As elites econômicas e políticas brasileiras estão destruindo por ganância qualquer respeito do conjunto da sociedade a valores éticos e morais.
Na maioria das periferias das capitais, elas se tornaram sócias do crime organizado e de traficantes, mediante a troca por votos de proteção a quadrilhas inteiras de bandidos, num processo recorrente e generalizado de degradação que transformou a política num balcão de negócios e de negociatas.
Não se trata de casos isolados.
É uma tragédia de segurança pública.
Tudo, todas as instâncias da sociedade estão contaminadas.
No Judiciário, temos visto casos frequentes de juízes e desembargadores acusados e afastados de seus cargos por venda de sentenças.
Isso passou a ser visto com naturalidade.
No Legislativo, a querela das emendas, que em 2.024 monopolizou por longo tempo a atenção de deputados e senadores, expôs a absoluta prioridade dada pelos parlamentares ao interesse econômico pessoal, em detrimento do interesse público.
Houve um tempo em que, convencido de que, sem o exercício da política, nenhuma sociedade se organiza, defendi a política como uma missão nobre e respeitável.
Hoje seria impossível repetir isso.
Os políticos têm se revelado, publicamente e sem nenhum pudor, como simples negocistas avaros.
Determinados a defender seus privilégios, não diferem em nada das “famílias” mafiosas italianas, exceto pelo tamanho, embora idênticas a elas inclusive quando acham necessário mandar matar adversários – como ocorreu no caso de Marielle Franco.
A sociedade apodrece de cima para baixo.
O povo se deixa guiar pelos exemplos das classes dominantes e das elites econômicas.
Isso se exacerba em épocas de crise social, quando as condições de vida das classes baixas se deterioram.
Acompanhando pelos meios de comunicação o mar de corrupção que prevalece em todos os níveis de governo, dos municipais aos estaduais e federais, o povo passa a dedicar-se mais ao roubo do que ao trabalho.
Note-se o que acontece com a juventude na era da internet.
Muitos jovens conseguem dominar com relativa facilidade os recursos tecnológicos oferecidos por ela para múltiplos objetivos, especialmente profissionais.
Porém, em lugar de trabalhar, preferem roubar, como ilustram prisões em série de quadrilhas formadas por gente jovem realizadas em várias partes do País pela Polícia Federal.
Isso é uma adaptação ao ambiente de degradação moral em que estamos vivendo, não uma necessidade biológica ou social.
Se subirmos um degrau na escala política, veremos que a degradação brasileira é também um efeito do conluio entre os tecnocratas que comandam a política econômica e os beneficiários dela no setor privado.
Afinal, qual é a lógica de aumentar a taxa de juros (Selic) para supostamente combater a inflação?
Isso é um fetiche que só interessa aos ricos e muito ricos, na mesma dimensão em que defender o “equilíbrio do orçamento primário”, ou “reduzir o déficit fiscal”, como faz Lula, supostamente estabiliza os preços.
Que enganação! Então o aumento do preço do ovo e da energia elétrica, em fevereiro, dois fatores que contribuíram fortemente para o aumento do custo de vida e da inflação do mês, foram provocados porque a Selic não subiu suficientemente ou porque não houve equilíbrio orçamentário?
Seria, então, o caso de estabelecer um acordo com as galinhas para botarem sempre ovos suficientes para garantir o equilíbrio orçamentário de forma a estabilizar os preços?!
A inflação, como se sabe desde os primórdios da Economia Política, ou é efeito de aumento da demanda em relação à oferta, ou efeito da redução da oferta em relação à demanda.
Quando aumenta a Selic, o Banco Central desestimula a oferta (produção) em relação à demanda, e com isso concorre para aumentar a inflação, em vez de baixá-la.
Portanto, o principal beneficiário da alta da Selic com uma inflação mais baixa não é o povo. São os rentistas, viciados na especulação financeira.
O privilégio de ganhar dinheiro sem trabalhar cria uma cultura de vagabundagem no País, que atrai dezenas de milhares de pessoas.
Com isso, o setor produtivo da economia é deixado às moscas.
Os empresários já não precisam de pôr suas máquinas para funcionar e seus funcionários para trabalhar pois é muito mais rentável migrar para o setor financeiro especulativo, onde, sob patrocínio dos tecnocratas do Banco Central, passam a viver da Selic, que se tornou uma máquina de produção de renda virtual substitutiva de renda real.
Para quem está fora do esquema da economia selicada, mas vê que é fácil ganhar dinheiro sob proteção do Estado no mercado financeiro, a saída é tentar buscar algum meio para saltar para dentro dele com expedientes que dispensem o “capital” de entrada.
Como não há moral, nem ética, nem respeito ao trabalho, o caminho é o roubo e a marginalidade, os quais se tornam, através de contratos fraudulentos com o setor público e a associação com facções criminosas, a via de entrada no “mercado” que está aberta a anjos e bandidos.
Assim, todos, bandidos e mocinhos, se legitimam.
E o dinheiro sai limpo do processo!
Não é surpresa, portanto, que nossas metrópoles estejam sendo dominadas por criminosos com uma capacidade extraordinária de juntar recursos para viver como nababos e corromper aliados.
São financiados pelo Governo através da Selic.
Seja através das milícias, que se apropriam de uma espécie de “segunda via” de cobrança aos cidadãos por serviços públicos capturados por elas ilegalmente, seja através do tráfico, que vende a droga diretamente aos viciados, aparentemente não há limites para a acumulação de riqueza pela bandidagem no mercado financeiro.
Também não é surpresa que o combate ao crime, organizado ou não, esteja sendo negligenciado nos Estados.
Aparentemente, alguns governantes estaduais, que há décadas não constroem um único presídio, estão acumpliciados com as facções criminosas.
Eles resistem bravamente, em nome da autonomia constitucional estadual, ao projeto do ministro Ricardo Lewandowski de integrar numa lei comum todas as polícias, sob coordenação da Polícia Federal, o que lhes tiraria o controle absoluto das Polícias Civis e Militares.
No Rio, a negligência do Governo estadual em relação ao crime chegou ao ponto em que as autoridades judiciárias tiveram de libertar recentemente de casas de detenção (Degase) 200 menores infratores por falta de vagas.
Com isso, duas centenas de potenciais criminosos acabaram voltando para as ruas com alto risco para a população e sob as vistas das autoridades.
Aliás, falando com realismo e franqueza, esses jovens não devem ser tratados de outra forma senão como bandidos potenciais por certamente não terem aprendido nada de positivo durante sua detenção, exceto cometer mais crimes!
O cambalacho brasileiro está em todas as instâncias, infernizando a vida de cidadãos e cidadãs.
O atendimento no INSS e no SUS implica filas imensas, os planos de saúde privados impõem burocracias desnecessárias para realização de simples exames laboratoriais, o sistema bancário está se tornando cada vez mais um espaço privilegiado para jovens familiarizados com internet e proibido para idosos.
Nas ruas cariocas, bicicletas elétricas e motocicletas disputam ferozmente espaço com ônibus e carros, atropelando pedestres; nas paulistas, a taxa de mortalidade de motociclistas esbarrou em níveis alarmantes.
Enquanto isso, sem qualquer escrúpulo ou compromisso com a população, deputados e senadores discutem no Congresso ou barganham junto ao Executivo emendas parlamentares das quais, como todo mundo sabe a boca pequena, acabarão tirando grandes nacos ou rachadinhas em conluio com prefeitos e empreiteiros encarregados das respectivas obras.
É uma falta de vergonha geral, que só não se consuma de forma definitiva quando a Polícia Federal ou o Ministério Público entram no jogo.