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Imperativo Do Crescimento

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José Carlos de Assis
José Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

Estou preparando um curso online para ser divulgado pela internet sob o título de “A Economia Política Brasileira em Face dos Desastres Climáticos Extremos”.

Começando pela conclusão, aviso que, na medida da acumulação de grandes desastres climáticos no futuro, como a Ciência prevê e é comprovado pela experiência, o déficit do orçamento primário discricionário explodirá inexoravelmente, puxando a demanda, e a única forma de assegurar a estabilidade inflacionária será pelo aumento do investimento, da produção, da oferta e do PIB.

Podemos também inverter essas relações: a única forma de assegurar o crescimento do PIB a altas taxas, numa época de desastres climáticos extremos, é aumentar o déficit orçamentário até um nível acima dos custos para a adaptação do País aos desastres climáticos, o que levará à alta da demanda agregada.

Essa alta, por sua vez, abrirá espaço para o crescimento da produção, da oferta e do PIB, desde que haja condições favoráveis ao financiamento e ao investimento privado, a começar por uma taxa de juros mais baixa (Selic).

Chega-se a essa conclusão quando se examinam os custos para o Governo federal relativos aos prejuízos causados pelas grandes enchentes e alagamentos em maio de 2024 no Rio Grande do Sul, e os estimados para as  extensas queimadas ocorridas em 72% em todo o território nacional meses depois, ainda em 2024.

Só para o Rio Grande do Sul, um único estado da Federação, que tem 26 estados mais o Distrito Federal, o Governo teve que liberar mais de R$ 104,4 bilhões, a maior parte em verbas extras fora da meta do “arcabouço fiscal”.

Considere os outros estados brasileiros que estão sendo atingidos por semelhantes desastres, mesmo que não seja nas proporções aos do Sul.

Isso será a regra daqui para a frente nos próximos anos, e talvez décadas: o Governo federal, por medida de isonomia, terá de prestar a eles o mesmo tipo de ajuda prestada aos que foram vítimas de enchentes e de queimadas.

Quais serão as consequências disso nas políticas fiscais e monetárias do Governo central,  de forma cumulativa?

A ajuda ao Rio Grande do Sul foi possível, dentro da lei, porque o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, autorizou formalmente o Governo a recorrer a medidas provisórias fora da meta fiscal (“arcabouço”) para adaptar o País aos desastres climáticos extremos.

Acontece que a autorização legal para a explosão da meta fiscal, que afasta o risco de “crime de responsabilidade” do Presidente, não resolve o problema do efeito “real” do déficit fiscal sobre o conjunto da economia.

O déficit efetivo se reflete na economia como aumento da demanda global, e, como tal, pressiona a oferta.

Se não houver resposta por parte desta, haverá um desequilíbrio inflacionário, e nisso concordo com os conservadores.

Só não concordo com a terapia que recomendam: cortar na demanda e aumentar a taxa de juros (Selic).

Isso só interessa aos ricos e poderosos. Enquanto pessoas físicas, eles mantêm seus privilégios de consumo; e, enquanto empresários, migrarão do setor produtivo para o mercado financeiro especulativo, a fim de se aproveitarem das taxas de juros elevadas.

Se a economia fosse uma ciência neutra seria possível convencer as pessoas, pela lógica, que é perfeitamente possível para o País crescer a altas taxas sem necessidade de cortar no orçamento primário discricionário e estabilizar os preços sem aumentar a taxa de juros.

Contudo, a economia não é uma ciência neutra, sequer uma ciência.

É uma arena de combate em que as classes dominantes impõem às camadas mais frágeis da população o peso de seus interesses específicos, manipulando as políticas monetária e fiscal em conluio com o Estado.

Seria perfeitamente possível conciliar um déficit primário de 3% do PIB, igual ao admitido pelo Banco Central Europeu, com o aumento da demanda global em proporção similar, puxando o aumento da oferta em ritmo dinâmico.

 A precondição para isso é que haja uma resposta efetiva pelo lado da produção, ou da oferta, a fim de contrabalançar o aumento da demanda.

Equilibrando-se de forma dinâmica demanda e oferta, o efeito é a estabilização inflacionária e o aumento do PIB, ambos como consequência da alta da produção.

Se as políticas fiscal e monetária buscassem os objetivos de crescimento do PIB a taxas elevadas, não contentando-se com os níveis medíocres que o Brasil tem apresentado – sim, porque, em confronto com suas potencialidades, o País tem possibilidade de crescer a taxas indianas (7%) ou chinesas (5%), e não no ritmo ainda modesto do ano passado (3,5%) -, poderíamos ter condições objetivas de enfrentar progressivamente nossas principais mazelas sociais, como miséria, insuficiência alimentar, alta informalidade, desigualdade e a extrema concentração de renda.

O modelo de economia com crescimento acelerado deveria implicar, portanto, os seguintes passos: déficit primário (3% do PIB), aumento da demanda, indução ao aumento da produção e da oferta, aumento do PIB.

Já o “arcabouço fiscal” estabelece, ao contrário, equilíbrio orçamentário (ou déficit máximo de 0,25% do PIB), modesto crescimento da demanda (quando não há outros fatores envolvidos, como eventuais obras do PAC financiadas por emendas parlamentares, e o aumento do salário mínimo, do emprego e da massa salarial, como no ano passado), produção e oferta limitada, inflação e crescimento modesto do PIB.

Diga-se logo que esses fatores de crescimento não se repetirão neste ano, pois, mesmo antes da votação final do orçamento, a regra de fixação do salário mínimo, que tem aplicação geral e grande influência na demanda efetiva global, prevê reajustes menores em 2025 em relação a 2024.

