Sempre digo que o Brasil não cabe no quintal de ninguém.
Cheguei a publicar um livro com este título.
Nem todo mundo concorda, porém.
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Peter Hegseth, declarou recentemente, referindo-se à América Central e à América do Sul, que a influência da China cresceu demais nessas regiões e que Trump “está retomando o nosso quintal” (“we are taking our back yard back”).
Um insulto. Hegseth, um ex-apresentador de televisão (!), é dos muitos trogloditas arrogantes e ignorantes que integram o governo Trump, feitos todos eles à imagem e semelhança do chefe.
Nunca vi um governo tão confuso e incompetente nos Estados Unidos.
O chanceler da China, Wang Yi, respondeu bem, dizendo: “O que os povos latino-americanos querem é construir o seu próprio lar, não ser quintal de ninguém.
O que buscam é independência, não doutrinas de dominação.”
Até agora, que eu saiba, não houve nenhuma manifestação do Itamaraty…
O que o governo Trump está tentando é ressuscitar o imperialismo à moda antiga, na base de sanções, chantagens e ameaças, inclusive de intervenção militar.
Disparou a metralhadora giratória, atingindo inclusive aliados tradicionais (ou satélites) dos Estados Unidos.
A hipocrisia foi para o espaço. Há muito tempo, não se via algo assim.
Trump não acredita no valor da hipocrisia e isso tende a enfraquecê-lo internacionalmente.
O Império mostra a sua verdadeira natureza, sem disfarces, sem véus protetores.
Note, leitor ou leitora, que o imperialismo à moda antiga era às vezes mais sutil.
Theodore Roosevelt, que foi presidente dos EUA de 1901 a 1909 e executou política externa nacionalista e agressiva, tinha como lema: “Speak softly and carry a big stick” (“Fale suavemente e carregue um grande porrete”).
Já Trump “speaks loudly and carries a doubtful stick” (“fala alto e carrega um porrete duvidoso”).
Os Estados Unidos não têm mais o poder de antes.
As ameaças e medidas unilaterais, distribuídas sem critério e sem estratégia aparente, são sinais de fraqueza.
Mais do que isso: o governo Trump como um todo é sintoma agudo da decadências dos Estados Unidos.
O que tem feito até agora, ao invés de Make America Great Again (MAGA), vai provavelmente acelerar o declínio do país.
A economia vai sofrer.
A volatilidade e arbitrariedade da política econômica trumpista tendem a abalar os níveis de atividade e de emprego e aumentar a inflação.
A confiança das empresas e famílias diminuiu muito, criando o risco de uma recessão nos Estados Unidos.
Por outro lado, os Estados Unidos estão se isolando do ponto de vista geopolítico.
Que sentido faz, por exemplo, agredir e humilhar canadenses e europeus?
Canadá, Inglaterra e União Europeia sempre foram fiéis seguidores.
Agora são tratados a pontapés.
Se objetivo principal é conter a China, não seria mais inteligente contar com a cooperação desses países?
O governo Trump me fez lembrar de uma previsão, de autoria incerta: “Os Estados Unidos serão o primeiro país a passar da barbárie à decadência, sem conhecer a civilização”.
Trump é a face mais explícita de um país violento, predominantemente tosco e muito problemático para si e para o mundo.
A única vantagem para nós do seu novo presidente, repito, é que ele torna totalmente claro e mais vulnerável um projeto de dominação que já foi conduzido de maneira mais sutil e eficaz em outras épocas.
O soft power dos Estados Unidos está sendo destruído como nunca.
Nada que caiba lamentar.
O enfraquecimento dos EUA é bem-vindo, por motivos óbvios.
E o Brasil?
Como fica o Brasil, este país que pelas suas dimensões populacionais, territoriais e econômicas, não cabe no quintal de ninguém?
Como se comportará?
Aqui temos um problema.
Os brasileiros nem sempre estão à altura do Brasil.
Grande parte da elite brasileira, inclusive diversos integrantes do governo Lula, cabem no quintal de qualquer um.
Um exemplo: Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
Há poucos dias, na mesma ocasião em que propôs congelar o salário mínimo por seis anos em termos reais, disse estar um pouco preocupado com o novo governo dos EUA, país que sempre foi uma espécie de “estrela guia” para o resto do planeta…
Outro episódio: um diplomata brasileiro, que faz parte da equipe que tenta negociar com o governo Trump, lembrou que temos déficit comercial com os Estados Unidos, concluindo que o Brasil deveria ser um exemplo e não alvo da política dos Estados Unidos.
Como dizia Brizola, “a elite brasileira é um lixo”.
Diante do desafio que Trump representa, o governo brasileiro resolveu manter um perfil baixo, tentando se fingir de morto.
Compreensível.
Os EUA ainda são poderosos, o novo presidente americano é imprevisível e, mais grave, dá sinais de desequilíbrio mental.
As tarifas de importação impostas a nós foram importantes, mas são pequenas quando comparadas às que estão sendo aplicadas a muitos outros países.
O Brasil não é um dos alvos principais de Trump.
Por enquanto. Sendo um dos gigantes do mundo, o Brasil dificilmente consegue passar despercebido.
E a timidez excessiva pode ser vista como fraqueza e suscitar novas e maiores agressões e medidas unilaterais por parte do bully que preside os Estados Unidos.
Cuidado!
Temos as eleições de 2026 e parece provável que Trump resolva interferir para trazer de volta ao poder os “patriotas” alinhados a ele.
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Versão ampliada de artigo foi publicada na revista Carta Capital.
O autor é economista e escritor. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela Editora Contracorrente o livro Estilhaços.
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