Este trabalho analisa as grandes transformações mundiais possivelmente decorrentes da difusão do carro elétrico, que é a principal tecnologia para o novo mundo de baixo carbono.
O automóvel revolucionou o século XX.
A rede urbana, a estrutura econômica, a produtividade agrícola, a economia dos serviços, as grandes corporações se organizaram e cresceram por causa dele.
A indústria automobilística foi sinônimo de desenvolvimento.
Isso decorre também da sua importância dentro da metal-mecânica nas Indústrias Centrais, da qual faz parte também a química e a eletrônica.
Essas indústrias correspondem a aproximadamente 70% das inovações e das exportações mundiais de manufaturas.
A migração da automobilística tradicional para a China ameaça desorganizar a estrutura centro-periferia e é uma ameaça à prosperidade dos desenvolvidos, especialmente Japão e Europa.
As barreiras ambientais, o carro elétrico e a revolução tecnológica associada é a grande esperança de proteger a metal-mecânica do Primeiro Mundo dos chineses e indianos.
Por diferentes razões, a China também vai apostar no carro elétrico.
Sua popularização será a chave para manter o alto crescimento, mas agora liderado pelo mercado interno e pela economia dos serviços, e sem os inconvenientes da gasolina.
Essas razões estratégicas de lado a lado podem romper a aliança secular pelo paradigma
da gasolina.
Porém será uma grande ameaça às apostas de desenvolvimento brasileiras feitas nos últimos 3 anos: pré-sal, etanol, metal-mecânica do diesel e carros populares e carnes.
Para estar preparado para a tendência de motorização elétrica, o Brasil precisa também investir em carros elétricos e híbridos.
A melhor forma de fazê-lo é através de campeões nacionais.
A tecnologia mais promissora para o Brasil para abastecimento da motorização elétrica é provavelmente a célula combustível a etanol e só um campeão nacional pode garantir espaço de mercado para o país impor essa solução que lhe favorece.
Ninguém jamais ousou imaginar que o governo americano um dia estatizaria a General Motors – GM qualquer que fosse a crise.
Primeiramente, porque a GM foi durante a maior parte do século XX a maior empresa do mundo e orgulho do capitalismo americano.
A gigante já passou incólume por muitas crises incluindo a grande depressão dos anos 30.
Segundo, porque os EUA sempre foram os grandes defensores da livre iniciativa, das privatizações e combateram as estatizações em todo o mundo.
Jamais alguém imaginou que o governo americano iria controlar uma empresa industrial.
Isso é um abalo absolutamente inusitado em nossas crenças sobre economia e política.
Deixando de lado a questão ideológica, faz-se necessário avaliar o motivo dessa medida tão inesperada.
Para tal, vamos buscar entender em que se baseia a riqueza de uma nação.
A riqueza de uma nação é normalmente medida pela renda per capita.
Dada a população, quanto mais alta a renda per capita, mais rico um país.
Entretanto, uma elevada renda per capita significa também um grande consumo per capita.
Para sustentar muito consumo, é necessário muita produção e inevitavelmente
muita importação, pois nenhum país pode ser auto-suficiente.
As importações precisam ser pagas em moeda internacional.
Se o país não emite moeda internacional, só pode obtê-la com exportações ou empréstimos.
Carro elétrico, a revolução geopolítica e econômica do século XXI…
Como mostra a história brasileira e mundial, grande volume de dívida externa causa dependência e crises cambiais.1
Portanto, uma grande nação precisa ter um elevado nível de exportações per capita
e evitar que as importações per capita cresçam muito (Dos Santos, 2005)2.
Nesse sentido, a importância do setor automobilístico no consumo, nas exportações
e no desenvolvimento tecnológico pode explicar o cuidado dedicado
pelo governo de Obama, que reelegeu a empresa como “Campeã Nacional” e fez
de tudo para garantir a continuidade operacional e mantê-la em mãos nacionais.
Essa conclusão parece óbvia, mas não é isenta de polêmica.
Os EUA já abriram mão de diversos setores, como têxtil, calçados e eletrônicos de consumo.
Por que agora seria diferente?
Indústrias centrais
O setor automobilístico pertence à metal-mecânica.
Os setores metal-mecânico, químico e eletroeletrônico respondem por algo entre 55% e 75% das exportações dos países mais desenvolvidos e dos tigres asiáticos.
Chamamos tais setores de indústrias centrais em um artigo publicado na Revista Custo Brasil de março deste ano,3 onde procuramos mostrar que a metalmecânica é o núcleo duro da indústria dos países mais desenvolvidos.
Sua importância nas exportações mostra que esses setores são a base da poder e da riqueza dessas nações, pois são eles que permitem o equilíbrio em seus balanços de pagamentos apesar dos altos salários, impostos e lucros.
As indústrias centrais constituem a base das inovações e da competitividade dos países mais desenvolvidos.
Para se ter apenas uma rápida dimensão, basta mencionar que – nos Estados Unidos, Europa e Japão – respondem por quase 70% dos gastos globais em pesquisa e desenvolvimento (P&D)4 e mais de dois terços das patentes industriais5.
Indústrias centrais é sinônimo de desenvolvimento.
1 Ver Bresser-Pereira, Luiz Carlos, Gala, Paulo (2007); Santos, Fabricio Marques (2008) e Santos, Antonio Tiago Loureiro Araújo dos; Lima, Gilberto Tadeu; Carvalho, Veridiana Ramos da Silva (2005) e Paulo Nogueira Batista Jr. (2002).
2 Freitas, Fábio (2003).
3 Dos Santos, Gustavo Antônio Galvão, Silva, José Francisco Sanches da, Medeiros, Rodrigo Loureiro, Barbosa, Eduardo Kaplan, Dos Santos, Bruno Galvão (2009).
4 As solicitações de patentes são extremamente concentradas. Em 2001, França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos respondiam por 83,6% de todas as famílias triádicas de patentes (registradas em simultâneo nos Estados Unidos, Europa e Japão). (http://www.iedi.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=20&infoid=1836)
5 O trabalho de Robson et al. (1988) identifi ca que um pequeno núcleo setorial concentrou aproximadamente 64% das inovações na indústria inglesa entre 1945 e 1983. Tais inovações demonstravam repercussão em quase todos os demais
Entre elas, a metal-mecânica tem o maior peso, correspondendo entre 55% e 65% das exportações das indústrias centrais nesses países.
