Parte 1: As desventuras políticas de Ciro
Desde o retorno de Lula ao cenário político, o ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará, e ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes tem observado uma progressiva deterioração de seu capital político.
De um forte 3º lugar em 2018, com o retorno de Lula, Ciro entrou em 2022 isolado, incapaz de atrair aliados à sua candidatura.
Os partidos não alinhados com Lula ou Bolsonaro acabaram embarcando em outras candidaturas, como a de Simone Tebet.
Além disso, dentro de sua própria base eleitoral, o Ceará, Ciro sofreu uma verdadeira hecatombe política.
Com o racha dentro da própria família, o ex-ministro perdeu a coesão de seu núcleo político e o próprio coordenador de sua campanha em 2018, o experiente ex-governador do Ceará e senador Cid Gomes, seu irmão.
Com sua base política em guerra civil, Ciro disputou a eleição presidencial e perdeu o apoio do governo de seu estado natal à sua campanha.
A então governadora Izolda Cela, do PDT, ligada a Cid e Camilo Santana, apoiou o atual governador Elmano de Freitas, do PT, e o presidente Lula, derrotando o candidato de Ciro ao governo, Roberto Cláudio, e deixando sua candidatura presidencial à mingua.
O resultado, como se sabe, foi uma queda devastadora de 12% dos votos em 2018 para 3% em 2022, sua pior votação em uma eleição presidencial[1].
Em 2024, na disputa para a prefeitura de Fortaleza, o ex-ministro sofreu mais um revés. Seu candidato, o então prefeito José Sarto, atingiu apenas 11,7% dos votos nas urnas, a primeira vez na história que um prefeito de Fortaleza não passou ao 2º turno[2].
Sarto ficou neutro no 2º turno[3], mas parte de seu grupo político apoiou então a candidatura de André Fernandes, do PL[4], que foi derrotada por menos de 1% dos votos.
A derrota do grupo de Ciro deu ao PT uma das poucas vitórias que o partido obteve na disputa de 2024.
Com Fortaleza, o partido de Lula adquiriu o governo de uma capital, sendo também a mais populosa cidade do Nordeste e a 4ª mais populosa do país.
Com a base política em frangalhos, Ciro parecia não só derrotado, como definitivamente aposentado da vida pública.
Será?
Parte 2: As pesquisas trazem algo surpreendente
O último Datafolha[5], ainda considerado o gold standard entre os institutos de pesquisa, teve os resultados divulgados no dia 05.04 e trouxe números importantes.
O que mais chamou a atenção do público foi uma possível recuperação da aprovação de Lula, que sofreu uma baixa muito expressiva nos últimos meses.
A mudança observada pelo Datafolha traria uma tendência ainda não observada por outros institutos.
A pesquisa Quaest, que foi divulgada em 02.04 e realizada entre 27 e 31 de março, apontou que a desaprovação do governo teria subido de 49% para 56%[6].
O Atlas também indicou a alta de desaprovação do governo[7] e os impactos positivos que isso tem gerado para as candidaturas de oposição, principalmente quando se considera os cenários de 2º turno[8].
Mas além da aprovação do governo, um dado interessante chamou a atenção nas últimas pesquisas realizadas.
Quando avaliados os potenciais de voto dos candidatos à presidência, chamou a atenção a elevada intenção de votos do ex-ministro Ciro Gomes.
Esse potencial de votos tem sido uma constante em diversos institutos.
No Datafolha, mesmo em cenário com Lula e Bolsonaro, Ciro desponta isolado como o 3º colocado atingindo 12% dos votos, votação que não obteve em 2022, quando enfrentou os dois rivais e líderes da polarização política que afeta o país.
Mais do que isso, em um 1º turno sem Lula e Bolsonaro, Ciro chega a liderar a intenção de votos[9], atingindo 19% contra 16% de Tarcísio de Freitas, popular governador de São Paulo, 15% de Fernando Haddad, o ministro com mais visibilidade de Lula e seu provável sucessor, e 12% de Pablo Marçal, o grande fenômeno eleitoral das eleições municipais de 2024.
Vale lembrar que o cenário sem as duas grandes lideranças populares do Brasil não é impossível. Uns diriam até que é até provável.
Bolsonaro foi considerado inelegível pelo TSE, e Lula pode não ser candidato devido à idade avançada e o próprio nível de desaprovação que aponta para o cenário de uma reeleição difícil para o presidente.
Este cenário com a força eleitoral de Ciro tem surpreendido analistas, mas foi observado também por outros institutos.
Para montar as tabelas abaixo, comparamos os dados de três institutos de pesquisa de metodologia presencial realizados num período de 3 meses: Datafolha (01-03 de abr), MDA (19-23 fev)[10], Paraná (7-10 jn)[11].
