Porém nos anos de forte repressão, as tentativas não obtiveram êxito.
Mas foi ao longo do governo do general Ernesto Geisel, na segunda metade dos anos 70, que o movimento tomou forma, cresceu e tornou-se popular.
Comitês e núcleos pró-anistia surgiram no país e no exterior.
O movimento ganhou o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, da CNBB, da imprensa, dos cientistas, e de militares que foram afastados do exercício da função pelos seus pares no governo militar.
O Comitê Brasileiro pela Anistia foi criado em 1978.
A campanha pedia uma anistia ampla, geral e irrestrita.
Ampla para abranger todos os perseguidos pelo governo militar.
E geral, para restituir-lhes todos os direitos que tinham antes de serem punidos.
O governo, embora tenha pregado a abertura gradual do sistema político, apenas acenava com a revisão de punições.
Nesse período, alguns deputados federais cassados, como Mário Covas, conseguiram reaver seus direitos políticos, graças à revogação do AI-5 e outros atos institucionais do governo militar.
A seguir, o presidente da República general João Batista Figueiredo, sucessor de Geisel, diante das pressões da sociedade logo em seu primeiro ano de governo, envia ao Congresso um projeto parcial e restrito de anistia.
O texto exclui do perdão os acusados de praticarem atos terroristas e não prevê a possibilidade de processar os agentes da repressão que torturaram presos políticos.
Amplos setores da sociedade civil condenam o projeto de anistia parcial.
Pelo projeto, servidores civis e militares anistiados dependem de uma petição aprovada pelo governo para serem reintegrados a suas funções.
As articulações para definir a Lei da Anistia que o governo se propõe a conceder como parte do processo de redemocratização lenta e gradual são comandadas pelo senador Petrônio Portela, da Arena do Piauí.
No dia 27 de junho de 1979, o projeto que concede a anistia é lido para os deputados e senadores no Congresso Nacional.
É eleito presidente da Comissão Mista que analisou o projeto o senador Teotônio Vilela, de Alagoas; e designado relator o deputado Ernani Sátiro, da Arena da Paraíba.
O senador Teotônio Vilela inicia então visitas a presos políticos em todo o país.
Após essas visitas, Teotônio salienta não ter encontrado nenhum perigoso terrorista, apenas jovens idealistas que haviam lutado por suas convicções.
Teotônio declara-se então a favor da anistia ampla e irrestrita, deixa a Arena, o partido governista, e passa para o MDB.
A Câmara rejeita em seguida emenda do deputado Djalma Marinho, do Rio Grande do Norte, que estendia a anistia a todos os presos pelo regime militar.
Após debates, apresentação de emendas e substitutivos, o projeto vai à votação final.
Com o Congresso reunido em sessão plenária, o senador Paulo Brossard, do MDB gaúcho, considera a proposta da anistia insatisfatória.
“A oposição nesta Casa reinvindica a glória de ter criado as condições para que a anistia pudesse chegar a esta Casa ao mesmo tempo em que declara que este projeto que aqui está está longe do modelo ideal.
A campanha pela anistia ampla, saneadora, reparadora, pacificadora.
Esta continuará.
Votado hoje o projeto da anistia restrita, da anistia mesquinha, caolha, paralítica, ainda hoje daqui diremos ao Brasil: a nossa vitória ainda está longe de ser alcançada.”
Na ocasião, Paulo Brossard critica o projeto por perdoar todos os agentes da repressão que teriam torturado presos políticos, e não perdoar os acusados de subversão apontados como terroristas.
“Nós atravessamos uma longa e escura era de violências.
De violências de toda ordem.
E o que é mais grave ainda é que muitas dessas violências foram cometidas por aqueles que mais do que quaisquer outros não podiam praticá-las.
Quando a violência nas suas feições mais bárbaras, nas suas feições mais repulsivas, degradações mais repugnantes prosperou neste país, sob o signo falso da ordem que não é ordem, da ordem que é desordem, da ordem que é crime.
Eu que repilo a violência, que repilo o terrorismo em todas suas modalidades, pergunto: qual a diferença que existe entre um terrorista e um torturador?
São tipos do mesmo gênero.”
O senador Jarbas Passarinho, líder do governo no Senado, admite que o projeto governamental é a anistia possível e deve ser visto como um primeiro passo que pode ser aperfeiçoado.
“Uma anistia restritíssima disse alguém.
Imoral, disse outro.
Uma anistia que em 2.260 pessoas anistiáveis, anistia 2.200.
Apenas sessenta ficam do lado de fora.
E ficam do lado de fora tendo o presidente da República autorizado a mim, como seu líder do Senado, a dizer que esse é o primeiro passo de uma primeira fase.
Não deve a maioria irritar-se, ao contrário, a nós cabe, como coube ao presidente, o gesto aberto de generosidade.
O primeiro.
Se ele é aceito, haverá o segundo.
E haverá o terceiro.
Senhores senadores e deputados, abaixo o ódio, abaixo a intolerância, abaixo a mosca que se ergue defendida por um senhor senador”
Na votação final, por voto de liderança, o MDB apóia o projeto governista, alegando tratar-se de um avanço, mesmo que parcial.
Vinte e nove deputados e 12 senadores da ala à esquerda do MDB pronunciam-se contra a aprovação.
O Congresso aprova, e no dia 28 de agosto de 1979, o presidente Figueiredo sanciona a Lei da Anistia, de número 6.683, que concede anistia a todos que cometeram crimes políticos ou conexos com estes, entre setembro de 1961 e agosto de 1979.
Nos dias seguintes, presos políticos deixam o cárcere e processos em tribunais militares são encerrados.
Começa a volta dos exilados políticos, estimados em mais de 5 mil, e o reaparecimento na vida pública daqueles que estavam clandestinos.
Retornam ao país em setembro, Leonel Brizola, Miguel Arraes e o ex-deputado Marcio Moreira Alves, todos recebidos por manifestações públicas organizadas pela oposição.
A seguir, chegam Luis Carlos Prestes e João Amazonas, entre outros.
Mesmo com a Lei, as entidades pró-anistia prorrogam seus trabalhos por mais tempo.
Entre outras atividades, continuam dando assistência jurídica aos exilados que chegam ao país e são intimados a prestar esclarecimentos a órgãos da repressão ainda não adaptados aos novos tempos.
Ao mesmo tempo em que o governo anistia políticos no final dos anos 70 e a censura baixa a guarda permitindo a veiculação de peças teatrais e músicas antes proibidas, o aparato repressor do governo redireciona sua força para reprimir o movimento operário que ressurge forte na região do ABC paulista.
O governo intervém em sindicatos, prende grevistas e destitui líderes e dirigentes sindicais com bombas e cassetetes.
Mas com a Lei da Anistia e com o país de volta ao multipartidarismo, ainda no final de 1979, o Governo gerava condições para que a transição negociada à democracia fosse realizada, com o retorno dos militares às suas funções normais.
Este programa Câmara é História teve como trilha a música “O Bêbado e a Equilibrista”, cantada por Elis Regina.
Consultoria musical de Marcos Brochado
Trabalhos técnicos de Ribamar de Carvalho
Produção e Apresentação: Eduardo Tramarim
Coordenação de Jornalismo: Aprigio Nogueira.
O Câmara é História é uma produção da Rádio Câmara retransmitida por centenas de emissoras em todo o país.
O programa resgata discursos e momentos relevantes do Parlamento e da política brasileira, situando-os no contexto histórico da época em que foram proferidos.
O programa pode ser baixado e reproduzido gratuitamente por qualquer emissora do país.