A automobilística é o principal subsetor dentro da metal-mecânica, mais especificamente 33% de suas exportações.
Um grande país não pode ter uma indústria metal-mecânica forte sem a indústria automobilística.
O Gráfico abaixo mostra o peso dessas indústrias nas exportações mundiais de manufaturados.
Perfil das exportações mundiais OMC 2007
Máq.mecânico excet.auto; 24% Auto e peças ; 12% Equip.telecomunicações ; 6% Computadores e máquinas escritório; 6%
Componentes eletrônicos ; 4% Químicos sem farmaceúticos ; 12% Farmácéuticos ; 4%
Aço ; 5% Outras manufaturas ; 21% Confecções ; 4% Têxtil ; 3% Mecânica: 36% das exportações mundiais Química 16% das exportações mundiais Eletrônica para empresas pelo menos16% das exportações mundiais Indústrias Centrais: pelo menos 74% das exportações mundiais
A civilização do automóvel e a cidade moderna
Sabe-se que no século XX, a indústria automobilística foi uma das maiores difusoras do american way of life.
Mas poucas pessoas têm consciência da importância do automóvel na conformação do mundo moderno.
Setores.
Este núcleo, altamente inovativo, mantém forte correspondência com os setores baseados na ciência, sendo representado pelas indústrias química, mecânica, eletrônica e de instrumentos.
Para Malerba e Orsenigo (1995), um inovador conta com uma maior oportunidade tecnológica quando registra uma maior facilidade de inovar a partir de uma mesma dedicação de recursos que, por sua vez, deriva do potencial de inovação da tecnologia que está sendo empregada.
Segundo os mesmos autores, as maiores oportunidades tecnológicas são detectadas nos setores químicos, elétricos e eletrônicos.
Segundo o excelente trabalho de Campos (2005) esse padrão também se mantém no
caso brasileiro.
Um breve histórico do papel dos veículos automotores pode ajudar a compreender porque os governos lhe dedicam tanto tempo.
Uma das mais incríveis revoluções da modernidade foi a possibilidade da circulação irrestrita advinda dos veículos automotores.6
Essa invenção permitiu aos seres humanos ultrapassar os limites dos contatos
sociais limitados às vizinhanças da urbe antiga, ou seja, a distância que se pode deslocar a pé ou a cavalo.
Viagens a distâncias um pouco “maiores” – como 30 quilômetros de distância – precisavam ser feitas com escoltas de guardas privados, ou com disposição para se assumir todos os tipos de riscos em trilhas e estradas rurais, como por exemplo, problemas climáticos, impossibilidade de socorro médico, ausência de comunicação e principalmente a presença de salteadores, que abundavam.
Além disso, as viagens poderiam durar dias ou meses.
O custo do transporte humano ou de carga era enorme.7
O rompimento dessas limitações necessariamente exige o veículo individual para o exercício da liberdade de locomoção.
A inexistência de opção individual de transporte condenaria a circulação apenas ao entorno das ferrovias, único meio de transporte terrestre de longa distância.
Isso limitaria a própria modernidade.8
O automóvel e seu congênere para cargas revolucionaram a vida e a geografia do planeta.
Permitiram a liberação da capacidade de auto-realização, expansão e experimentação individual e social dos humanos, foi altamente positiva, apesar de todas as contradições emergentes.9
O automóvel viabilizou uma grande a quase completa colonização humana
do território habitável, unifi cou os continentes em grandes artérias para sua circulação e criou as megacidades mundiais.
O mundo era antes algo inexpugnável, só acessível aos grandes aventureiros e herdeiros de grandes fortunas.
Hoje um cidadão médio pode experimentar praticamente qualquer lugar habitável, com
conforto e segurança.
O século XX começou com a grande maioria da população morando em áreas rurais e terminou com a maioria morando em cidades, sendo que em muitos países mais de 90% dos cidadãos são urbanos.
O que seria o mundo hoje sem as grandes cidades?
6 Giucci, Guillermo (2004).
7 Sávio, Marco Antônio Cornacioni (2002).
8 Baseados em conversas com o economista do BNDES Eriksom Teixeira Lima.
9 Não podemos esquecer que ele foi e é a principal força motriz de destruição ambiental nos últimos 100 anos.
Todo o dinamismo da vida na cidade moderna, da economia baseada nos serviços e nas grandes empresas seria impossível sem o automóvel.
As grandes empresas são a base do desenvolvimento tecnológico e da própria prosperidade
moderna, pois, além das inovações, viabilizaram a imensa produtividade alcançada hoje pelo trabalho humano.
Elas obtiveram isso em decorrência das enormes economias de escala e escopo na produção e no desenvolvimento de novos produtos que só podem ser obtidas em grandes concentrações de trabalhadores altamente qualificados dentro das empresas e em seus fornecedores próximos.
Essas concentrações de trabalhadores especializados envolvidos em objetivos comuns
só são possíveis em decorrência das grandes cidades.
E eles só são facilmente disponíveis em grande quantidade em decorrência do automóvel e do ônibus, pois o transporte sobre trilhos tem uma extensão naturalmente limitada.10
Ao viabilizar a mobilidade a longa distância, o automóvel também permitiu a produção em massa de moradias sem uma conseqüente explosão dos preços dos terrenos, mantendo a renda fundiária urbana e os custos trabalhistas relativamente estáveis e viabilizando a expansão da larga estrutura econômica dos centros urbanos com aumento da qualidade de vida.11
Os veículos automotores permitiram as grandes aglomerações humanas com muitos quilômetros quadrados de extensão e com uma área de influência muito maior capaz de abastecê-las de insumos e trabalho especializado.
Isso sem falar na diversidade de formas de lazer, convívio social e cultura disponível a minutos de distância e que tornam a vida urbana não apenas minimamente agradável, como capaz de ser considerada pela maioria das pessoas como mais atraente do que a vida no campo.12
A redenção do desenvolvimento
O automóvel é também a base da grande revolução industrial do século XX que é a indústria automobilística, do petróleo e todos os avanços tecnológicos decorrentes dessas indústrias.
