Desde o golpe aplicado na sucessão do Presidente Ernesto Geisel (1979), o poder no Brasil saiu das mãos brasileiras para as das finanças internacionais, ameaçando-nos com a dívida por elas construída.
Desde então não soubemos erguer a cabeça, assumir nossa identidade nacional e nos deixamos enredar com falsos dilemas, prioridades que nem constituíam problema para o País e, pior do que tudo, retrocedendo na questão básica da instrução no Brasil.
Neste quase meio século que nos separa do golpe que levou ao poder o General João Baptista de Oliveira Figueiredo já nos defrontamos com um golpe parlamentar, a prisão de um presidente e a inelegibilidade de outro para que nada mudasse, fosse qual fosse o rumo a ser empreendido.
Tem-se observado que a corrupção cada vez mais domina o poder com orçamentos secretos, emendas que não sofrem auditagens, além da pura e simples barganha sempre recheada de recursos monetários fornecidos pelo Tesouro Nacional.
Este Tesouro, por sua vez, tem o objetivo primeiro de garantir o pagamento dos juros, fixados pelos credores, o que deixa sem atendimento as maiores necessidades do País, entre as quais estão a instrução, a saúde, a habitação com saneamento básico e a geração de emprego.
Desse modo, o verdadeiro dirigente do País acaba sendo o Comitê de Política Monetária (COPOM), o órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros. Nenhum eleito pelo voto popular, mas todos indicados pelos agentes financeiros, nacionais e estrangeiros, atuantes no Brasil.
Está criado o clima de revolta que é visível em todo território nacional. Mas não é assim identificado. Atribui-se ao crime organizado, aos traficantes de drogas, às milícias e à corrupção, nas polícias, nas forças armadas e no judiciário, a insegurança que a todos cerca em sua vida, no seu cotidiano de afazeres.
Como verdadeiro suporte da ignorância e difusor de falsas análises estão as comunicações de massa. As mídias hegemônicas reproduzem as mensagens de interesses coloniais, ocultam suas derrotas, distorcem a compreensão dos fatos quando não, simplesmente, mentem despudoradamente.
Os dirigentes que não seguem docilmente as orientações neoliberais financeiras são qualificados “ditadores”; não importa quantas vezes tenham sido eleitos por processos legítimos, como atestam até organismos de países dominados pelas finanças apátridas.
Por outro lado, ditadores golpistas são aclamados “defensores da democracia”.
A palavra “democracia”, como a “liberdade”, sempre nos faz lembrar a heroína Manon Roland, ou Jeanne Marie, ou Manon Philipon, também referida como Madame Roland, guilhotinada em 8 de novembro de 1793, que, a caminho do cadafalso pronunciou a frase imortal: “Oh Liberdade! quantos crimes se cometem em teu nome!”.
O povo brasileiro vive sendo enganado e se enganando. Mas, até quando, a fome, a miséria, a falta de perspectiva de uma vida minimamente saudável segurará a inevitável revolta? E que caminho esta revolta tomará? Da libertação ou da ditadura nazifascista, tão divulgada pelo mundo ocidental?
A trajetória do abismo
Na longa entrevista que Ernesto Geisel concedeu aos pesquisadores Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CPDOC), este grande presidente, defensor da soberania brasileira, nos surpreende com a confissão de ser contra as eleições diretas: “não discordo da importância de se ouvir a população, mas creio que a nossa população está ainda num nível muito baixo, do ponto de vista cultural e do ponto de vista econômico” (Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, organizadores, “Ernesto Geisel”, Editora Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1997).
O caro leitor está certamente questionando: por que um grande presidente não supriu essa deficiência? Porque não é solucionável num mandato, nem em dois ou três. A capacidade política de um povo é um projeto nacional que se mantém ao longo de gerações.
Veja Cuba. A Revolução Cubana tomou o poder em 1º de janeiro de 1959. Não era uma revolução comunista, embora houvesse marxistas dela participando. Foi a hostilidade dos Estados Unidos da América (EUA) na defesa de suas empresas espoliadoras do povo cubano, ameaçando invadir a ilha caribenha, que a obrigou pedir proteção a quem poderia enfrentar, naquele momento, os EUA, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
No entanto Cuba não se transformou numa colônia soviética nas Américas, como tentam nos impor, desde então, as comunicações de massa ocidentais. A prova está nos dois mais importantes projetos, prioritariamente empreendidos, para construir a cidadania de uma nação: a instrução e a saúde.
Hoje Cuba não é a colônia exportadora de açúcar da década de 1950, é um país livre do analfabetismo, produtor de livros e promotor de encontros literários internacionais, e exportador de serviços médicos, de vacinas, de remédios da mais alta tecnologia, até para os EUA, apesar dos bloqueios e sanções com que estes agridem os 11 milhões de habitantes (2023) da ilha.
Estes 66 anos de existência de um país soberano, sem dono, nas Américas já ensejou duas outras revoluções que passam pelas dificuldades dos primeiros anos, Venezuela e Bolívia, sofrendo das mesmas sanções, embargos, medidas coercitivas das potências colonizadoras. Não por acaso, ambos países sul-americanos já não têm analfabetos. Diferentemente dos EUA que têm 18% de analfabetos, segundo suas próprias estatísticas e que se espera aumentar este percentual com o governo plutocrático e autoritário de Donald Trump.
A derrocada brasileira é antiga.
Na realidade, o primeiro grito de Independência não se deu às margens plácidas do Ipiranga, mas com a vitória da Revolução de 1930 e a revogação da Constituição de 1891, por Getúlio Vargas, e a convocação de todo povo para participar do processo constitucional que nos daria a Constituição de 1934.