Veja os dados:
Cenário com Lula e Bolsonaro
Cenário com Lula e Tarcísio
Cenário sem Lula e Bolsonaro
Quando se observa os dados comparados ao longo deste período é possível tirar algumas conclusões:
1. A baixa aprovação do governo tem sido uma mola propulsora às candidaturas da oposição.
Embora Lula esteja liderando em quase todos os cenários, quando se soma os votos de candidaturas da centro-direita, nota-se a força que esse campo tem.
Olhando no grosso, há muito mais votos oposicionistas do que governistas do Brasil, e isso tem se mostrado nos cenários de 2º turno da maioria das pesquisas;
2. A fragmentação da direita é o elemento que tem conferido vantagem à Lula.
Bolsonaro é o líder hegemônico do campo e com seu nome na disputa qualquer outra candidatura direitista não atinge sequer os 2 dígitos.
Sem Bolsonaro, abre-se espaço para uma fragmentação dos votos entre uma candidatura de direita mais hard e uma mais soft, de modo similar ao que ocorreu na eleição paulistana em 2022.
Quando Marçal entra na disputa com Tarcísio, o influencer arranca pelo menos 12% dos votos para si. O pior cenário para Tarcísio é o da MDA, em que ele fica com 14,4% e Marçal com 14,0%;
3. Apesar disso, Tarcísio se descolou completamente de seus concorrentes governadores.
Nos idos de 2023, após a eleição de Lula, falava-se nos diversos governadores de direita como possíveis alternativas a Bolsonaro, em caso de inelegibilidade.
Mas Tarcísio se distanciou muito dos rivais.
Caiado, Ratinho Jr e Eduardo Leite ocupam um mesmo patamar (por volta de 5% dos votos), enquanto Romeu Zema, governador do segundo estado mais populoso do país, afundou completamente como alternativa;
4. Sem Lula, o quadro fica bastante complexo para o PT.
No cenário sem Lula e Bolsonaro, Haddad não é sequer capaz de ocupar o 2º lugar nas pesquisas.
Vale lembrar que Haddad é o ministro mais conhecido do governo, já foi prefeito de São Paulo, disputou a presidência em 2018 e o governo de São Paulo em 2022.
Parece haver uma grande dificuldade de Haddad em empolgar a base de eleitores lulistas;
5. A fragilidade do ministro da Fazenda é particularmente ruim para o governo porque, sem ele, os demais nomes petistas sequer são conhecidos pelo eleitorado.
A Paraná Pesquisas testou um cenário com Camilo Santana, chefe da pasta mais bem avaliada do governo (Educação), e o ministro atingiu meros 6,9% dos votos;
Mas voltando ao objeto do artigo, que é Ciro Gomes. Sobre o ex-ministro, pode-se afirmar alguns pontos a partir desses números:
1. Ciro manteve um patamar de 2 dígitos em todas as pesquisas com Lula e Bolsonaro.
Isso é um feito impressionante visto que, durante toda a última eleição (2022), Ciro nunca chegou em 2 dígitos em nenhuma das pesquisas presenciais.
Além disso, o 3º lugar das eleições, a ministra Simone Tebet, teve somente 4,2% dos votos, sendo a 3ª colocada mais mal votada desde a redemocratização[12], dando força às teses de calcificação do eleitorado.
As pesquisas recentes parecem mostrar outro cenário;
2. Ciro parece ter ocupado firmemente a posição do que seria um campo “não bolsonarista e não lulista” no imaginário político da população.
Nos cenários sem Ciro (que não foram descritos aqui neste artigo), não há nenhum candidato que herde claramente sua intenção de votos havendo grande dispersão, e a possibilidade de surgimento de uma candidatura que ocupe esta posição;
3. A presença ou não de Bolsonaro tem pouco impacto para uma candidatura Ciro, que apresenta uma oscilação positiva, mas muda pouco seu patamar de votos.
A grande disputa se dá mesmo nos votos da direita, entre Tarcísio, Marçal, e os diversos aspirantes a sucessores de Bolsonaro;
4. O jogo muda completamente para Ciro com a saída de Lula.
Aqui, o ex-ministro acaba acrescendo ao seu próprio capital político uma boa parte da base de votos do atual presidente.
É esse eleitorado, de “progressistas não-lulistas”, que faz com que Ciro atinja um patamar de votos superior ao de Haddad em uma possível disputa.
Tendo em vista então tudo o que já descrevemos sobre os insucessos políticos recentes de Ciro Gomes, e o atual status político do ex-ministro, que afirma reiteradamente não ser mais candidato e não ter mais interesse em disputar a presidência, o que explica então um patamar de votos tão elevado do ex-ministro?
Parte 3: A água de uma represa que ninguém bebe.
Para entender por que Ciro ainda tem uma intenção de votos tão expressiva, sobretudo em cenários sem Lula e Bolsonaro, é preciso olhar para os microdados das pesquisas.
Separamos aqui os microdados do Paraná Pesquisas e do MDA.