Boa parte do comércio e da inovação mundial se deve a elas.
A Indústria automobilística sempre foi sinônimo de desen-
10 CUNHA, Maria Soares da; SILVA. Maria Geane Bezerra da (2007).
11 ABRAMO, Pedro (1995)
12 FANI, Ana Alessandri Carlos (2005)
volvimento, porque ela era o passaporte para as Indústrias Centrais, em particular
a metal-mecânica e a petroquímica.
Ter uma indústria automobilística em seu território foi um dos objetivos máximos dos grandes estadistas, como Juscelino Kubitschek.
Mas os países melhor sucedidos foram aqueles que buscaram Campeões com marcas nacionais.
O Japão e os grande países europeus investiram muito pesadamente nos
anos 50 para construírem suas marcas nacionais de automóveis.
Nos anos 70 e 80 foi a vez do governo coreano. Grandes marcas como a Kia e a Hyundai foram construídas com orientação e recursos do governo.
Nos anos 90 os chineses começaram a investir em marcas nacionais, a maioria das quais de capital estatal.
Até mesmo os indianos investiram em automóveis com marcas nacionais e que hoje acabaram se mostrando vencedoras no planeta.
O salvamento do velho campeão
Esse é o cenário em que queremos analisar a decisão estratégica de Obama de estatizar a GM.
Apesar de se manter até 2008 como a maior do mundo, ela nunca se recuperou plenamente da invasão japonesa.
A proteção do Estado desde a década de 1980 e a corrida para copiar tudo o que podia do paradigma toyotista não salvou a empresa.
Ultimamente, achava-se que a GM estava cada vez mais robusta.
Apesar do constante avanço da Toyota e da Honda, a GM também crescia e investia nas tecnologias mais modernas.
Suas vendas nos EUA não estavam mal e nos emergentes crescia como nunca. Mas a crise mostrou que ela apenas sobrevivia.
Porém, isso ainda não explica a nacionalização da empresa.
Compreendemos que os países em desenvolvimento consideram a indústria automobilística um passaporte para o Primeiro Mundo.
Mas a principal potência industrial e tecnológica domina indústrias e tecnologias muito mais vanguardistas que o automóvel.
Por que seria necessário ao Estado americano romper uma tradição de séculos e enveredar na produção de bens, quando se sabe que são nacionais a maioria das grandes empresas e de bilionários do planeta?
Não seria mais fácil o governo induzir outras empresas a adquirir a GM?13
13 O maior mercado de capitais do planeta poderia reciclar as dívidas e absorver uma nova GM com uma recuperação judicial seguida com troca de controle e aumento de capital pela bolsa. Isso é uma operação corriqueira que acontece em
Acreditamos que a solução estatal se deveu menos à crise do que a dois desafios que poderiam varrer a indústria automobilística tradicional e boa parte do setor metal-mecânico do território norte-americano.
O primeiro deles é a emergência da indústria metal-mecânica na China e Índia.
A Toyota é um estilingue comparado ao canhão que representa o poder de destruição
dos baixos custos de manufatura chineses e indianos e seu carro de dois mil dólares, o Nano.
O gráfico abaixo mostra o crescente poder competitivo dos chineses no setor.
Exportações Chinesas de automóveis (bilhões de dólares) OMC
1,9 2,1 2,5 3,8 4,9 7,0 12,8 14,4 13,5 18,6 24,0 0 5 10 15 20 25 30
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Crescimento na década entre 1997-2007 = 1162%
Crescimento anual na década entre 1997-2007 = 28,9%
O carro elétrico
Os custos chineses e indianos são uma ameaça pequena perto do carro elétrico.
Ele é imprescindível para a viabilização da economia de baixo carbono.
A economia de baixo carbono se baseia em um tripé: (1) mais eficiência, (2) eletricidade de baixo carbono e (2) mobilidade de baixo carbono.
A produção de eletricidade concentra hoje a maioria das apostas de redução das emissões.
Mas todo lugar.
Com juros tão baixos, isso não seria algo difícil, especialmente com os investidores conscientes de que teriam todo apoio do governo.
De fato, havia muitos pretendentes ao valioso espólio da empresa que estava para ser vendido a preço de liquidação.
A GM tem marcas, tecnologia, prestígio, sistemas de produção, logística, sistemas administrativos, fábricas que valem muito mais do que o valor de mercado vigente no início de 2009.
não podemos apostar só da geração de eletricidade, pois a mobilidade sozinha consome
entre 20 e 30% da energia.
Na mobilidade o carro elétrico é solução perfeita, pois tem zero de emissão direta e aproveita as fontes alternativas de geração elétrica.
Além disso, ela é também a mais efi ciente em termos energéticos, pois o carro elétrico se reabastece na frenagem, na descida e não gasta energia em ponto morto.
O carro elétrico em si é também muito barato, pois não requer sistemas de transmissão, frenagem e refrigeração sofisticados e dispendiosos.
E simplesmente não tem sistema de injeção de combustível, de lubrificação do motor, de escapamento, motor de arranque, catalisador e abafamento de ruído.
Boa parte da cadeia metal-mecânica dedicada ao automóvel fica imediatamente sucateada com o carro elétrico.
O motor elétrico custa uma fração de um motor a combustão e seus acessórios.
Resolvido o problema da bateria, o carro elétrico custará menos do que os carros convencionais, terá custo de abastecimento muito inferior, desempenho superior em torque e emissão zero de barulho e gases poluentes.
O custo da bateria ainda é muito elevado. Para contornar isso, estão sendo lançados os híbridos de segunda geração.
Eles possuem um motor comum a combustão, que é usado para abastecer a bateria.
Sua grande vantagem é que possuem uma bateria menor que a dos carros 100% elétricos.
Mas são carros efetivamente elétricos e se abastecerão principalmente com eletricidade, pois a autonomia de suas baterias é suficiente para se ir e voltar do trabalho.
À noite poderão ser recarregados na tomada.14
Os carros elétricos e híbridos contam ainda com crescentes incentivos governamentais.
