Em um fórum na internet eu fiz, recentemente, o seguinte experimento:
Entrei em um grupo de política com aproximadamente 130 mil participantes e que possuía como subtemas de discussão \sociedade e \critica social e realizei a seguinte enquete:
Você aceitaria receber agora R$ 5 milhões, porém, em contrapartida, gerar uma inflação extra em 10% para a sociedade arcar?
O voto era secreto (para reduzir possíveis vieses) e a escolha por este grupo foi pela sua relativa representatividade e, não ironicamente, por ser também um grupo interessado em crítica social.
A enquete durou dois dias e, após mais de 680 votos, o resultado foi o seguinte:
88% – Sim
12% – Não
Apesar de a amostra ser relativamente pequena, o resultado da enquete, particularmente falando, não gerou surpresas pelo fato dela se conectar, ainda que em parte, com algumas conclusões da Teoria dos Jogos, vertente da microeconomia e da economia comportamental, e mais especificamente, ao Dilema do Prisioneiro, que sustenta que os agentes escolhem a melhor estratégia individual sem considerar a estratégia do outro e nem o equilíbrio social.
O resultado deste ‘jogo’ (assim como o da enquete) sugere uma certa lição implícita sobre a forma como os agentes agem e percebem o mundo e, mais indiretamente, como funcionam as nossas instituições.
Ainda que os agentes tenham consciência de que o melhor estado social possível (Pareto Eficiente) envolve cooperação e coordenação de esforços, o que rege a tomada de decisão individual, por via de regra, é o maior ganho individual e, na maioria dos casos, o ganho mais imediato possível¹.
É comum, por exemplo, a população se sentir indignada com a corrupção endêmica que assola as instituições, sobretudo a política. Entretanto, costuma haver uma mudança de perspectiva e de conduta por parte destes mesmos agentes em situações práticas semelhantes, como aponta a economia comportamental, Kahneman (2011) e Ariely (2012). Condenamos a desonestidade e a corrupção, no nível mais teórico da coisa, mas a maioria de nós tende a ser corruptível quando as circunstâncias favorecem.
Porém, nem é necessário recorrer aos conceitos mais contundentes de traição social, como corrupção e desonestidade, para expressar o intricado dilema humano entre abrir mão do que é melhor individualmente para o que é melhor ao coletivo.
E a história econômica se revela útil nesta perspectiva. No período colonial brasileiro, a elite latifundiária estabeleceu um gosto em particular por produtos estrangeiros, gosto sobretudo cativado após a viagem destes ao exterior, como apontam os registros de Saint-Hilaire (1936). O estabelecimento e a manutenção deste gosto levou a políticas econômicas de facilitação das importações desses bens em detrimento das políticas em prol da germinação da indústria nacional e de um mercado consumidor mais amplo e acessível. O mesmo pode se dizer das leis de terras, uma política voltada para a proteção do interesse da elite e de seus pares e tendo como contrapartida o constrangimento do crescimento e desenvolvimento nacional.
O mesmo também ocorre na esfera da administração pública quando determinadas classes votam ou usufruem de vantagens e privilégios advindas de leis, como aumento de salários, sem levar em consideração o cada vez mais pressionado orçamento público e que pessoas mais vulneráveis economicamente, que não recebem valorização real, terão que arcar com isso.
Sebastião Garcia, no seu livro Economia Internacional (1985), traça um exemplo, em certa medida pitoresco, mas igualmente didático, sobre como até pequenas decisões podem gerar externalidades negativas para o outro, ainda que este não seja o objetivo. No exemplo, adaptado, ele conta a história de um brasileiro que compra uma viagem para o exterior, mas no balcão de embarque ele desiste da viagem e, logo em seguida, diz para a atendente:
– Minha senhora, o nosso país anda bastante deficitário no balanço de pagamentos. Estamos remetendo muitos recursos para o exterior. Como forma de fazer o meu papel, eu não irei mais embarcar para o estrangeiro e irei ficar por aqui mesmo. E quer saber? Eu vou viajar é para uma pousadinha lá no interior da Bahia. Fazendo isso, eu movimento a economia regional e crio empregos. Assim é mais justo.
E por favor, leitor, não entenda o último exemplo como uma crítica aos gostos particulares. Quem quiser e puder viajar ao exterior que assim o faça, inclusive. Todavia, o interessante de toda esta análise reside justamente na compreensão das diferenças entre a dimensão individual e coletiva e o inevitável ruído gerado pela colisão entre estas duas dimensões. E o ser humano busca o tempo todo se equilibrar dentro disto, mas quase sempre pendendo para o lado mais egoísta.
Notas:
1 – Situação esta que se encaixa no conceito de dominância estratégica (comumente chamada simplesmente de dominância) quando uma estratégia é melhor do que outra para um jogador, não importando como os oponentes daquele jogador possam jogar. Ver Nash (1951).
Referências:
ARIELY, D. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Harper Collins, 2012.
GARCIA, S. Economia internacional: pagamentos internacionais. 2. ed.. São Paulo: Editora Atlas, 1985.
NASH, J. Non-Cooperative Games. The Annals of Mathematics, v. 54, n. 2, p. 286-295, set. 1951.
KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Objetiva, 2011.
SAINT-HILAIRE, Auguste. Segunda Viagem ao interior do Brasil. Espírito Santo. Trad. Carlos Madeira. São Pulo: Companhia Editora Nacional, 1936, Coleção Brasiliana, v. 72.