A decisão de Getúlio Vargas, em 1954, de aumentar o Salário Mínimo (SM) em 100% foi um marco na história econômica e política do Brasil:
- A medida, beneficiou milhões de trabalhadores;
- Mas também gerou forte reação entre setores empresariais e militares, culminando na crise que antecedeu o suicídio de Vargas.
Diante desse precedente histórico, surge a questão: Lula poderia repetir esse feito nos dias de hoje?
Em 1954, o Brasil vivia um período de forte crescimento econômico e industrialização e o Salário Mínimo, mesmo dobrado, representava um custo relativamente baixo para as empresas em comparação à produtividade crescente:
- A economia era mais fechada;
- E havia menor influência de fatores externos, que no presente.
No cenário atual, Lula enfrenta desafios significativamente diferentes:
- A economia brasileira está mais globalizada;
- Sujeita a flutuações cambiais, taxas de juros e pressões inflacionárias que não existiam na mesma magnitude na época de Vargas.
Além disso, há um ambiente fiscal bem mais rígido, com a submissão ao modelo neoliberal na economia e todo um aparato com tentáculos no congresso, na mídia e em instituições formadoras de opinião em geral:
- Dando suporte a propagação e consolidação dessa ideologia voltada para a imposição de cumprimento de regras fiscais, tais como o novo arcabouço fiscal;
- Que impede o pleno desenvolvimento do país, submetendo à dependência do capital estrangeiro e atendendo aos interesses do capital improdutivo, que não gera emprego e, muito menos, prosperidade para o Brasil nem para o povo brasileiro.
Dobrar o salário mínimo hoje teria consequências muito maiores que na época de Getúlio, ofuscando os impactos positivos alcançados com o aumento do poder de compra da população e o incremento no consumo, com o consequente aquecimento da economia beneficiando setores como comércio e serviços e a redução da desigualdade social:
- Economistas e a mídia “fascinados” pelo tal de mercado financeiro, logo entrariam em polvorosa alardeando riscos, não apenas no aumento expressivo do custo da mão de obra e a possibilidade de crescimento da informalidade, com muitas pequenas e médias empresas em dificuldade para arcar com essa elevação;
- Ou, como grande parte das despesas do governo, que está atrelada ao salário mínimo (como aposentadorias e benefícios sociais), poderia pressionar as contas públicas, podendo resultar em aumento da dívida ou necessidade de novos impostos;
- Ou, ainda, o efeito colateral que tudo isso poderia ter sobre a inflação, visto que um aumento abrupto do salário mínimo poderia gerar uma espiral inflacionária – pois as empresas tenderiam a repassar os custos para os preços, reduzindo o ganho real do trabalhador.
Ou seja, dobrar o salário mínimo nos dias atuais é algo muito improvável, mas Lula pode adotar políticas para aumentar o poder de compra dos trabalhadores de forma gradual e sustentável:
- Entre as possibilidades estão reajustes do SM acima da inflação (como tem sido feito), mais incentivos à formalização do trabalho e o fortalecimento de políticas de crédito para pequenos negócios e programas de renda complementar;
- Além disso, medidas como o controle da inflação, a redução da taxa de juros e investimentos em setores estratégicos podem criar um ambiente mais favorável para aumentos reais do SM, sem comprometer a estabilidade econômica.
Enfim, o aumento de 100% do Salário Mínimo promovido por Getúlio Vargas ocorreu em um contexto muito diferente do atual, e, embora Lula tenha o compromisso de fortalecer a renda dos trabalhadores, um reajuste dessa magnitude hoje enfrentaria obstáculos econômicos e fiscais imensuráveis.
O desafio, portanto, é encontrar formas de elevar o poder de compra dos brasileiros sem comprometer a sustentabilidade da economia. Entre as principais medidas possíveis estão:
1. Projeto de Desenvolvimento Nacional estruturado para o exercício da soberania
A principal medida a ser estabelecida nesse sentido é a elaboração de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, visando libertar o Brasil das amarras do atual modelo econômico que privilegia o rentismo e a especulação financeira e mudar o paradigma da gestão da coisa pública, resgatando os rumos da economia nacional pela força do trabalho, em benefício do desenvolvimento do Brasil.