No Japão, espera-se que esses incentivos possam chegar a 40 mil reais por automóvel.15
Para complicar o jogo, os chineses estão na vanguarda com o primeiro carro elétrico de baixo custo em operação comercial.
Será feito pela maior empresa de baterias de íon-lítio do mundo, a BYD – Build Your Dreams.
Provavelmente o governo americano acredita que a GM e a própria nação não terão condições de enfrentar o desafi o de proteger seu mercado interno sem manter seu Campeão sob “proteção especial”.
O que está em jogo é a sobrevivência da indústria metal-mecânica nos EUA, a contenção das novas superpotências
15 http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?edt=39&id=39952
concorrentes e das importações e principalmente e o controle nacional sobre a tecnologia e sobre o ritmo de conversão para a nova economia de baixo carbono.
Os europeus e japoneses farão o mesmo, apesar de suas empresas estarem aparentemente mais fortes que a GM.16
Preservarão seus Campeões, suas cadeias metal-mecânicas e de Indústrias Centrais, suas exportações, seu mercados internos e o controle tecnológico nacional sobre a matriz energética, as novas formas de operação do grande instrumento de mobilidade individual e desejo de consumo de suas classes assalariadas, o automóvel.
Esse processo vai se acelerar após a reunião de Copenhague em dezembro deste ano de 2009 onde será selado o acordo sobre as metas de emissão de carbono.
Outro fator que deve acelerar o processo é a redução do custo e do peso das baterias.
Há uma enorme corrida tecnológica para aumentar a efi ciência e reduzir os custos das baterias e de outras formas de armazenamento de energia nos carros como capacitores e ar comprimido.
Essa é a visão estratégica de longo prazo que está em disputa.
Potências emergentes e potências tradicionais estão movendo suas peças sob comando dos
Estado Nacionais para estarem na vanguarda e não perderem prosperidade na transição para o novo mundo de baixo carbono.
As apostas do Brasil
Estamos preparados para esse novo mundo?
Quais nossos riscos e oportunidades?
A prosperidade de uma nação depende do crescimento contínuo de suas exportações.
O governo brasileiro está consciente em relação a isso.
Nos últimos anos, apostou junto com o setor empresarial em cinco estratégias para aumentar nossas exportações: (1) Petróleo e derivados do Pré-Sal, (2) Etanol, (3) Alimentos, (4) Minério, (5) Cadeia metal-mecânica com enfoque na automobilística do diesel e dos carros populares.
Dessas apostas, apenas a última é focada em um setor de alto valor agregado, com conteúdo tecnológico e que emprega muito e com bons salários.
O resto são commodities.
E mesmo essa aposta parece ser mais circunstancial do que efetivamente construída.
O Brasil tem ainda uma boa competitividade na metal-mecânica, em especial na cadeia automobilística, como se pode ver no gráfico abaixo.
16 http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,nissan-e-gm-brigam-pelo-mais-economico,420054,0.htm
Exportações e importações brasileiras de automóveis e peças de 1980 a 2007 (bilhões de dólares) dados OMC
1,4 2,0 2,0 3,0 3,1 3,3 3,0 3,3 4,9 5,2 3,9 4,7 4,8 4,9 6,5 8,7 12,0 13,0 13,5 0,4 0,5 0,8 1,1 2,0 3,5 6,0 4,6 6,1 6,4 4,1 4,2 4,1 3,0 2,9 3,6 4,7 6,0 8,6 0 2 4 6 8 10 12 14 16
1980 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
exportação importação
Isso decorre do fato de que os chineses ainda não construíram uma forte plataforma de exportação metal-mecânica, porque na mecânica é mais lento o desenvolvimento de know-how, se comparado com a eletroeletrônica e indústria têxtil, já dominadas por eles.
No gráfico abaixo, fica clara essa maior dificuldade de desenvolvimento de know-how.
Quimica Texteis e confecção
Equipamentos de processamento e dados e telecomunicação Automoveis Maquinaria e outros equipamentos de transportes Outras manufaturas MÉDIA 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0%
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Quimica Texteis e confecção Equipamentos de processamento e dados e telecomunicação Automoveis Maquinaria e outros equipamentos de transportes Outras manufaturas MÉDIA
O gráfico abaixo mostra a importância dos diversos setores nas exportações
chinesas.
Perfil das exportações da China OMC 2007
Máq.mecânico excet.auto; 18% Auto e peças ; 2% Equip.telecomunicações ; 13% Computadores e máquinas escritório; 15% Componentes eletrônicos ; 3% Químicos sem farmaceúticos ; 5% Farmácéuticos ; 1% Aço ; 5% Outras manufaturas ; 24% Confecções ; 10% Têxtil ; 5% Mecânica: 20% das exportações chinesas Química 6% das exportações
chinesas Eletrônica para empresas pelo menos 31% das exportações chinesas Indústrias Centrais: pelo menos 57% das exportações chinesas
Na mecânica, apesar dos baixos investimentos, o Brasil ainda tem alguma competitividade porque o maquinário evolui de forma relativamente lenta, a automatização é limitada, ainda há dependência de habilidades manuais e a confiabilidade demora a ser conquistada.
Além disso, o Brasil – pelo tamanho do território, população, produção agrícola e pela deficiência no transporte sobre trilhos – tem uma das maiores escala produtivas do planeta nas soluções para diesel, como caminhões, ônibus e máquinas agrícolas.
Temos também o FINAME-BNDES, que funciona como uma proteção relativa para a indústria metal-mecânica nacional.
Em decorrência do incentivo aos carros populares, nossa escala produtiva também é competitiva nos automóveis de passeio.
Além disso, o país é um grande produtor e exportador de aço, ferro-gusa, ferro-ligas e metais não-ferrosos.
Apesar desses fatores circunstanciais que mantém a cadeia metal-mecânica relativamente protegida, a grande aposta dos últimos anos foi mesmo as commodities, como podemos ver no gráfico abaixo sobre a balança comercial brasileira por setores.
Superávit na balança comercial dos setores industriais (bilhões US$)
metal-mecânico químico eletro-eletrônico Insumos básicos indústria tradicional e indústria total agroindústria
-30 -20 -10 0 10 20 30 40
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 ano
É uma estratégia muito limitada para uma nação que em breve terá 200 milhões
de pessoas.
