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Marx, em Crítica da Economia Política, diz que o capitalismo padece de insuficiência de consumo desde o seu nascimento e carregará essa deficiência até final dos seus dias.
A inflação, diz ele, decorre do fato de que o governo cobre essa deficiência com subsídio ao capital para garantir taxa de lucro tendencialmente cadente.
Para cobrir o buraco fiscal que o subsídio provoca – mais de R$ 600 bilhões/ano no Brasil –, o governo se endivida, emitindo títulos do tesouro sobre os quais paga juros e, ao mesmo tempo, eleva impostos para aumentar a arrecadação.
Os juros(quase R$ 1 trilhão/ano), que o governo paga, e os impostos, que cobra, são repassados pelos empresários aos preços das mercadorias que os assalariados consomem.
Eis a causa da inflação, nua e crua, que o BC Independente deverá combater puxando os juros previsivelmente em 1 ponto percentual nesta quarta-feira, sob pressão da Faria Lima, quando inicia a gestão de Gabriel Galípolo.
Se não houvesse subsídios, que produz endividamento público especulativo, os salários teriam poder de compra suficiente para garantir lucro do capitalista, a juros civilizados, para garantir reprodução do capital.
Portanto, os R$ 600 bilhões gastos em subsídios e os R$ 1 trilhão, aproximadamente, em juros, seriam investidos para construir a infraestrutura nacional gerando industrialização, empregos de qualidade, oferta superior à demanda, queda dos preços, enfim, controle da inflação.
Sem a concessão de subsídios ao capital, mediante salários valorizados, toda oferta geraria sua própria demanda, como teorizou Jean Baptiste Say.
Como o capitalista busca o lucro, arrochando salário, padece de insuficiência de consumo, que reflete, como disse Marx, na queda da taxa de lucro, compensada pelo Estado com subsídio.
O Estado capitalista é capital e o subsídio ao capital é a expressão do domínio do Estado pelos capitalistas para favorecer seus interesses, na luta de classe contra os trabalhadores, sempre submetidos aos arcabouços fiscais e monetários restritivos etc.
INFLAÇÃO DE CUSTO, NÃO DE DEMANDA
Assim o aumento da inflação não é produzido pelo consumo excessivo que justifica aumento dos juros para conter a inflação, como pregam os neoliberais, mas pelo aumento do juro que o Estado paga ao capital para subsidiá-lo pela insuficiência de demanda que provoca, repassado, pelos empresários, aos preços.
Eis a dialética do capital em sua permanente busca de valorização ao utilizar o Estado como instrumento que ele coloca para trabalhar a seu favor.
Quanto mais o juro aumenta em nome do combate à inflação para reduzir a demanda, achatando salário, mais a inflação sobe.
Se o salário subisse, o governo não teria que conceder subsídio, portanto, não precisaria se endividar para pagar juro afim de garantir a taxa de lucro do capitalista que cai por conta da redução do consumo dos trabalhadores.
Desse modo, quanto mais arrocha-se salário – como acontece com o atual arcabouço fiscal neoliberal vigente –, mais a inflação sobe por conta da elevação do custo de manutenção do Estado que se endivida para manter constante a taxa de lucro do capital tendencialmente cadente.
Nesse sentido, a prioridade que o governo Lula diz que perseguirá, este ano, para controlar os preços dos alimentos, deveria iniciar com a redução dos subsídios ao capital para reduzir o custo do juro repassado aos preços e não cortar gastos primários do orçamento que atendem às necessidades populares.
Aí, sim, o presidente estaria colocando o pobre no orçamento e o capitalista no imposto de renda, como prometeu em campanha eleitoral.
Sintetizando: a inflação não é de demanda, de excesso de consumo, que exigiria juro para conter os preços, mas de custo, porque os empresários repassam aos preços o juro decorrente do endividamento governamental, como estratégia para remunerar capital, cuja taxa de lucro, no capitalismo, é cadente.
Dizer que a inflação é de demanda é, então, argumento ideológico.
