O futuro da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) está em um momento decisivo.
A renovação da concessão tem gerado intensos debates sobre sua efetividade para atender ao interesse público, especialmente no que diz respeito à expansão da malha, à diversificação das cargas transportadas e à retomada do transporte ferroviário de passageiros.
De um lado, a VLI, controladora da FCA, defende que sua proposta de renovação prevê investimentos significativos e a continuidade da operação.
Do outro, o Governo Federal e setores da sociedade questionam o foco exclusivo da concessionária nos trechos economicamente mais vantajosos, sem uma contrapartida clara para a ampliação do sistema ferroviário e a inclusão de novos serviços.
O modelo atual de concessões tem priorizado o transporte de commodities, como minério e grãos, enquanto diversas regiões do país ficam desatendidas pelo transporte ferroviário, tanto para cargas menores quanto para passageiros.
Segundo documento do Setorial Nacional de Logística, Transportes e Mobilidade Urbana do PT, a FCA já desativou cerca de um terço de sua malha ferroviária, sob a justificativa de inviabilidade econômica.
Esse cenário forçou pequenos e médios produtores a dependerem do transporte rodoviário, encarecendo a logística e impactando negativamente a infraestrutura viária.
Além disso, nas últimas renovações de concessões ferroviárias, os investimentos ficaram concentrados na modernização de equipamentos, sem um avanço significativo na expansão da capacidade física das ferrovias.
A proposta de renovação da VLI segue essa mesma lógica, o que tem gerado resistência dentro do governo e entre especialistas do setor.
Uma nova alternativa para a FCA
Diante desse impasse, uma alternativa que ganha força é transferir a gestão da malha para a Infra S/A, empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes, que já administra importantes ferrovias, como a FIOL, a FICO e a Ferrovia Norte-Sul.
Nesse modelo, a VLI continuaria operando os trechos que considera rentáveis, por meio de subconcessões, mas com a obrigação de pagar uma outorga proporcional à rentabilidade desses trechos.
Esse valor seria utilizado exclusivamente para financiar a reativação de trechos abandonados e a implementação de novas conexões ferroviárias, conhecidas como short lines.
Essas pequenas linhas férreas, amplamente utilizadas nos Estados Unidos, são fundamentais para conectar centros produtivos regionais às grandes ferrovias e permitir que pequenos e médios produtores tenham acesso ao transporte ferroviário.
Outro aspecto fundamental dessa proposta é a retomada do transporte de passageiros.
No modelo atual, as concessionárias têm liberdade para decidir se operam ou não esse serviço, o que levou à sua quase completa extinção.
No novo modelo, o transporte de passageiros seria garantido em parte da malha, funcionando de forma compartilhada com cargas de maior valor agregado.
Essa mudança representaria um avanço na mobilidade regional e na oferta de alternativas mais seguras e eficientes de transporte.
Um modelo mais democrático e eficiente
Além de ampliar a oferta de serviços ferroviários, a nova gestão pela Infra S/A corrigiria uma limitação estrutural do modelo atual: a insuficiente regulação para democratizar o acesso à infraestrutura.
Hoje, mesmo trechos ociosos das ferrovias não podem ser utilizados por outras operadoras sem autorização da concessionária, o que dificulta a diversificação do setor.
Com a Infra S/A assumindo o controle da malha, essa limitação seria superada, permitindo uma gestão mais transparente e eficiente da rede ferroviária.
A decisão do governo sobre a FCA será um marco para o transporte ferroviário no Brasil.
Optar pela renovação nos moldes atuais significa manter um modelo excludente, voltado apenas ao escoamento de commodities, sem compromisso com a ampliação da malha e a diversificação dos serviços.
Por outro lado, adotar um modelo equilibrado, em que a gestão pública garante investimentos estratégicos e o setor privado opera os trechos mais lucrativos sob novas condições, pode transformar a logística ferroviária do país.
Essa proposta fortalece a economia regional, reduz a dependência do transporte rodoviário, assegura o retorno dos trens de passageiros e garante investimentos na infraestrutura ferroviária.
O Brasil tem a oportunidade de construir um sistema ferroviário mais moderno, sustentável e democrático.
A escolha a ser feita agora definirá os rumos desse setor nas próximas décadas.
José Augusto Valente é membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia. Foi secretário de Política Nacional de Transportes e presidente do DER-RJ.
Original em: https://monitormercantil.com.br/concessao-da-malha-ferroviaria-da-fca-novo-modelo-e-possivel/