Há outros sérios obstáculos ao crescimento da economia.

Entre eles, a ideia fiscalista acima discutida de que o equilíbrio orçamentário é essencial para a estabilidade inflacionária, e o fetiche de que a política monetária de taxa de juros alta, através da Selic, controla a inflação.

Em ambos os casos estamos diante de fatores que reduzem o impulso do PIB a crescer.

Um fator mais fundamental, porém, para bloquear o crescimento, é que o Banco Central, com a Selic em níveis extravagantes,  criou uma “moeda financeira” exclusivamente  dos ricos, que estimula os empresários a migrarem do setor produtivo para a especulação rentista, portando reduzindo o potencial de aumento do PIB.

Diz-se ainda que o aumento da Selic controla a inflação.

É um embuste, porque não há comprovação científica de que taxa de juros elevada, como essas a que estamos sendo submetidos até março (13,25% e 14,25%, esta já anunciada para os próximos 45 dias), teria qualquer influência sobre a média dos preços no sentido da baixa.

O contrário é que é verdadeiro. Uma manchete de um órgão de comunicação anunciando o recente aumento da taxa Selic previu: Selic mais alta, preços de casas e carros mais elevados.

Inflação é um fenômeno de mercado. Existe quando há desequilíbrio entre demanda e oferta.

Muitos fatores, independentemente de taxa de juros, podem influir na demanda ou na oferta, gerando inflação.

É o caso, por exemplo, de bloqueios e embargos políticos, quebras de safras, epidemias e redução da oferta de insumos para produção industrial, como ocorreu com os chips na época da Covid 19.

Entretanto, o que determina a inflação efetiva é a média ponderada de todos os preços, sendo que alguns sobem e outros descem segundo a oscilação da oferta e da demanda.

Isso nada tem a ver com juros.

A Selic foi criada para ser um operador do mercado aberto, tornando-se, progressivamente, um indexador do setor financeiro, e, afinal, de toda a economia.

O Banco Central, que a fixa, antecipadamente, de 45 em 45 dias, picota-a diariamente no over e a faz coincidir com a  taxa cheia no fim do período.

Dessa forma, mediante as chamadas “operações compromissadas” – saldos bancários rolados no over pelos bancos no Bacen, com compromisso de recompra -, rendem juros diários, com o que o setor produtivo migra para o setor financeiro especulativo, com mais desestímulo ao crescimento da produção e do PIB.

As operações compromissadas e os depósitos voluntários depositados nos bancos, remunerados também pela Selic, são a base do que chamo de “moeda financeira” ou “moeda remunerada”.

É uma moeda de classe, a classe dos ricos e milionários.

A ela não têm acesso pessoas que não têm conta em banco ou que não podem deixar saldos de caixa depositados neles.

Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento de transferência de renda e de riqueza de pobres para ricos, de um tipo sem paralelo no mundo.

Ainda não é só nesse ponto que a Selic é um fator extremamente pernicioso para a economia brasileira.

Primeiro, é preciso dizer que ela é uma taxa de juros subjetiva que só existe no Brasil, uma espécie de jabuticaba.

Como indexador geral da economia, indexa também o estoque da Dívida Geral do Setor Público, hoje da ordem de R$ 9,9 trilhões.

Isso nos está exigindo pagamentos ao ano, só de juros, de cerca de R$ 1 trilhão.

Esse R$ 1 trilhão é  quase metade do orçamento primário.

E é no orçamento primário que recaem as despesas essenciais para o povo, como educação, saúde, saneamento, construção de casas para pobres etc, que o Governo se vê pressionado a cortar pelo mercado financeiro para enquadramento na meta do “equilíbrio fiscal”.

Entretanto, é também no orçamento primário que são contabilizados os custos com reconstrução e prevenção de desastres climáticos.

Na medida em que esses desastres venham a se acumular, como é provável, esses custos se elevarão drasticamente, não apenas furando legalmente a meta fiscal na forma possibilitada pela decisão do ministro Dino, mas fazendo explodir a demanda efetiva na economia como um todo.

Sem correspondente resposta do lado da produção e da oferta, como disse, teremos inevitavelmente pressão inflacionária, levantando a opinião pública contra o Governo, como aconteceu em 2014.

Diante disso, o objetivo de aumentar a produção e o PIB já não é um desejo voluntarista, mas um imperativo para a estabilidade inflacionária e a tranquilidade social.

A opinião pública brasileira é altamente sensível ao aumento do custo de vida e da inflação.

Contudo, o Governo Lula não tem um projeto político para redirecionar a economia e atacar a o aumento do custo de vida de  forma eficaz.

Limita-se a alegar que não se pode fazer uma manobra de  “cavalo de pau” num transatlântico em mar revolto, o que é uma péssima metáfora que esconde um compromisso claro com o conservadorismo e uma confissão de fracasso.

É uma situação que se agrava com desastres climáticos extremos, que exigem do Estado respostas que ele não está conseguindo dar em termos de crescimento econômico a altas taxas.

A meu ver, para restaurar as condições de crescimento da economia, o “cavalo de pau” deveria começar pelo congelamento das operações compromissadas do Bacen e seu pagamento com a emissão de precatórios de longo prazo pelo Governo, extinguindo a moeda remunerada.

Do contrário, o Estado Social será esmagado pelo setor financeiro, que explodirá por conta própria dada nossa incapacidade concreta de pagar pelo serviço da Dívida Pública.

Publicado originalmente na “Tribuna da Imprensa” on line.

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