Mas parecia fazer sentido em meio à euforia dos preços das commodities que caracterizou os últimos 4 anos.
Recuperação?
Nos últimos meses, a economia mundial deu mostras de estar se recuperando da crise.
Entretanto, o crescimento se mostra muito pequeno e frágil.
As commodities se recuperam, mas tudo indica que não manterão os preços dos
últimos 2 anos.
Mesmo se a economia mundial se recuperar no próximo ano, nossas apostas
ainda podem ter problemas a longo prazo.
O primeiro risco é uma segunda onda da crise.
O consumidor americano sofreu um pesado choque e, nem se quisesse, poderia gastar como antes, pois o patrimônio e a renda estão muito comprometidos com a dívida.
A Europa terá muita dificuldade em sair da estagnação porque o governo central de Bruxelas não tem uma política fiscal autônoma.
Isso significa que a Europa dependerá do crescimento das exportações para voltar a crescer.
Mas as suas exportações terão muita dificuldade em continuar crescendo, pois estão muito
concentradas nos setores em que a China está apostando para manter o crescimento de suas exportações, em particular a metal-mecânica.
De forma bem simplificada, as exportações européias são muito dependentes
da maquinaria e automobilística alemã.
O gráfico abaixo mostra a participação de cada setor nas exportações européias.
Exportações européias de manufaturas (ano 2007)
Mecânica 39% Químicos 19% Equip de escritorio, de telecom e cientificos 11% Outras Manufatures 16% Intermediários* 15%
As exportações italianas e espanholas de produtos de consumo já sofreram
muito com o avanço chinês.
Os chineses também já estão substituindo muito da importação de maquinário e já exportam em grandes volumes, como podemos ver no gráfico baixo.
Exportações Chinesas de Máquinário mecânico
(com exceção de automóveis, equipamentos de telecomunicação e escritório) UD$ Bilhões
38 41 49 66 90 116 155 207 0 50 100 150 200 250
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Crescimento em 7 anos: 451% Crescimento anual nesta década: 28%
Independentemente de uma possível recuperação mundial, as exportações européias devem crescer pouco em decorrência do avanço chinês.
Os europeus são imbatíveis apenas em produtos de luxo e em certos nichos tecnológicos.
Mas na grande maioria dos produtos, os chineses serão mais competitivos.
O Japão está em uma situação semelhante à Europa, suas exportações de eletroeletrônicos já foram abatidas há tempos pela China e Leste Asiático.
E em breve suas exportações de maquinaria e automóveis também sofrerão.
O gráfico abaixo mostra a participação das exportações japonesas por setor.
Exportações japonesas de manufaturas por setor (ano 2007)
Mecânica; 49% Equip de escritorio e de telecom; 17% Químicos; 9% Outras Manufatures; 11% Intermediários* ; 9%
Se a Europa e o Japão continuarem a apostar nas exportações para manterem seu crescimento, ficarão dependentes das iniciativas governamentais dos EUA e China.
Ademais, mesmo em uma situação de recuperação das nações líderes, terão o crescimento de suas exportações limitadas pelo avanço da indústria chinesa, especialmente na metal-mecânica.
Além disso, temos que ressaltar que a China tem coeficientes de importação de manufatura decrescentes.
Aparentemente a economia mundial está se estabilizando, mas o grande risco é a médio prazo.
Se a economia mundial não voltar a crescer rápido ou não houver uma grande revolução tecnológica, a crise voltará em uma segunda onda.
Isso acontecerá por um motivo muito simples.
O PIB dos países é constituído de consumo, investimentos, gastos do governo e superávit comercial.
Se a economia não cresce, o investimento empresarial é pequeno, pois não é necessário dir capacidade produtiva.
Nessa situação, é fundamental que o governo aumente seus gastos para suprir a falta de investimento.
Sem aumento dos gastos públicos a economia se manterá estagnada.
Desemprego e estagnação fazem com que os governos optem por necessidade ou pressão
social pela adoção de políticas protecionistas.
Se isso acontecer, haverá uma segunda onda de crise, porque poucos países podem substituir rapidamente suas importações e o protecionismo implicará em aumento de preços e redução global da produção.
Em termos globais, o protecionismo pode ajudar pouco a recuperação, porque o que um país ganha em superávit comercial é o que o outro perde.
As únicas formas do mundo voltar a crescer são aumentando ainda mais o défi cit público ou uma revolução tecnológica radical depreciar imediatamente boa parte da capacidade produtiva no planeta.
Como essa revolução tecnológica não pode acontecer no curto prazo, a alternativa é mesmo o déficit público.
Apesar da tentação protecionista, o mais provável é que os países desenvolvidos não adotem políticas protecionistas que possam causar reação de outros países.
Provavelmente a resposta protecionista européia, americana e japonesa
não será tão direta e estará associada aos acordos de metas de emissão de carbono
e suporte a novas tecnologias, como o carro elétrico.
Os primeiros movimentos nessa direção ocorrerão na reunião de Copenhague em dezembro.
No curto prazo, os maiores riscos são uma reversão nas políticas fiscais e monetárias expansionistas.
Há muita pressão nesse sentido, que pode aumentar no momento em que se considerar que a crise acabou.
Esse risco também é alto na China, onde está havendo bolhas nos mercados acionário e imobiliário.
Essas bolhas estourarão um dia.
Se o governo chinês não reagir a esse estouro com uma expansão fiscal adicional, a economia chinesa não apenas irá parar de crescer, como cairá.
No médio prazo, o risco está na reação protecionista à futura expansão das exportações chinesas em maquinário e automóveis.
Hoje os chineses importam tanto quanto exportam em maquinário e automóveis.
Mas eles estão rapidamente avançando nesses setores.
Em breve inundarão o mundo com esses produtos, em especial com seus automóveis.
E os indianos tentarão acompanhá-los.
O gráfico abaixo mostra os setores de maior potencial de expansão do market-share
chinês.