Vamos dar uma olhada então no que achamos, a começar pelo Paraná.
Nota-se a partir desses dados quais são os eleitores que simpatizariam com o ex-ministro.
Entre os jovens de 19 a 24 anos, Ciro possui mais de 10% de diferença para Tarcísio e Haddad.
No Nordeste, possui 8% a mais de votos que o segundo colocado, Haddad.
Entre mulheres, Ciro possui cerca de 7% a mais de votos do que os concorrentes.
E entre os eleitores do Ensino Fundamental, tem 5% a mais dos votos.
Chama a atenção nos dados do Paraná que o ex-ministro supera Haddad em todos os grupos sociais e todas as regiões.
Chama a atenção o fato de Ciro ter 3% de votos a mais no Sudeste, região onde está a base política do atual ministro da Fazenda, e onde ele demonstrou um resultado eleitoral positivo na disputa com Tarcísio para o governo de São Paulo em 2022.
A pouca diferença no Sudeste se deve também provavelmente a Rio de Janeiro e Minas Gerais e, em particular, suas capitais: Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde historicamente eleitores das periferias tem simpatias por candidatos de 3ª via.
Cabe lembrar aqui o importante apoio de Roberto Kalil, prefeito de Belo Horizonte, a Ciro em 2018[13]. Ciro teve 17% dos votos em Belo Horizonte em 2018, ficando à frente de Haddad, que obteve 14,5%.
Porém, é no MDA onde encontramos talvez a resposta para a indagação do surpreendente potencial de votos de Ciro.
O MDA perguntou sobre as preferências de voto dos eleitores.
E aqui encontramos os seguintes dados:
Aqui observamos que nada menos do que 35% do eleitorado deseja candidatos que não sejam ligados a Lula ou a Bolsonaro.
Ciro estaria então navegando entre um terço e dois terços dos votos deste eleitorado, que tem uma composição bastante heterogênea do ponto de vista ideológico.
Cabe notar que os eleitores de uma 3ª via têm sido uma constante na história do país desde a redemocratização.
Vale recordar dos resultados das eleições nacionais dos últimos 20 anos:
É importante notar que de 6 disputas, em 3 delas observou-se esse patamar muito familiar de cerca de 20% dos votos.
E embora esses candidatos pareçam (e sejam) muito diferentes, eles ocupam uma certa posição no imaginário político.
Todos têm um viés político mais progressista, eram percebidos pelo público como tendo uma visão econômica não radical (com exceção de Heloísa Helena, que teve somente 6,9% dos votos), o que numa interpretação ideológica mais tradicional seria identificado como uma centro-esquerda.
Embora não seja impossível, seria inédito na história do país que um político de centro-direita ocupasse esse lugar anti-polarização no espaço político.
Provavelmente estes políticos teriam que puxar suas candidaturas mais ao centro, trazendo preocupação com pautas sociais, o combate à pobreza e às desigualdades.
Isso explica a intenção de votos de Ciro, e a dificuldade de crescimento dos governadores de centro-direita para eleitores fora do bolsonarismo.
E talvez uma composição política ampla, como a de Eduardo Campos e Marina Silva em 2014, fosse algo crítico para a construção de uma candidatura voltada para este eleitorado em 2026.
Cabe lembrar que a composição de Marina e Campos produziu a candidatura mais bem sucedida de 3ª via.
A atual ministra de Lula chegou a empatar com Dilma no 1º turno e vencer a presidente no 2º segundo pesquisas da época[14].
O MDA também observou a preferência de voto pelos estratos de eleitores. E aqui observamos os seguintes dados:
Não é surpresa observar muitas similaridades entre estes dados e os microdados da Paraná: uma prevalência de eleitores mulheres, e também de jovens, abrangendo aqui os grupos entre 16 a 24, e 25 a 34 anos, que somados dão quase um terço do eleitorado.
Em termos de classe social, destaca-se o eleitor entre 2 e 5 SM, e “contraditoriamente”, eleitores de ensino superior.
Na verdade, não há contradição.
Historicamente observa-se o eleitorado de ensino superior como um eleitor de renda alta.
Mas com a expansão do ensino superior com faculdades privadas, via Prouni e Fies, é possível imaginar perfeitamente um eleitor que ganha entre 2 e 5 SMs e que tem curso superior.
É um eleitor que também vive no Sudeste, nas periferias dos grandes centros urbanos. “Mulher, jovem, renda média baixa, com renda superior“. Poderíamos inferir aqui: negra e evangélica?
Temos aqui o “eleitor típico da classe C”, que sem surpresa, também é aquele que decidiu todas as disputas a presidência.
Justamente por ser este o eleitor que não gosta de polarização, e é menos afeito à política ideológica, é o que acaba decidindo ao votar num candidato.
Original em: Ciro Gomes e o espaço de uma Terceira Via: o que tem falado as pesquisas? – Disparada