O Brasil não pode permanecer como mero exportador de commodities nem como paraíso para rentistas e banqueiros – só a valorização do trabalho e a reconstrução do Estado podem devolver ao país a sua grandeza.
2. Reajuste real do salário mínimo acima da inflação
O governo já retomou a política de valorização do salário mínimo, garantindo aumentos acima da inflação e seguir essa estratégia ajuda, de forma gradual, a melhorar o poder de compra dos trabalhadores sem gerar impactos bruscos na economia.
3. Redução da inflação
Manter a inflação sob controle é essencial para que os reajustes salariais sejam efetivos e isso envolve políticas monetárias adequadas, controle dos preços administrados e investimentos em setores como de combustíveis e energia, além do incentivo (através de várias estratégias) à concorrência para evitar abusos de mercado.
4. Redução da taxa de juros
O alto patamar dos juros no Brasil encarece o crédito e reduz o consumo e medidas para baixar a Selic e facilitar o acesso ao crédito podem impulsionar o consumo e o investimento produtivo, estimulando o crescimento econômico.
5. Estímulo à formalização do emprego
A informalidade reduz a renda média dos trabalhadores e dificulta a ampliação do poder de compra. Programas de incentivo à formalização, desoneração da folha de pagamento para pequenas empresas e ampliação da cobertura da previdência podem melhorar esse cenário.
6. Política de incentivos setoriais
Investir em setores estratégicos, como infraestrutura, indústria e tecnologia, gera empregos de qualidade e melhores salários e o governo pode direcionar investimentos e criar políticas para estimular a produtividade, garantindo um crescimento econômico sustentável.
7. Ampliação do crédito para famílias e pequenas empresas
Programas como o Desenrola Brasil, que facilita a renegociação de dívidas, ajudaram a aliviar o endividamento das famílias, liberando renda para o consumo. Portanto, crédito acessível para pessoas, micro e pequenas empresas permite o incremento de negócios, novas contratações e a possibilidade de oferta de melhores salários.
8. Fortalecimento da proteção social
Programas sociais bem estruturados, como o Bolsa Família e o vale-alimentação para trabalhadores de baixa renda, complementam a renda e garantem um mínimo de consumo essencial, reduzindo desigualdades.
9. Reforma tributária progressiva
A reforma tributária já em andamento pode contribuir para a redistribuição de renda. Mas precisa haver, realmente, maior tributação sobre os mais ricos e desoneração da classe média e dos trabalhadores, para que sobre mais dinheiro no bolso da população e o fortalecimento do consumo interno.
10.Auditoria da Dívida Pública
O sistema da dívida pública (ver aqui e aqui) é um ardiloso mecanismo criado pelo imperialismo para subtrair o patrimônio público, financeiro e estatal do Brasil, saqueando enormes quantias de recursos públicos para o setor financeiro e a auditoria é a ferramenta capaz de comprovar essa distorcida e absurda situação – permitindo ao país resgatar a soberania para decidir onde, como e quando investir, principalmente pensando no futuro e qualidade de vida do seu povo, seu maior patrimônio.
Em síntese, embora dobrar o salário mínimo, como fez Getúlio Vargas, não seja viável no atual cenário, há diversas maneiras de elevar o poder de compra dos brasileiros de forma sustentável.
Combinar reajustes salariais com controle da inflação, redução de juros, incentivo à formalização do trabalho e políticas de proteção social pode garantir um crescimento econômico inclusivo, beneficiando tanto os trabalhadores quanto o país como um todo:
- Mas é a mudança de paradigma no modelo da gestão da economia – resgatando a soberania do Brasil sobre os próprios recursos – que vai viabilizar um futuro permanente e sustentável de crescimento ao país;
- Sendo imprescindível, para isso, a auditoria da dívida e a elaboração de um projeto de desenvolvimento nacional que privilegie a capacidade produtiva e a geração de emprego.
Apenas sob a mão forte do Estado será possível reverter a situação de décadas de desmantelamento dos setores estratégicos nacionais e a desvalorização do poder de compra do trabalhador, e, assim, garantir as condições para a construção e consolidação de um país soberano, cuja economia seja edificada sobre bases livres do embuste dos dogmas da austeridade e se conecte às demandas da população.