A APOSTA CHINESA: Indústrias Centrais
Setores de maior potencial de expansão das exportações chinesas suposição:market-share chinês não aumentaria nos setores cuja participação no market share é acima da média e chegaria na média onde é abaixo dela
Máq.mecânico excet.auto; 20% Auto e peças ; 37%Componentes eletrônicos ; 5%
Químicos sem farmaceúticos ; 25% Farmácéuticos ; 12% Aço ; 2% Mecânica:57% do potencial de crescimento relativo das exportações chinesas Química: 37% do potencial de crescimento relativo das exportações chinesas Componentes eletrônicos: 5% do potencial de crescimento relativo das exportações chinesas Indútrias Centrais 98% do potencial de crescimento relativo das exportações chinesas Mecânica + Química 93% do potencial
O mundo se organizou desde pelo menos a segunda revolução industrial da seguinte forma: Centro exportando nas Indústrias Centrais e Periferia exportando nos outros setores.
Se a China dominar as exportações mundiais das Indústrias Centrais, passará inevitavelmente ao Centro.
Mas como sua população corresponde a quase um quinto da população mundial, afundaria os preços e salários médios das Indústrias Centrais. Isso causaria uma alteração da estrutura Centro- Periferia com signifi cativa perda de poder dos atuais países centrais.
A reação européia, americana e japonesa será um protecionismo de seus mercados internos de automóveis e máquinas, pois esses setores são a base da sua indústria metalmecânica e sustentáculo de suas exportações.
Perdê-los significaria empobrecimento.
Já aceitaram perder a indústria têxtil, calçados, brinquedos, móveis, eletrônica de consumo, e até parte dos serviços de software.
Sem a metalmecânica não poderão manter a prosperidade.
Entretanto, protecionismo radical levaria a reações em cadeia, recuo na cooperação internacional, desvalorizações cambiais, falências de empresas exportadoras e nova quebra das bolsas de valores.
De uma forma ou de outra, a menos que haja uma grande mudança econômica e política, as chances de recuperação sustentável da economia mundial parecem ser pequenas.
Portanto, em quaisquer dos cenários, é muito provável que a demanda externa e o preço das commodities ainda voltem a cair significativamente.
Nesse caso, as apostas brasileiras em commodities e mesmo na metal-mecânica tradicional ficarão comprometidas.
Mas será que não há chances de recuperação sustentável da economia mundial?
A nova guerra mundial
A grande depressão dos anos 30 só foi superada pela Segunda Guerra Mundial que, ao destruir grande volume de capital, restabelecer as bases de cooperação econômica no ocidente e criar um enorme conjunto de novas tecnologias preparou o terreno para uma reconstrução que viabilizou o crescimento contínuo por 25 anos.
Felizmente o mundo hoje não tem mais a mesma propensão à guerra.
A solução da crise então passa por um aumento constante dos gastos e déficit público ou por uma revolução tecnológica radical que destrua boa parte da capacidade produtiva mundial e abra espaço para um grande volume de investimentos privados.
Sem guerra não será nada fácil.
O grande empresariado resiste ao crescimento adicional dos gastos públicos e a revoluções tecnológicas radicais que depreciem muito rapidamente seu capital.
Uma guerra tem o poder de quebrar as resistências à mudança do grande empresariado. No horizonte, a única guerra mundial visível é aquela que buscará salvar o planeta do colapso ambiental.
Essa guerra mobilizará os governos em grandes volumes de gastos, destruirá imensas quantidades de equipamentos e infra-estrutura focada no antigo modelo de produção baseado nos combustíveis fósseis e implicará em uma revolução tecnológica que irá muito além da produção e uso de energia.
O carro elétrico pode cumprir esse papel.
Primeiro porque exigirá a completa reformulação das cadeias metal-mecânicas, eletro-eletrônicas e químicas para ser produzido em grande escala.
Além disso, será necessária uma mudança radical nas cidades, que precisarão se adaptar a esses carros e sua diferente dinâmica.
Mas a maior parte dos investimentos deve ir para a produção e distribuição
de energia elétrica, pois para mover a frota atual de 1 bilhão de carros com eletricidade
seriam necessários uma capacidade de geração de 5 mil terawas-horas, o que requer um aumento de 30% na produção de eletricidade.
Só esse aumento é capaz de tirar a economia mundial da recessão por mais de uma década.
Mas o investimento necessário será ainda maior porque a demanda por carros vai crescer
muito e o mundo ainda precisa trocar as velhas usinas a carvão por novas fontes de energia.
O carro elétrico é efetivamente a solução a médio e longo prazo contra a crise ambiental e econômica.
Outra vantagem é que os novos carros e tecnologias não serão produzidos só na China, permitindo que o mercado dos países centrais sejam protegidos de uma invasão, pois a inovação e a tecnologia ainda serão por muitos anos os principais fatores competitivos dessas novas indústrias e não o custo da mão-de-obra barata, como está começando a depender a velha indústria automobilística.
O carro elétrico e a Revolução Chinesa
A ausência de compromisso chinês com a indústria do petróleo e a velha indústria automobilística deve acelerar o processo de substituição tecnológica.
Esses setores sempre resistiram nos EUA e Europa à expansão do carro elétrico, como pode ser constatado no fi lme “Quem matou o carro elétrico?”.
Na China, as empresas de petróleo e automóveis são na grande maioria estatais e seguem o governo, que vê o carro elétrico de uma forma muito especial.
Para eles, essa é a única chance de difundir o automóvel pela população sem causar um sério desastre ambiental nas já poluídas cidades chinesas e em todo planeta.
Além disso, a oferta mundial de petróleo não tem como suprir a demanda com a popularização do automóvel na China.
O automóvel é imprescindível para a continuidade do crescimento chinês.
Nos EUA há 75 veículos para cada 100 habitantes.
Na China há pouco mais de 4 veículos por 100 habitantes. Isso significa que os chineses estão mais de 60 anos atrasados em relação aos países desenvolvidos em relação à civilização do automóvel.
E esse é um dos motivos pelo qual ainda é o único país do mundo em que a indústria tem um peso no PIB maior do que os serviços, respectivamente 49% e 40%.
Normalmente, em qualquer país, os serviços correspondem ao triplo ou pelo menos ao dobro da participação da indústria no PIB.