Marx está ou não correto?
TAREFA DE GALÍPOLO
Nesse sentido, se o governo quer mesmo reduzir a inflação, tem que inverter o diagnóstico sobre ela dado pelo capital.
Esse é o desafio do novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, considerado heterodoxo, que já está diante da pressão do mercado financeiro especulativo para aumentar o juro novamente esta semana.
Mais juro, mais inflação de custo, já que não existe a inflação de demanda, senão, ideologicamente, dado que os salários estão arrochados pelo arcabouço fiscal desde o golpe neoliberal de 2016.
O objetivo do golpe, como a realidade demonstra, foi arrochar salários e destruir direitos sociais inscritos na Constituição de 1988.
Dessa forma, continuou elevando a taxa de lucro dos capitalistas, enquanto cai sistematicamente o poder de compra dos trabalhadores, comprometendo os investimentos capazes de promover desenvolvimento sustentável.
O capitalismo, quanto mais arrocha salário, por meio da mais-valia, que o leva a pagar ao trabalhador, apenas, uma parte da jornada de trabalho, pois a outra, a maior, ele embolsa de graça, reduz o consumo e eleva subsídios, ao dominar o Estado, para trabalhar para ele, no contexto da luta de classe.
Obviamente, portanto, se o trabalhador recebesse salário digno, não haveria necessidade de o Estado subsidiar o capital para compensar redução de consumo que os baixos salários produzem, gerando queda da taxa de lucro, que se traduz em estoques elevados e baixos investimentos.
Aumentar os salários é a forma de reduzir os subsídios e, consequentemente, combater, eficazmente, a inflação.
Galípolo, economista heterodoxo, reverterá o curso da inflação, produzida por diagnóstico errado ou continuará o jogo que foi jogado pelo seu antecessor de manipular especulativamente a inflação para garantir juros cada vez mais altos, que não combatem inflação de demanda, inexistente, mas sim eleva inflação de custo?
Afinal, é indiscutível que o juro alto puxado pelo BC, para encher barriga de especulador, é repassado aos preços, para realimentar a própria inflação.
CRISE MONETÁRIA QUE APROFUNDOU INSUFICIÊNCIA
As crises do capitalismo começam sempre nas economias desenvolvidas que as transferem para as economias menos desenvolvidas e subdesenvolvidas, gerando nelas o subconsumismo que aprofunda a inflação.
No final dos anos de 1970, por exemplo, os Estados Unidos puxaram violentamente as taxas de juros – de 5% para 21 por cento – para enxugar excesso de liquidez em dólar que ameaçava a economia americana de hiperinflação.
Os Estados Unidos haviam descolado o dólar do ouro e deixado a moeda flutuar, inundando os mercados globais, forçados pelo império a abrir suas economias à nova ordem mundial.
Como as economias subdesenvolvidas tinham se endividado em dólar, o juro mais alto nos Estados Unidos implodiu a dívida externa da periferia capitalista, produzindo hiperinflação.
O capitalismo cêntrico, americano, cobrou a fatura: redução de gastos públicos, privatizações, juros altos e arrocho salarial.
Em vez de considerar que a crise externa é que produziu a inflação interna, o capitalismo cêntrico inverteu os fatores: a inflação vinha do excesso de gastos públicos na periferia, quando, na verdade, o custo do gasto se elevou por conta do juro alto americano destinado a enxugar liquidez em dólar.
A crise veio de fora para dentro.
Desde então, até hoje, a saída capitalista na periferia é arrochar salário e vender ativos baratos para pagar juros e dívida que o capitalismo cêntrico produziu, exportando para os subdesenvolvidos a crescente insuficiência de demanda.
Se a crise é de insuficiência de demanda, a solução é superar essa insuficiência não mediante juro alto, mas juro baixo para elevar investimentos e diminuir dívida e, consequentemente, inflação.
A inversão do diagnóstico da inflação, dessa forma, é o grande desafio a ser enfrentado pelo governo Lula, para ele promover desenvolvimentismo e justiça social.