Getúlio começa a governar como Presidente do Governo Provisório em 3/11/1930. Apenas 13 dias após, pelo Decreto nº 19.402, é criado o Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública. Mais 12 dias e cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Pode imaginar a onda de revolta dos banqueiros estrangeiros, dos proprietários de imensas áreas de terras, nos rentistas da especulação imobiliária e monetária, no país em que a escravidão era legal há 42 anos, próximo ao tempo médio de vida em 1930 (36,5 anos) e inferior após uma década de Governo Vargas, 1940 (45,5 anos).
Esta oposição retoma o poder com o suicídio de Getúlio Vargas, homem de extraordinária coragem e de amor à Pátria a qual se imolou para garantir as conquistas que obtivera nos 18 anos e oito meses de governança do Brasil. E o povo atendeu. Seu partido apoiou o presidente e os vice-presidentes eleitos nos pleitos seguintes. E as marcas de seu governo duraram até 1979.
Pode-se entender o golpe de 1967 como a reconquista do poder governamental brasileiro pelos tenentistas, aqueles que fizeram a Revolução de 1930 e a confirmaram na luta de 1932 contra as forças retrógradas da 1ª República, tendo o apoio dos bancos ingleses.
Estas forças exportadoras de produtos primários aliadas ao sistema financeiro passaram praticamente todo século 20 lutando contra a industrialização e pela reconquista do governo pelo capital financeiro. Conseguiram as primeiras vitórias com a eleição de Jânio Quadros (1960) e com o golpe de 1964. Porém impondo o General Figueiredo como sucessor de Ernesto Geisel, controlando e dirigindo o processo denominado “redemocratização” ou “Nova República”, assumiram, desde 1985 até hoje (2025), a governança brasileira.
A principal meta das finanças apátridas no Brasil tem sido a desestruturação do Estado, substituir toda organização para defesa e progresso do país, pelo imenso polvo, que se infiltra pelos cantos da governança nacional, denominado “mercado”. E com o “mercado” vem a privatização.
Observe o caro leitor que nenhum dirigente, desde 15/03/1985 até hoje, deixou de privatizar, em seu governo, alguma área de ação do poder público ou revogou privatizações indesejáveis para o desenvolvimento do país como as dos setores de energia e financeiro.
Para isso criou-se, com amplo auxílio da instrução e da comunicação de massa, os mitos da eficiência, da competitividade, dos resultados maiores e mais consistentes, que só se vê numa educação alienada dos interesses nacionais, em discussões pouco produtivas, porque oriundas de ideologias estrangeiras e não da múltipla realidade brasileira.
Se esta ação perversa, concentradora de renda, está destruindo um país como os EUA, ao eleger Donald Trump, imagine a devastação que está fazendo no Brasil.
Não será qualquer ideologia subversiva mas a realidade opressora, sem um tênue caminho de sobrevivência, que nos levará à revolução, à radical mudança de sistema de poder e de governança brasileira.
Como será o amanhã
Apenas uma certeza, será sangrento. Como de resto já é hoje onde forças públicas e privadas, com sequelas para os simples e desavisados espectadores, cobrem de sangue o chão das ruas e casas brasileiras.
Apenas a intensidade mostrará que já não é o habitual confronto por parcelas mínimas do poder, mas a possibilidade de transformação do Brasil, a segunda grande Revolução. Como a de 1930, mais uma vez unindo civis e militares, todos que têm, no fundo da alma, o orgulho de ser brasileiro.
Não se trata, como os especuladores e entreguistas diversos procuram nos convencer, de uma luta de direita versus esquerda, de “comunistas” contra “democratas”. É a luta da soberania e da cidadania brasileiras contra o domínio e opressão estrangeira, venha de onde vier.
É, mais uma vez, a luta pela Independência do Brasil que deixamos sair de nossas mãos pelas palavras vazias de “democracia à estadunidense”. Onde, desde a Constituição de 1787 ficou estabelecido ser um país que apenas os ricos e seus empregados poderiam dirigir a Nação.
Cada eleição estadunidense é uma farsa, pois não existe critério único para o voto nem para o resultado. Eles chamam isso de federação, mas podemos chamar, com os mesmos elementos, de empulhação.
Chega de babar ovo, vamos assumir nossa condição de povo miscigenado, nada de identitarismos excludentes, somos um só: brasileiros.
Vejamos o que nos ensina o gênio Darcy Ribeiro, que mostra sua genialidade e honestidade com as revisões permanentes que fazia de suas opções intelectuais. Seu livro “Os Brasileiros I-Teoria do Brasil” teve a primeira edição no Uruguai (Editora Arca, Montevidéu, 1969) e no Brasil pela Editora Paz e Terra (São Paulo, 1972), que citaremos, é bem o exemplo desta correção e da visão prospectiva.
“Pode-se dizer que, até a segunda metade do século 20, os esforços de autoconhecimento da realidade brasileira se reduziram a transplantes alienantes. Vendo sempre nas deficiências da terra e nos defeitos do povo as causas do atraso”. “Não viam, por exemplo, o papel da espoliação colonial e da exploração patronal como fatores causais da perpetuação da miséria e da ignorância popular”.
Podemos acrescentar que eram os golpes, militares, parlamentares ou fraudes eleitorais, que mantinham o Brasil no atraso cognitivo, na incompreensão da origem de suas mazelas.
Há esperança no texto do Darcy Ribeiro, que transcrevemos com plena consciência das profundas diferenças que estes 40 anos neoliberais financeiros promoveram para pior no Brasil.