente porque o ministro tratou de bloquear parte dele exigindo esclarecimentos essenciais para sua rastreabilidade. Dessa forma, insurgindo-se contra um Legislativo que, mesmo formado por maioria de direita e extrema direita, mostrou que ele não tem poder absoluto no País.
​Isso deu ao Brasil a esperança de que, a despeito de toda a degradação que afeta praticamente todas instituições, ainda há salvação por parte da ação individual de personalidades que não têm medo de enfrentar os poderosos. Dino deu provas de que é uma delas. E diferente dos que combatem a corrupção demagogicamente, sem provas, como é o costume no Brasil, está mostrando sua efetivação com acompanhamento em tempo real pela sociedade.
​Entretanto, combater a corrupção não é tudo que interessa à sociedade brasileira neste momento. Precisamos de manter o ritmo de desenvolvimento econômico que o presidente Lula sustentou em 2024, enfrentando poderosas forças conservadoras, especialmente do “mercado financeiro” rentista. É fato que sem a ação dessas forças a performance da economia poderia ter sido ainda melhor que o aumento do PIB de 3,5%. Mas elas impuseram um retardo do nosso potencial de crescer.
​O que tem travado o crescimento econômico brasileiro a taxas “chinesas” e “indianas” é o arcabouço fiscal de Fernando Haddad que limita o déficit primário a 0,25% do PIB. Um déficit maior, similar ao déficit de 3% admitido na área do euro pelo Banco Central Europeu, colocaria o País entre os de maior crescimento do mundo, quando se somam os efeitos sobre o crescimento do aumento ocorrido em 2024 do emprego, do salário mínimo e da massa salarial.
​É nesse ponto que vejo uma segunda contribuição essencial ao Brasil de Flávio Dino, esta direcionada para a questão econômica. O ministro não se submeteu ao fetiche da “meta fiscal” com orçamento quase estacionário, estabelecido pelo “arcabouço” de Haddad. Diante da tragédia de meados do ano no Rio Grande do Sul e das posteriores queimadas nos demais biomas brasileiros, ele autorizou o Governo a “furar” a meta fiscal do “arcabouço” e baixar medidas provisórias para mobilizar os recursos federais necessários para enfrentar suas consequências.
​Isso enfureceu o “mercado financeiro”, que exige déficit zero ou, no máximo, de 0,25% do PIB no orçamento primário. É uma meta absolutamente incompatível com a era dos desastres climáticos extremos, que exigirão aumentos cada vez maiores, ao ritmo dos desastres climáticos inevitáveis, nos cortes no orçamento primário, onde são computados seus custos. Se a meta fiscal for cumprida, o Estado Social , que inclui os demais custos de interesse do povo pobre, vai desaparecer para acomodar as despesas dos desastres climáticos extremos.
​Flávio Dino demonstrou, como a maioria do povo brasileiro, grande sensibilidade diante dos desastres no sul e das tragédias das queimadas, ao tomar a iniciativa de que o Governo fure a meta fiscal do “arcabouço”, para cobrir seus custos. Sem isso, o presidente Lula correria o risco legal de um impeachment similar ao que ocorreu com Dilma, embora em circunstâncias diversas.
​Entretanto, do ponto de vista da economia em seu conjunto, e não apenas quanto a seu efeito legal de proteger o mandato de Lula, a medida provisória de Flávio Dino terá de ser complementada. A meu ver, ele está mais apto a fazê-lo do que qualquer outro candidato a presidente. É que deve ter percebido, de alguma forma, que o déficit fiscal efetivo que resultará dos gastos acima da meta fiscal vai pressionar a demanda global real, e se não houver aumento equivalente do lado da oferta haverá inflação.
​Portanto, o futuro Presidente terá de estimular o incremento dos investimentos e da produção, e admitir aumento também de importações, para equilibrar de forma dinâmica o aumento da oferta com o da demanda. Com isso, pode-se estabilizar os preços e a inflação, compatibilizando o aumento do PIB com os efeitos na demanda e da oferta da economia com os desastres climáticos extremos.
​Contudo, há uma condição para isso, e é nesse ponto que o futuro presidente, como acontece com Lula, enfrentará seu maior problema: para estimular o aumento da produção, o Banco Central terá de reduzir a taxa de juros básica (Selic), que ele tem mantido em níveis extravagantes. A Selic elevada estimula o capital a migrar do setor produtivo para o setor financeiro especulativo, cuja remuneração é maior que seus resultados operacionais. E daí, sim, pode resultar inflação, por duas vias: por essa ultima, acima mencionada, e porque a Selic, que é usada para combater a inflação, tem o efeito inverso de provocá-la, por ser estimada antes do aumento oficial dos preços.
​A combinação de todos esses fatores que conciliem demanda e oferta real, estabilidade inflacionária e aumento do PIB implicará um tremendo esforço de negociação do futuro presidente com o Congresso, que terá de curvar-se às exigências de moralidade, por um lado, e de mudanças profundas no sistema fiscal e monetário no sentido de um novo “arcabouço fiscal”. Este será o grande desafio para o presidente, qualquer que seja ele. Se for Flávio Dino, acho que já deu um passo nesse sentido.

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