As principais cidades brasileiras enfrentam um dilema cotidiano que afeta milhões de pessoas: um sistema de transporte urbano caro, inseguro, ineficiente, e excludente.
A superlotação, a baixa frequência dos ônibus, trens e equivalentes, o sucateamento da frota e o alto custo das passagens compõem um cenário que penaliza sobretudo a população mais vulnerável – especialmente os trabalhadores e estudantes que moram nas periferias.
Para superar esse gargalo é necessário uma combinação ousada de investimentos públicos, regulação eficiente, parcerias estratégicas e inovação tecnológica, com foco central na justiça social.
Nesse sentido, como não poderia deixar de ser, a solução passa, em primeiro lugar, por uma maior presença do Estado na gestão e no financiamento do transporte. É urgente a necessidade de retomada do papel coordenador do poder público nesse ambiente, hoje excessivamente dependente de concessionárias privadas que operam com baixa transparência e pouca preocupação com o bem-estar do usuário.
Algumas metrópoles, tais como Recife – onde moro -, já contam com certa integração entre ônibus, metrô, bicicletas e modais alternativos. No entanto, essa integração ainda é incipiente e pouco resolutiva. De modo geral, observa-se:
- A necessidade de mais investimentos em corredores exclusivos e terminais modernos e de uma a articulação entre os municípios da Região Metropolitana para um planejamento integrado;
- A urgência de uma política tarifária que incentive a intermodalidade e desestimule o uso do carro individual;
- A importância de fortalecer a CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), atualmente sucateada, sem a qual os esforços de melhoria ficam comprometidos.
O subsídio público cruzado pode ser uma alternativa para reduzir o valor da tarifa para os mais pobres, compensando com fontes como a taxação de grandes empreendimentos imobiliários, cobrança de pedágio urbano seletivo ou contribuição de empresas situadas em regiões de alta concentração de empregos.
E as Parcerias Público-Privadas (PPPs), que muitas vezes são estabelecidas neste contexto, desde que bem reguladas, podem se tornar instrumentos importantes na modernização da frota, na implantação de sistemas inteligentes de monitoramento e na digitalização de bilhetagem, mas é essencial que sirvam ao interesse público – e não o contrário, como infelizmente tem acontecido com frequência – cabendo às agências reguladoras atuar de forma independente e transparente para assegurar esse equilíbrio.
No entanto, no mundo todo onde se discute formas de enfrentar as desigualdades urbanas, reduzir a emissão de carbono e dinamizar economias locais, cresce o interesse por políticas de tarifa zero para o transporte público:
- Mais que uma inovação técnica;
- A iniciativa representa uma proposta de justiça social e inclusão cidadã como solução para os problemas relacionados à mobilidade.
A tarifa zero consiste em eliminar a cobrança de passagens no transporte coletivo urbano, financiando o sistema por meio de recursos públicos — como tributos progressivos, fundos municipais, ou contribuições de empresas que se beneficiam da mobilidade urbana: a proposta entende o transporte como um direito social e um serviço essencial – com benefícios Diretos e Indiretos – à semelhança da saúde e da educação públicas.
A gratuidade amplia radicalmente o acesso ao trabalho, à educação, à saúde e ao lazer — especialmente para a população mais vulnerável:
- Enquanto o transporte deixa de ser um obstáculo para se tornar um facilitador da cidadania, há a dinamização econômica local com a circulação de pessoas estimulando o consumo, a economia criativa e o empreendedorismo popular;
- Além disso, a substituição do transporte individual pelo coletivo reduz congestionamentos, acidentes e a emissão de gases poluentes;
- Podendo ser uma política com possibilidades para contribuir ou influenciar no combate às mudanças climáticas e à poluição urbana.
A circulação gratuita incentiva o uso democrático dos espaços urbanos e o fortalecimento do convívio social, promove valorização do espaço público, colocando mais pessoas nas ruas, praças e equipamentos culturais, e a cidade ganha vida com isso.
No Brasil, desde 2014, Maricá (RJ) oferece transporte gratuito com os “vermelhinhos”, ônibus públicos financiados com royalties do petróleo:
- Desde então, a demanda cresceu mais de 400%, reduzindo a evasão escolar e ampliando o acesso à saúde;
- E a economia local se aqueceu com maior circulação de pessoas, através desse modelo que chamou a atenção de instituições internacionais e foi tema de estudos da ONU-Habitat.
Em Caeté (MG), o sistema de tarifa zero contribuiu para a redução da desigualdade no acesso aos serviços públicos e melhorou a mobilidade da população trabalhadora, a partir de 2022.
Outros experimentos foram realizados em Maringá (PR) e São Paulo (SP):
- Em Maringá, domingos com transporte gratuito estimularam o uso de parques e centros de lazer;
- E, em São Paulo, a isenção em dias de eleição e em programas como o “Domingão Tarifa Zero” , indicaram forte adesão e impacto positivo no acesso democrático à cidade.
Em nível Internacional, Tallinn (Estônia) estabeleceu pioneirismo na Europa, com residentes da capital da Estônia utilizando o transporte coletivo gratuitamente, desde 2013:
- O uso do transporte público aumentou 25%;
- O uso do carro diminuiu e a qualidade do ar aumentou.
Já em Luxemburgo, a tarifa zero no transporte é política de Estado desde 2020, sendo o primeiro país a adotar a tarifa zero nacionalmente, buscando reduzir congestionamentos e tornar o transporte público mais atrativo e inclusivo.
A partir desses exemplos é possível observar que a tarifa zero não é uma utopia, mas, sim, uma política pública com resultados comprovados. E é preciso considerar que nos centros urbanos marcados por desigualdades, garantir o direito de ir e vir de forma gratuita é dar um passo concreto para a construção de cidades mais justas, humanas e sustentáveis.
Ou seja, o transporte público gratuito pode ser um caminho viável no processo de construção do Brasil que queremos: mais solidário, mais inclusivo e mais democrático.
O Movimento Paraíso Brasil compreende que um modelo de transporte público eficiente, confortável e acessível é, antes de tudo, um instrumento de combate às desigualdades e, também, de promoção do desenvolvimento urbano sustentável. Melhorar o transporte público, portanto, não pode ser visto apenas como uma questão relacionada à facilitação de deslocamentos: os governos precisam abraçar o conceito de mobilidade como direito social e vetor de cidadania.