Hoje, 29 de abril, é do Dia Nacional da Maquila Paraguaia, data instituída pelo Estado paraguaio para homenagear Alcides Emilio Baez Maldonado.
Falecido há sete anos, Emilio Maldonado foi o idealizador da Lei da Maquila, responsável pela transformação do Paraguai em espaço estratégico de agregação de valor às cadeias industriais do Mercosul, causa fundamental dos índices sustentáveis de seu desenvolvimento há vários anos.
Como discursou no Senado o senador Arnaldo Samaniego em proposta da Homenagem Póstuma a Emilio Maldonado:
“O resultado do trabalho de toda a sua vida, a Lei de Maquila, está hoje consolidada como uma poderosa ferramenta de investimento na região e no mundo, posicionando principalmente o Paraguai no eixo económico mundial.
Ademais, é uma frente importante de receitas para o Estado, com quase 300 indústrias maquiladoras que exportam mais de US$ 1.056.000.000 em produtos de qualidade para o mundo, e não é menos importante destacar a realização de sua visão, a grande formalização e geração de mais de 26.000 empregos diretos e outros 35.000 indiretos para os compatriotas, melhorando a qualidade de vida daqueles que têm acesso a eles, remunerados de acordo com a lei e com todos os benefícios correspondentes.
A maquila é um esquema de incentivo económico que não deixa ninguém para trás, sendo o mais inclusivo no sector do emprego jovem e uma oportunidade para as mulheres em estado de vulnerabilidade, tornando realidade o sonho pelo qual trabalhou até ao último dia da sua vida.”
Foi casado durante quase 4 décadas com María Jackeline Bolla Arregui, notária e tabeliã, também pioneira na sua profissão, pois foi a primeira notária a constituir uma empresa para incluir o sector maquilador no seu objeto social, o que continua a fazer até hoje, que foi e é a sua companheira mais leal e sem o seu apoio incondicional teria sido impossível para ele conseguir a implementação desta lei.
Com ela ao seu lado, foi um pai exemplar de 5 filhos: María Eugenia, Adria Maria Teresa, María Emilia, José María e José Agustín.”
De minha parte, lembro como se fosse hoje o dia em que conheci Maldonado, que é como eu lhe chamava.
Eu era presidente da Ferroeste. Estava em Foz do Iguaçu, onde tinha dado uma palestra a respeito do projeto de constituição da Ferrosul – Ferrovia da Integração do Sul, projeto de integração econômica quatro estados do Codesul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul ((https://exame.com/negocios/criacao-ferrosul-estrategica-brasil-america-sul-afirma-diretor-569299/).
Toca o celular.
Um paraguaio se apresenta.
“Soy Emilio Maldonado, proyectista de la Maquila. Le quiero presentar el proyecto.”
Eu disse que estava em Foz do Iguaçu, de saída para Guaíra, onde faria a primeira reunião de prefeitos e empresários para lançar o movimento que resultaria três anos depois na retomada da Ferroeste para o Estado do Paraná (https://www.bemparana.com.br/noticias/economia/governo-do-estado-retoma-ferroeste-11755/) e que poderia ir comigo na viagem para conversarmos.
Ele topou.
Eu pedi ao Roberto, nosso motorista, para que levasse o carro oficial a Guaíra e fui com Maldonado na sua camionete.
Foi uma viagem para um outro planeta, o planeta Maldonado.
Um admirável mundo novo, em que o Rio Paraná teria canais para formação de ilhas artificias em águas internacionais para a implantação de um sistema financeiro de compensação monetária (uma quase-moeda própria) para as trilionárias operações comerciais e industriais que o sistema de maquila proporcionaria.
E o braço da Ferroeste projetado para unir o Paraguai ao Porto de Paranaguá já não transportaria produtos primários para exportação, mas produtos paranaenses e argentinos processados, industrializados no Paraguai sob a Lei da Maquila.
Assim, os produtos sairiam do Oeste e Sudoeste do Paraná, do Oeste de Santa Catarina, do Mato Grosso do Sul em direção ao Paraguai e de lá, com valor agregado pelo sistema da maquila, rumariam ao Porto de Paranaguá.
Assim era a cabeça do estratega guarani.
Do tamanho do seu sonho de um Paraguai estável e próspero pela aliança estratégica com o Brasil e a Argentina que ele desenhava e pela qual lutava.
A sua genialidade era a de converter as características paraguaias – país pequeno, de pequeno território, gente trabalhadora, estado unitário – em sua fortaleza, que consistia em fazer o óbvio que Brasil e Argentina, por seu tamanho, estados federativos, e complexidade do sistema político não conseguiam: um sistema tributário simples, compreensível, propulsor dos investimentos privados para a industrialização geradora de valor agregado.
O sistema de Maquila.
Maldonado era uma das pessoas mais inteligentes que conheci. Era incansável como os profetas.
Sua visão profética, sua obstinação profética, sua insistência profética em convencer a nós, pobres de visão, a que víssemos o Paraguai que ele via e a prosperidade que ele enxergava pelo aprofundamento das relações econômicas e jurídicas entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Enfrentou resistências do Itamaraty, que discordava interpretação que Maldonado dava à legislação aduaneira do Mercosul, e venceu-as.
Depois foi ao mundo para apresentar o seu projeto.
O seu amor pelo Paraguai deita raízes profundas.
Seus antepassados lutaram nas guerras que o Paraguai infelizmente teve que travar contra seus vizinhos.
Sua visão geopolítica fez com que exercesse como Vice-ministro da Defesa do Paraguai.
Quando viajava a Curitiba, hospedava-se na minha casa.
Eu na dele em Assunção.
Meus filhos e os dele fizeram-se amigos desde a infância.
Sua companheira de vida, Jaqueline, era amiga de minha falecida mulher, Celândia.
Famílias irmãs, enfim.
Hoje sua adorável família segue na senda aberta por ele, estruturando projetos de instalação de filiais de empresas brasileiras para a redução do custo de produção e geração de valor pelo deslocamento de parte da cadeia para o solo paraguaio sob o regime de maquila.
E, depois de tanta luta, solitária quase sempre, contando apenas com sua família, hoje Alcides Emilio Baez Maldonado, o meu saudoso irmão paraguaio, é reconhecido postumamente pelo seu povo, como um filho ilustre que lutou com tenacidade e amor pelo seu país, o que alegra a mim e a todos os que aprenderam a admirá-lo em vida.
Na ocasião em que o Dia Nacional da Maquila Paraguaia foi instituído, o presidente da República Santiago Peña disse que “Emilio nos deixou lições tremendas, mas garanto que ainda há muito que devemos aprender e, acima de tudo, fazer”.
Sim, seguir as pistas do sonho de Emilio é um bom programa para qualquer governo paraguaio e bom para a América do Sul.
Samuel Gomes dos Santos
Advogado em Curitiba e Brasília