O governo de Luiz Inácio Lula da Silva nem se recuperou da crise do Pix, encerrada há pouco mais de um mês com um recuo, e agora enfrenta um desgaste, menor na magnitude mas semelhante no método, envolvendo o Plano Safra.
Uma decisão cotidiana, tomada em nível técnico e que em tempos normais seria compreendida pelo aspecto legal, indispôs a gestão com um setor da sociedade que não vai com a cara do petista.
A crise da vez foi desencadeada pela suspensão das linhas de crédito com juros equalizados do Plano Safra 2024/2025.
O Ministério da Fazenda explicou, em nota, que foi uma medida tomada por necessidade legal, por causa da não aprovação do Orçamento de 2025 até o momento. Sem a lei em vigor, a execução orçamentária segue regras mais restritas, o que dificulta também o remanejamento dos recursos. Opositores, porém, venderam a ideia de um ataque contra o agronegócio.
O setor não gosta do petista de saída e precisa de pouco para ser convencido de que Lula cometeu alguma barbaridade. O caso do Pix foi semelhante. Uma instrução normativa da Receita Federal instituiu regras de fiscalização para transferências feitas por meio da ferramenta. Opositores de Lula passaram a dizer que o governo queria taxar as transações do Pix. Pequenos empreendedores, outro setor que tem desconfianças contra Lula, e outros grupos acreditaram imediatamente.
A gestão do petista apanhou sem parar nas redes sociais por semanas até que, no meio de janeiro, aceitou a derrota e revogou a instrução normativa.
As duas passagens – do Pix e do Plano Safra – envolvem operações técnicas, que são feitas há décadas da mesma forma. São operações rotineiras no Ministério da Fazenda, assim como há movimentações semelhantes envolvendo outros temas em outros ministérios. Operações como essas são publicadas todos os dias, aos montes, no Diário Oficial.
É possível saber de antemão quais têm potencial para se tornarem crises de popularidade? Talvez seja. Mas se cada ministro precisar revisar minúcias das operações técnicas todos os dias e submeter uma parte delas à avaliação do Planalto antes de efetuá-las – como alguns sugerem – o governo Lula simplesmente não conseguirá mais governar. Medidas rotineiras ficarão travadas por medo do que os opositores falarão, e outras podem ser revogadas se derem má repercussão.
Os episódios também servem para vocalizar desentendimentos internos do governo. Detratores do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aproveitam as crises para responsabilizá-lo pela queda na popularidade de Lula. Ainda há os que apontem o isolamento da Fazenda na tomada de decisões, mesmo que questões setoriais tenham de ser acompanhadas de perto pelos ministérios das respectivas áreas.
Os sinais são péssimos para o governo Lula. Seus opositores encontraram um método muito efetivo de lhe causar desgaste político. É provável que crises semelhantes se repitam daqui até o fim do mandato do petista. Em poucas palavras, está ficando claro que governar em uma sociedade tão polarizada quanto a brasileira é quase impossível.
Há grandes setores do eleitorado dispostos a aceitar qualquer história que demonize o chefe do Planalto e seus principais auxiliares. Lula está enfrentando um problema novo relacionado à governabilidade.
Em seus dois primeiros mandatos esse tema era quase sempre associado à capacidade de aprovar medidas de impacto no Congresso Nacional.
Agora, até mesmo o dia a dia do Executivo está sob risco. Será necessário muito jogo de cintura do presidente da República para evitar que seu governo caia na imobilidade.
E, mesmo que consiga evitar essa armadilha, ele ainda terá de lidar com os problemas que todos os presidentes tiveram até em tempos mais calmos, como inflação, dívida pública e por aí vai.