O espaço para crescimento dos serviços mostra o potencial latente de continuidade do alto de crescimento na China.
Potencial que só pode ser aproveitado com uma mudança no padrão de vida e aumento do consumo de serviços.
As exportações industriais puxaram o crescimento chinês nas últimas décadas.
Mas com a crise, elas mostraram claramente que bateram no teto.
Este ano, elas caíram mais de 20%.
A saída agora deve ser o mercado interno e os serviços.
A questão é como fazer com que os chineses aumentem o consumo de serviços.
Uma das soluções é aumentando a renda das pessoas através dos gastos públicos.
A outra – complementar a essa – é mudando os hábitos de consumo.
E o automóvel é chave para essa mudança.
O crescimento da indústria automobilística é uma das poucas coisas que podem fazer com que a China continue crescendo próximo a 10% ao ano.
A indústria de serviços é altamente dependente do fácil e rápido deslocamento individual,
porque os serviços são normalmente dependentes do contato humano direto ou dependem do deslocamento humano para se realizarem.
As empresas de serviços podem ampliar significativamente sua área de mercado, se seus consumidores ou empregados puderem contar com o automóvel.
Podem assim aumentar sua escala, reduzir custos, assim como, sofisticar e inovar na oferta.
O que seria dos shopping centers e dos centros de lazer em geral sem o automóvel?
Além disso, o automóvel em si é um grande demandante de infra-estrutura pública viária e de serviços, como manutenção, seguro, limpeza, organização do sistema de transporte etc.
Toda a mudança do paradigma urbano do século XX, que teve o automóvel como carro-chefe ainda está para ser construída na China, onde 58% da população ainda é rural.
A popularização do automóvel é absolutamente necessária para a continuidade do crescimento chinês.
Mas a popularização do automóvel a gasolina é algo impensável lá por razões ambientais e de oferta de petróleo.
Por isso é inevitável que invistam pesadamente no carro elétrico.
Por isso o governo chinês está investindo para ficar na vanguarda do carro elétrico.
A montadora chinesa BYD quer vender inacreditáveis 700 mil carros elétricos em 2010 e 8 milhões em 202517.
O governo chinês quer transformar o país em uma potência na produção de carros elétricos para o consumidor comum.
Para isso, investe no financiamento em pesquisa de novas tecnologias e dá subsídios de até US$ 8.800 para os consumidores trocarem seus carros com motor a combustão pelos veículos elétricos.
17 A BYD começou vendendo carros híbridos (com motor elétrico e um auxiliar a gasolina), como o F3DM, que tem autonomia de 100 km com uma carga elétrica e pode atingir a velocidade máxima de 160 km/h.
Mas já desenvolveu carros 100% elétricos para competir com os similares ainda em desenvolvimento da General Motors, Renault, Nissan e Toyota.
Dois carros totalmente elétricos, o E3 e o E6, serão lançados ainda este ano na China.
A BYD espera exportá-los para a Europa e Estados Unidos em 2011.
A resposta do Ocidente
Dada a velocidade da expansão chinesa nos carros elétricos, pode- se esperar que a indústria automobilística vigente estará decadente em menos de 15 anos.
Muitos sucumbirão em razão da depreciação de seus ativos.
Os governos, mais uma vez, salvarão suas marcas e Campeões Nacionais, para salvar o seu próprio futuro.
Enquanto se adaptam ao carro elétrico e aos asiáticos, muitos Campões serão estatais, para-estatais ou simplesmente viverão à custa do Estado.
Os governos americano, francês, japonês e inglês já anunciaram pesados subsídios à pesquisa.
A indústria automobilista vive uma grande corrida em busca do Santo Graal elétrico.
A Mitsubishi lançou comercialmente nos mês de julho de 2009 o i-MiEV com a promessa de um subsídio do governo de 50% do valor do veículo.18
A Nissan – que pretende liderar as vendas mundiais desse produto – vai lançar um carro elétrico em 2010 chamado EV-11.19 A Toyota lançará comercialmente seu
produto em 2012.
Há quem preveja que 86% das vendas de automóveis em 2030 será de carros elétrico.20
A GM em breve lançará seu carro híbrido de segunda geração com carregamento elétrico por tomada, o Volt.
Mas o desempenho do carro elétrico é tão superior, que boa parte dos lançamentos no ocidente será inicialmente carros elétricos esportivos.
A primeira foi a Tesla Motors da Califórnia.
É necessário quase um ano de espera para receber o produto.
A Mercedes comprou recentemente 20% da empresa e já anunciou o lançamento de seu próprio carro elétrico.
A Audi apresentará seu carro elétrico este ano.21
A corrida tecnológica pelo carro elétrico, o aumento da demanda por usinas elétricas e as formas alternativas de produção de eletricidade são a grande esperança para elevar o investimento e o consumo privado no mundo.
São também uma grande esperança de crescimento sustentável a médio prazo para o Planeta.
20 http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/07/13/carros-eletricos-podem-dominar-ruas-dos-eua-em-2030- 756790731.asp
21 http://gazetaweb.globo.com/v2/supermaquinas/texto_completo.php?c=7184
Brasil em uma rua sem saída?
Há uma grande probabilidade de uma segunda onda de crise a curto prazo e de estagnação por muitos anos.
Em contraposição, a popularização do carro elétrico e novas fontes de energia elétrica são as possibilidades mais críveis de crescimento vigoroso e sustentável.
Mas qualquer dos dois cenários pode ser terrível para o Brasil dadas nossas atuais apostas de desenvolvimento econômico.
Em ambas situações, permanência da crise ou carro elétrico, prevê-se redução dos preços e demanda da maioria das nossas commodities.
O carro elétrico também será um choque contra nossas atuais apostas.
O carro elétrico não usa gasolina, diesel ou etanol.
Portanto, a popularização dele acabará com o imenso prêmio que esses combustíveis líquidos tem sobre o carvão mineral, o óleo combustível e o gás natural.
A popularização do carro elétrico deve reduzir o preço dos combustíveis líquidos frente aos sólidos, viscosos e gasosos.
A outra prejudicada será nossa cadeia metal-mecânica, muito concentrada na cadeia automobilística tradicional.
