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O Brasil e a guerra tarifária: o lugar que nos impõem e o futuro ao qual nos resignamos

Luiz Henrique Lima Faria – Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e Editor-Chefe da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (RINTERPAP).

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A guerra tarifária travada entre as duas principais potências econômicas mundiais e seus parceiros ou adversários de primeira linha extrapola as fronteiras de seus protagonistas e transforma em reféns as nações cujas economias carecem de autonomia estratégica.

O que se impõe, nesse cenário, é uma geoeconomia assimétrica, na qual a periferia global assiste à reconfiguração das rotas comerciais sem dispor de instrumentos efetivos de intervenção, enquanto os centros hegemônicos deslocam capitais, alteram padrões de consumo, desorganizam cadeias produtivas e impõem novas prioridades de investimento.

Países que não possuem política industrial ativa, nem musculatura diplomática para negociar com firmeza, veem-se obrigados a adaptar-se rapidamente a novas conjunturas, ainda que em detrimento de seus próprios interesses de longo prazo.

Nessa dinâmica, não há margem para protagonismo: há, sobretudo, a imposição de ajustes.

A vulnerabilidade se acentua justamente porque não se trata de eventos pontuais, mas de movimentos estruturais que reposicionam blocos econômicos e redes de valor.

Para as economias que operam sob lógica reativa, a consequência mais perversa não é apenas a oscilação conjuntural, mas a cristalização de um lugar secundário e dependente no sistema internacional.

O Brasil, nessa conjuntura, é um dos países mais expostos a esse tipo de reconfiguração forçada do comércio internacional.

Não apenas porque depende de variáveis externas para sustentar seu equilíbrio econômico, mas também porque encontra nas brechas deixadas pelos gigantes um conforto ilusório, que perpetua sua condição subordinada na ordem global.

É nesse lugar histórico que se inscreve um duplo e duro impacto sobre o Brasil: somos atingidos de fora para dentro, pela instabilidade que não protagonizamos, e, concomitantemente, de dentro para fora, pela ausência de um projeto nacional que nos permita reagir com soberania.

O primeiro impacto revela nossa profunda vulnerabilidade diante de oscilações externas.

A economia brasileira, excessivamente sensível ao comportamento do câmbio, sofre imediatamente por tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China.

Com o dólar em alta, os custos de importação aumentam, a inflação é pressionada e o Banco Central reage com o aumento da taxa de juros, o que desestimula o consumo interno e encarece o crédito.

Essa cadeia de reações compromete o crescimento, afeta o investimento produtivo e gera incerteza nos mercados.

Adicionalmente, o Brasil depende da exportação de commodities, cujos preços são profundamente afetados por essas disputas.

Se o minério de ferro ou a soja sofrem restrições tarifárias em mercados relevantes, o impacto se faz sentir em nossas contas externas, no emprego e na arrecadação.

Não há controle sobre esses fatores. Reagimos, não agimos.

Oscilamos ao sabor do conflito.

O segundo impacto, menos visível no curto prazo, é estratégico.

Quando há interrupções nas cadeias de fornecimento entre os gigantes, o Brasil é, por vezes, chamado a preencher lacunas.

Exportamos mais soja para a China, mais carne bovina, mais petróleo.

O crescimento pontual de nossa balança comercial, no entanto, não representa um ganho estrutural.

Pelo contrário: ele reforça um modelo de especialização regressiva, ancorado na exportação de bens primários com baixo valor agregado.

Gera-se uma ilusão de prosperidade que posterga a necessidade de reindustrialização, de investimento em ciência e tecnologia, de diversificação produtiva.

Ao atender às demandas momentâneas do sistema, o Brasil renuncia, na prática, à construção de uma economia complexa e autônoma.

Fica preso à lógica da dependência funcional, ocupando o lugar que lhe é concedido nas cadeias globais de valor, sem disputar os espaços que exigiriam capacidade tecnológica, inovação e estratégia de Estado.

Diferentemente de países como Coreia do Sul, Vietnã e Índia, que têm construído ativamente sua inserção soberana nos circuitos internacionais, o Brasil parece resignado à sua condição periférica.

Quando os efeitos de uma guerra tarifária nos favorecem momentaneamente, contentamo-nos com o ganho imediato, como se fosse possível fundar um projeto de desenvolvimento sobre a aleatoriedade das brechas conjunturais.

Quando os impactos são adversos, limitamo-nos a lamentar a instabilidade e a reagir de modo errático, muitas vezes aprofundando nossas próprias fragilidades internas.

Em nenhum dos casos mobilizamos uma resposta que aponte para o futuro, com coerência e estratégia.

O que se consolida é uma inserção internacional passiva, reativa, descoordenada e estruturalmente vulnerável, expressão inequívoca da ausência prolongada de um projeto nacional.

Se desejamos romper com esse padrão de dependência, é necessário abandonar a ilusão de que vantagens comparativas espontâneas bastam para promover desenvolvimento.

O que distingue os países que ascendem na hierarquia econômica internacional não é a docilidade com que se adaptam às conjunturas, mas a intencionalidade com que constroem complexidade produtiva.

Isso exige mais do que reformas pontuais ou medidas reativas.

Exige o redesenho de uma política industrial comprometida com o adensamento tecnológico das cadeias produtivas, com a agregação de valor e com o fortalecimento de setores estratégicos.

Implica investir em capital humano, articular universidades e centros de pesquisa ao setor produtivo, e recuperar o papel do Estado como coordenador de processos de transformação estrutural.

Exige, sobretudo, compreender que soberania econômica não se conquista por meio de reações voluntaristas, mas se edifica com planejamento de longo prazo, visão sistêmica e um compromisso inegociável com a superação das desigualdades estruturais que ainda nos confinam ao papel de exportadores de matérias-primas e importadores de tecnologia e bens de alto valor agregado.

Reposicionar o Brasil na economia global não será fruto de gestos simbólicos nem de discursos ocasionalmente proferidos por autoridades políticas nacionais em fóruns multilaterais onde, com frequência, ocupamos o lugar ambíguo de convidados promissores, porém eternamente periféricos.

Trata-se de um processo exigente, que demanda convergência institucional, lucidez estratégica e coragem intelectual para enfrentar os interesses enraizados de elites que prosperam à sombra da estagnação e da perpetuação de nossa subserviência econômica.

Mais do que reagir às circunstâncias, é necessário assumir a responsabilidade de moldá-las.

E isso só é possível quando um país se reconhece não como espectador tolerado de sua própria trajetória, mas como sujeito histórico dotado da vontade e da capacidade de reescrevê-la.

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