Original em: https://hojepr.com/coluna-gennaro-sorveteiro-em-santa-felicidade/
Lá na antiga sorveteria do seu Domenico, ali perto da Serralheria do Smanhotto, fui ser sorveteiro.
Na Avenida Manoel Ribas.
Na verdade, eu era um simples vendedor, com o carrinho de sorvete.
Fazia isto a tarde, pois de manhã eu ia ao colégio.
Sim eu tinha vergonha de meu trabalho.
Meus amigos me convidavam para jogar futebol no Trieste e eu não podia ir.
Tinha que empurrar carrinho de sorvete pelo bairro.
Eu tinha uma corneta para anunciar minha presença nas ruas.
E uma espécie de gaita.
Ela perguntou-me se eu queria café.
Respondi-lhe que não.
Ela insistiu, pediu-me para eu sentar na cadeira da sua varanda.
Eu lhe disse que precisava voltar ao meu carrinho de sorvete que estacionara ali, na rua defronte a sua casa.
Ela estendeu-me uma nota de valor alto em cruzeiros e perguntou-me se eu tinha troco para os picolés que ela comprara.
Ela olhou fixo para o bolso esquerdo da minha calça onde estava “o maço de troco” e em seguida enfiou sua mão neste meu bolso.
Meu coração disparou! Fiquei aturdido. Um turbilhão de emoções explodiu em meu peito.
Fitou-me firme nos olhos e sorriu.
Disse-me: – Espere.
Faço rapidinho o melhor café que você experimentará nesta vida!
Respondi: Café com esse calor?!
A senhora já comprou os meus sorvetes.
Já estão na sua geladeira!
Pra quê café?
Ela reclinou-se e com suas mãos puxou uma cadeira na qual subiu para pegar a lata de pó de café no armário superior da cozinha.
De costas para mim, reparei nas suas pernas bem torneadas.
Quadris volumosos.
Cabelos ondulados e sedosos.
Suas mãos e pele róseos exalando um perfume adocicado.
Sob a blusa verde, seios túrgidos. Uma bela mulher fazendo o café.
Riscou um fósforo, girou o botão do fogareiro e colocou a água do café para ferver, em uma caneca de alumínio.
Reparei na limpeza de seu fogão, louças, panelas e talheres limpos e brilhantes sobre a pia.
Alguns panos de prato alvejados e esticados nas hastes próximas a janela da cozinha.
E o seu marido?!, perguntei-lhe.
Respondeu-me: – Não vem hoje.
Estará por uma semana trabalhando em Ponta Grossa!
Meu coração adolescente disparou.
Quase engasgado, já nos meus 16 anos consegui falar: – Mas….
Dona Isolethe eu não posso ficar aqui! Meu carrinho de sorvete está na rua.
Não vou beber este café.
Não tenho tempo.
Insisti.
Ela: – Você vai beber este meu café!
Depois pode ir embora.
Colocou o café em uma xicara grande e adicionou uma colherinha de açúcar.
Serviu-me de pé.
Ficamos frente a frente.
E eu provei o café.
Após, coloquei sobre a pia, a xícara e o pires.
Então Dona Isolethe abraçou-me com força, enroscou seus braços nas minhas costas.
Ergueu o pescoço e a cabeça lentamente e ofereceu-me seus lábios carnudos para um beijo.
Lembrei-me do que vira em um filme no Cine Avenida na semana anterior e juntei meus lábios ao dela.
Casquei-lhe um chupão!
– Dona Isolethe!
Que Loucura!
Não podemos continuar com isto, eu disse.
Afastei-me dela com esforço.
A mulher estava ofegante.
E continuei falando: – Meu carrinho de sorvete está lá fora!
Ela: – Puxe o carrinho aqui dentro e o coloque na minha garagem.
Tem mais café, pão de queijo e bolinhos doces.
Venha aqui pra sala.
Trêmulo.
Coração acelerado.
Respiração ofegante.
Assim o fiz.
Obedeci.
Lembro-me, de ver nas janelas cortinas em tons ocres e bordadas.
Foram fechadas.
Sofás de veludo avermelhado, almofadas multicoloridas.
Tapetes felpudos e aconchegantes.
Nem reparei direito no piso de tacos de madeira de pinho.
Foi uma vertigem cheia de suores e sussurros.
No carrinho de sorvete tudo derreteu.
Quando retornei horas depois à sorveteria fui demitido.
Na avenida Manoel Ribas, próximo a Igreja, estavam trocando o macadame por paralelepípedos.
Alguns cachorros brincavam na areia.
Eu havia bebido o melhor café da minha vida.