O carro elétrico tem menos peças mecânicas e utiliza menos aço, aços especiais, ferro-ligas, ferro-gusa, serviços de fundição, forja e usinagem. Em todos esses setores o Brasil é altamente competitivo e exportador.
Nossas exportações de alimentos de maior valor agregado, como carnes, e de produtos manufaturados também podem ser prejudicadas, porque são fortemente direcionadas para os países exportadores de petróleo.
Somos o maior exportador mundial de carnes e mais de 70% dessas exportações vão para exportadores de petróleo.
Há quem ache que o carro elétrico demorará muitos anos para se popularizar.
Mas os modelos híbridos já estão entre os mais vendidos no Japão, EUA, Coréia e China.
O carro híbrido de primeira geração consome metade da gasolina dos veículos tradicionais e por si só já pode causar um forte impacto no consumo de combustíveis líquidos a médio prazo.
O carro híbrido de segunda geração já é um carro elétrico e utilizará muito pouca gasolina.
Utilizará basicamente nas estradas a longas distâncias e não na transumância diária.
Propostas para o Brasil: um campeão para as células a combustível a etanol
O Brasil não pode parar esses processos, que, como vimos, serão prejudiciais às nossas atuais apostas em exportação de petróleo, etanol, metalmecânica tradicional e até de carnes.
Mas podemos nos preparar para não sermos atropelados.
Para isso, o país deve no mínimo implantar fábricas de carros híbridos e elétricos.
Porém, pode fazer mais.
O Brasil tem um enorme potencial hidroelétrico a ser explorado, grandes volumes de gás natural, sol abundante e outras formas de produção de eletricidade com baixa emissão de carbono a serem aproveitadas.
Não precisamos ficar dependentes apenas da incerta manutenção do atual prêmio obtido pelos combustíveis líquidos.
Essa é uma chance em 100 anos.
Uma nova indústria automobilística e energética estão para serem construídas.
A revolução do carro elétrico vai desestruturar todo o mercado automobilístico.
Muitas das empresas vencedoras serão novatas como a BYD e a Tesla, pois não precisarão se preocupar com grandes volumes de capital que ficarão obsoletos.
O Brasil pode pela primeira vez na história ter um Campeão em tecnologia de vanguarda.
Poderíamos ter comprado a flial da GM no momento em que a empresa estava buscando vender os pedaços, hoje a GM Brasil já é comandada da China.
Os chineses aproveitaram para comprar algumas marcas e só não compraram a GM européia porque foram barrados.
Temos capacidade empresarial, tecnológica e capital para construirmos um Campeão nos veículos elétricos e híbridos.
Basta que o governo acorde para essas grandes mudanças.
Esse campeão terá uma função muito importante que vai além de inserir o país na nova economia.
Esse campeão poderá salvar a aposta brasileira no etanol.
O grande erro no Brasil nas últimas décadas foi considerar que, no Mundo, as inovações importantes podem ser bancadas por pequenas empresas ou universidades.
Elas precisam de uma grande empresa por trás para garantir acesso aos mercados.
Caso contrário, será simplesmente copiada ou desconsiderada pelas grandes corporações e pelo mercado.
A mudança completa para a motorização elétrica é inevitável.
Uma das possíveis formas de abastecimento dela é a célula combustível.
E ela pode ser abastecida com hidrogênio, metanol e etanol.
O Brasil é um único grande país do mundo interessado em que a célula combustível seja abastecida por etanol.
Entretanto, a célula a combustível está 10 anos atrás das baterias de íonlítio em termos de viabilidade econômica.
Apenas com muito investimento em tecnologia será possível tornar a célula a combustível competitiva com as baterias e outras formas de armazenamento de energia.
E muito mais investimento em tecnologia será necessário para viabilizar a célula combustível a etanol.
E depois de todo esse investimento será necessário ter grandes empresas interessadas em bancar a introdução do mercado e competir com tecnologias mais consolidadas.
Nenhuma empresa privada fará isso por livre e espontânea vontade.
O etanol não é a fonte de energia mais competitiva.
Cabe aos fornecedores do etanol – Brasil – construírem o mercado para ele no futuro da motorização elétrica.
Não adianta ao Brasil investir nesta tecnologia pelas universidades apenas, porque será vã a esperança de que as empresas internacionais de veículos investirão em uma matriz energética que não interessa às nações onde estão suas matrizes.
Em quase todos os setores, em especial na metal-mecânica, só é possível direcionar uma inovação – como a célula combustível a etanol – quando se tem relativo controle sobre a uso e fabricação dos produtos que irão utilizá-la.
Isso é especialmente válido em uma tecnologia que é ao mesmo tempo radical e dependente de inovações incrementais.
As grandes inovações precisam ser bancadas por uma grande empresa local para que um país possa obter os benefícios dela, como foi o caso do petróleo a águas profundas da Petrobras.
Sem um campeão nacional em carros elétricos, não há nenhuma possibilidade de sobrevivência do programa do etanol dentro de 15 anos.
Só um Campeão poderá garantir mercados e viabilidade para o pesado investimento em células a combustível a etanol, que outros países e empresas não estão interessados.
*GUSTAVO ANTÔNIO GALVÃO DOS SANTOS | gustavoag.santos@gmail.com. Economista do BNDES, Brasil, BRUNO GALVÃO DOS SANTOS | bgdossantos@yahoo.com.br. Economista do BNDES, Brasil, RODRIGO LOUREIRO MEDEIROS | medrodrigo@gmail.com. Professor adjunto de Engenharia da UFES, Brasil, ROBERTO PEREIRA D’ARAÚJO | araujorcm@globo.com Engenheiro eletricista e consultor na área de energia elétrica, Brasil
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Cronologia do processo editorial
Recebimento da comunicação: 31-mar-2009 | Envio ao 1º avaliador: 09-abr-2009 | Envio ao 2º avaliador: 14-abr-2009 | Recebimento da 1ª avaliação: 27-abr-2009 | Recebimento da 2ª avaliação: 14-mai-2009 | Envio para revisão dos autores: 14-mai-2009 | Recebimento da comunicação revisada: 23-out-2009 | Aceite: 30-out-2009.