Lembro de um certo dia, ainda na minha época de graduação em Ciências Econômicas, em que um professor de macroeconomia me advertiu, em separado, sobre uma má interpretação que eu havia feito a respeito de um modelo.
Contrariado, ele disse:
– Felipe, pouco importa o momento 0, o que importa é a dinâmica!
Com a cabeça baixa, voltei para casa sem muito entender.
Mal sabia eu que, aos poucos, uma simples frase floresceria-me o entendimento de uma sutileza econômica que, curiosamente, parece ainda estar disponível para poucos.
Em sistemas humanos, sobretudo econômicos, há poucas manifestações de equilíbrios pré-determinados.
A relação causal clássica e estática entre o x e y é fortemente tentadora para simplificar o movimento de variáveis complexas como PIB, o consumo, investimento e juros.
Porém, não é suficiente.
E isso vale uma abstração.
Será que o primeiro ‘toque na bola’ não muda consideravelmente a direção do segundo toque?
E o segundo, por sua vez, não muda o terceiro?
Longe de querer levar o leitor para o mundo (pouco comportado) do caos probabilístico mas os sistemas econômicos parecem se situar dentro de uma fronteira entre o ergódico (previsível) e o não ergódico (imprevisível), entre o que é dependente e o que é independente.
Pesquisas eleitorais mudam as pesquisas eleitorais, seja em maior ou em menor grau.
Boas avaliações prévias tendem a gerar mais boas avaliações, e vice versa, até que um choque aleatório (ou, as vezes, não) os separem.
Corridas bancárias levam a mais corridas bancárias, ainda que apenas no curto prazo.
Porém, o curto prazo já quebrou muita gente.
Os juros dependem da saúde financeira de um país, certo?
Mas a saúde financeira de um país também depende dos juros (que não é um simples ‘prêmio de risco’ pelo investimento, porém tem conotações muito além das econômicas).
E aí, quem vem antes nessa história, o ovo (Fazenda) ou a galinha (Bacen)?
A melhor resposta poderia ser:
Pouco importa o momento 0, o que importa é a dinâmica!
Ninguém quer falar com o aluno novo do Jardim Fictício e há semanas ele lancha sozinho no recreio.
Mas por que será?
Mariazinha disse que não se aproximou dele porque viu o João, o Lucas, o Alberto e a Sandra evitando o garoto.
Depois perguntaram para Sandra e ela disse que era porque a Mariazinha, o Alberto, o Lucas e o João não falavam com ele, então isso era um sinal.
Perguntaram para o Alberto e ele disse que é porque não viu a Sandra, a Mariazinha e nem o João interagindo com ele.
Parece que no Jardim Fictício as expectativas alteram as expectativas.
Não há uma causa primeira, apenas um emaranhado de reações cruzadas que se retroalimentam.
Esse tipo de dinâmica — onde o comportamento de um agente se ancora na percepção que ele tem do comportamento dos demais — está longe de ser restrita ao recreio infantil.
Ela está no coração de diversos fenômenos econômicos que, no entanto, insistimos em representar como se fossem estáticos, lineares e exógenos.
Em determinadas correntes críticas, como forma de simplificação teórica — e, por vezes, como uma espécie de licença poética da modelagem — certas variáveis passam a ser tratadas como exógenas.
É o famoso “porque Deus quis”.
O problema?
Ao renunciar à busca pela lógica interna dessas variáveis, abre-se mão da riqueza interpretativa que os sistemas dinâmicos oferecem.
Sraffa já apontava esse vício metodológico em Production of Commodities by Means of Commodities (1960), ao questionar o porquê da tradição neoclássica excluir variáveis distributivas como lucros, salários e o próprio nível de emprego da equação central da formação do investimento.
O que está em jogo aqui é a negação da endogeneidade como estrutura, como motor de transformação.
Keynes, por sua vez, mesmo ao romper com parte dessa tradição, acabou por também empurrar para o além — sob o nome de animal spirits — a explicação última do investimento.
Foi um gesto elegante, até honesto, mas que ilustra como mesmo grandes pensadores por vezes cederam ao limite interpretativo.
Nada contra o além, claro. Mas talvez antes de invocá-lo, fosse mais razoável esgotar as possibilidades internas da própria teoria.
Pois se o investimento não for explicado por suas próprias consequências esperadas — isto é, por aquilo que ele mesmo gera — então voltamos à estaca zero.
Ao final, talvez reste apenas a percepção de que em sistemas essencialmente interdependentes, como os sistemas econômicos, as causas não precedem os efeitos, mas caminham junto com eles, em uma coreografia contínua de retroalimentação.
As variáveis não ‘são’, elas ‘estão sendo’.
A endogeneidade, nesse sentido, não é um detalhe técnico: é a própria essência do que se pretende explicar.
Expectativas que moldam expectativas.
Em maior ou em menor grau.
Escolhas que moldam o cenário que, por sua vez, retroage sobre as escolhas.
A hipótese de que os sistemas, em algum momento, revertem para a sua média esperada jamais pode ser descartada totalmente, porém muito menos acreditada cegamente.
A professora do Jardim Fictício, ao ver o isolamento do aluno novo, foi falar com ele e o colocou na peça de teatro da turma para ser o príncipe.
A peça foi um sucesso, ele se entrosou com a turma e uma nova dinâmica foi criada.
A professora do Jardim Fictício viu o aluno novo sozinho há semanas.
Possivelmente, imaginou que ele é antissocial e briguento.
Ela o deixou sozinho e ainda o tirou da peça da escola.
Em economia a gente nunca sabe qual das duas professoras é a que está agindo.
E mesmo quando achamos que sabemos, o próximo ato da peça pode nos provar o contrário.