Paulo Lindesay*
A CPI da Dívida Pública encerrou-se no dia 11 de maio de 2010 sem que o Ministério Público investigasse os graves indícios de ilegalidade no endividamento brasileiro encontrados durante os seus trabalhos.
Por diversas vezes, parlamentares e até Comissões da Câmara dos Deputados solicitaram ao Tesouro Nacional e Banco Central do Brasil a lista nominal dos detentores dos títulos da dívida pública federal.
Eles negaram-se a fazer isso, alegando sigilo bancário (o que não existe no setor público).
Também deram a estranha justificativa de que o governo não saberia tais nomes.
Ao mesmo tempo, no caso de todas as outras despesas públicas, consta o nome e outros dados do beneficiário.
Os órgãos oficiais apenas divulgam tabelas com listas de setores detentores dos títulos públicos (sem indicar a participação de grandes e pequenos detentores dentro de cada setor), e ainda omitindo grande parte da dívida pública em poder dos bancos.
A Auditoria Cidadã da Dívida Pública, associação sem fins lucrativos que acompanha sua gestão pelo Governo, tem defendido de forma obstinada o cumprimento do artigo 26 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 88.
Seu lema é auditoria da dívida pública federal já, com efetiva participação popular, tal como foi realizado no Equador no governo de Rafael Correa.
Em fevereiro de 2025, o estoque da Dívida Pública Federal (DPF) alcançou a cifra de R$ 10,135 trilhões (85,3% do PIB), incluindo os títulos do Tesouro entregues ao Banco Central do Brasil, no valor de R$ 2,643 trilhões.
Tal estoque não seria problema caso essa dívida tivesse sido tomada para financiar investimentos sociais ou mesmo de infraestrutura.
Porém, tem servido apenas para pagar juros e amortizações da própria dívida, e sem transparência sobre todos os seus detentores.
Quando se consulta o Relatório Mensal da Dívida (RMD) do Tesouro Nacional, de fevereiro de 2025, vê-se na Tabela 4.2 que o custo médio da DPF (nos 12 meses terminados em dez/2024) foi de 11,80%.
Aplicando esse percentual ao estoque da DPF em dezembro de 2023 (R$ 8,839 trilhões), conclui-se que o valor efetivo relativo aos juros da Dívida Pública foi cerca de R$ 1,043 trilhão em 2024.
Bem distante dos juros consolidados apresentados no Painel de Orçamento Federal (SIOP), de pouco mais de R$ 350 bilhões.
Qual o porquê dessa diferença?
É que grande parte dos juros é contabilizada pelo Governo como se fosse amortização.
Para que?
A Constituição Federal (artigo 167, III) só permite a emissão de títulos públicos para o pagamento despesas de capital, que são as amortizações (principal) da dívida e os investimentos.
Ou seja, os juros estão fora dessa permissão. Porém, para que o governo possa emitir títulos a fim de pagar juros, classifica-se a maior parte deles como se fossem amortizações.
Em relação aos detentores de títulos da Dívida Pública Federal Interna, o “Relatório Mensal da Dívida” (RMD) do Tesouro Nacional apresenta a Tabela 2.7, com o total de apenas R$ 7,178 trilhões em fevereiro de 2025, OMITINDO os R$ 2,643 trilhões em poder do Banco Central, dos quais grande parte é entregue aos bancos nas chamadas “Operações Compromissadas”, que atingiram R$ 1,154 trilhão em fevereiro de 2025.
Além disso, em 2021, para tentar ocultar parte da dívida que paga juros altíssimos aos bancos (também sem contrapartida em investimentos), o governo criou a figura dos “Depósitos Voluntários Remunerados” (onde os bancos também recebem remuneração pela Taxa Selic ou até mais) que chegaram a R$ 165 bilhões.
Incluindo-se tais valores dentro da fatia dos bancos (instituições financeiras), temos a seguinte tabela e gráfico:
Fonte: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:24900 (Tabela 2.7) https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/hist_estatisticasfiscais/202503_Tabelas_de_estatisticas_fiscais.xlsx (Tabela 4 – Linhas 50 e 52). Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
Pode-se constatar que a soma de participação dos bancos (instituições financeiras), estrangeiros (não residentes) e seguradoras (que possuem estreita ligação com os bancos) já representa mais da metade da dívida, que claramente não beneficia o povo, mas uma elite.
Além do mais, a fatia “Previdência” inclui os fundos de previdência abertos controlados pelos bancos, que podem beneficiar os super-ricos.
No caso dos “Fundos de Investimento”, também não se sabe a distribuição entre os pequenos e grandes detentores de títulos, pois, conforme denunciado acima, o Governo não divulga a lista dos beneficiários.
Portanto, apesar da clara falta de informações, podemos dizer que o endividamento do Brasil vem servindo para garantir lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações.
Não são recursos, na sua maioria, destinados ao financiamento do estado social e à infraestrutura do Estado brasileiro.
Não serve à melhoria da qualidade de vida da população brasileira e mesmo ao desenvolvimento sustentável do País.
*- Diretor da ASSIBGE-SN/Coordenador do Núcleo Sindical Canabarro/Coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida Núcleo RJ.
Publicado originalmente na Tribuna da Imprensa online.