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Arrazoado da Incerteza

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Nos últimos dias, o debate público foi capturado por um tema que parece ser o espelho perfeito das ansiedades em uma era marcada pela desconfiança: a medida da Receita Federal de monitorar operações financeiras e incluir o Pix. Para alguns técnicos no assunto a iniciativa é um passo necessário em direção à sustentabilidade fiscal e ao combate à sonegação e outros crimes financeiros. Já para a maioria da população é mais um novo capítulo da intromissão estatal em uma sociedade com renda cada vez mais comprimida. No meio deste rebuliço, um velho conceito econômico parece visitar de forma sutil este assunto. A incerteza.

O Pix, desde sua criação, é saudado como uma revolução. Um meio relativamente simples, barato, instantâneo. A informalidade que sustenta milhões de trabalhadores, em grande parte de renda baixa, encontrou no Pix um aliado. Ele viabiliza pequenos negócios e reduz custos bancários. Por outro lado, o governo, quase sempre a um passo atrás da criatividade popular, percebeu o óbvio: o Pix é uma mina de ouro de dados.

A Receita Federal, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda, anunciou, então, que transações financeiras de R$ 5 mil ou mais realizadas por pessoas físicas e que transações de R$ 15 mil ou mais feitas por pessoas jurídicas seriam monitoradas. Na prática, isso já acontece em outras formas de pagamento. Mas o Pix carrega uma mística própria, algo quase sagrado para quem vive da agilidade e da confiança em sua privacidade. A reação foi um misto de pânico e indignação, alimentada por um caldo de desinformação e teorias conspiratórias.

Entretanto, o que está em jogo vai muito além da desinformação ou teoria conspiratória e a explicação disso demanda um pouco de fôlego. De fato, o governo não mente ao salientar que a instrução normativa 2.219/2024 (a ‘instrução do Pix’) tem como objetivo o monitoramento de transações financeiras neste modal e que qualquer incidência de alíquota sobre as operações financeiras na ferramenta está expressamente vedada pela Constituição Federal, como assegura Andrea Chaves, subsecretária de fiscalização da Receita Federal. Contudo, a publicação desta norma, em meio a um cenário de incertezas provocadas por fatores internos e externos, somada a uma sequência de anúncios de taxações em diversos setores da sociedade como estratégia governamental para equacionar o déficit público (em contexto de sucessivas revisões da taxa Selic) se torna o combustível para a proliferação de conteúdos duvidosos e especuladores.

O governo, curiosamente, parece já ter problemas demais para se dar luxo de tropeçar nas próprias pernas e certamente os formuladores da instrução normativa não esperavam uma grande mobilização social, sobretudo catapultadas pelo vídeo do Deputado Federal Nikolas Ferreira (PL-MG) que já alcançou, até o presente momento, mais de 300 milhões de visualizações em sua rede social. Em seu vídeo, Nikolas especula, mas sem provar, que o monitoramento da Receita Federal ao Pix ainda que não seja uma forma de taxação direta este ensejaria uma valiosa informação ao fisco e que no futuro esta informação poderia ser veículo para formulação de formas de tributação as faixas de renda relativamente mais pobres que utilizam do meio de pagamento, sobretudo microempreendedores.

Poderíamos discutir, correndo o risco de perder um tempo valioso, se haveria alguma chance mínima do teor da mensagem de Nikolas ser verdadeiro, porém as sinalizações contrárias do órgão de comunicação da Receita Federal embasadas em preceitos da Constituição e no sigilo dos dados parecem ser suficientes.

Entretanto, em um cenário como este, algum estrago parece praticamente inevitável. Como refletiria Keynes, em tempos de forte incerteza, o indivíduo tende a antecipar ações como forma de se precaver, ainda que, paradoxalmente, essa antecipação aumente seu próprio risco. As plaquinhas vermelhas de “Não Aceitamos Pix” se espalharam rapidamente e começaram a surgir preços discriminados. O resultado? As vendas despencaram.

E o governo, por outro lado, poderia ter se precavido ao comunicar de forma eficiente a população (e não após o viral de Nikolas Ferreira) de que a possibilidade de taxação do Pix, seja ela direta ou indireta, está totalmente fora de cogitação. Entretanto, ainda que a comunicação fosse clara e arquitetada, é de se indagar como o cidadão comum acreditaria piamente num cenário onde reina a desconfiança política e a pressão eleitoreira é capaz de estimular qualquer manobra, seja ela vinda do governo ou de um quarto fechado onde há uma câmera ligada e um texto sedutor. 

Atualização em 15/01/2024 às 17:00:
Após repercussão negativa da onda de desinformação, o governo federal decidiu revogar a Instrução Normativa 2.219, da Receita Federal, que previa o monitoramento de transações financeiras, incluindo o Pix

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