A crítica que o empresário e jornalista Rodrigo Rocha faz a meu artigo de ontem, “Trump, condenado à derrota pela História”, merece uma tréplica à altura dos muitos pontos relevantes que ele levanta.
Com a maioria deles, porém, não estou de acordo.
Vou analisá-los detidamente seguindo a trilha em que foram expostos, a fim de que não se perca deles nenhuma parte significativa.
Comecemos pela introdução de Rodrigo: “Donald Trump provocou controvérsias profundas ao longo de sua trajetória política.
No entanto, caracterizá-lo apenas como um voluntarista inconsequente, fadado à irrelevância histórica, seria reduzir um fenômeno social e político muito mais complexo.
Ao contrário do que afirma José Carlos de Assis, Trump não foi um desvio isolado do curso da História moderna: ele expressou, catalisou e reorganizou forças sociais latentes nos Estados Unidos e no mundo.”
Eu prefiro dizer que ele “está tentando expressar, catalisar e reorganizar forças sociais latentes dos Estados Unidos e do mundo”, a partir, porém, de uma concepção de poder absoluto, que ele não tem.
De fato, meu argumento é que nenhuma sociedade se deixa “reorganizar” por forças externas descoladas de sua História, a não ser que isso lhe seja imposto pelo poder militar.
E o poder militar, na era contemporânea, está dividido entre potências nucleares que não podem lutar entre si, o que evita uma guerra mundial.
Em seguida, no tópico “o trumpismo como fenômeno social duradouro”, diz Rodrigo que “Trump deu voz a amplos setores que se sentiam desamparados pela globalização, desconectados dos grandes centros urbanos e insatisfeitos com as rápidas transformações culturais das últimas décadas.
Esses sentimentos não desapareceram com sua saída da Presidência — ao contrário, continuam moldando a política americana, como evidenciado pelo fortalecimento de sua base no Partido Republicano e nas eleições legislativas subsequentes.
Trump é, portanto, mais sintoma do que causa: revelou tensões que a elite política tradicional ignorava há décadas.”
Se isso fosse realmente relevante, ele não teria perdido as eleições para Joe Biden depois do primeiro mandato.
Se ganhou, agora, foi porque Biden governou mal para efeito interno, além de meter os Estados Unidos numa guerra por procuração com a Rússia, uma potência nuclear de primeira linha, impossível de ser vencida pela Ucrânia.
E que Trump, nesse ponto com plena razão, criticou duramente.
No tópico “As contradições internas da globalização”, diz meu crítico que “A guerra tarifária com a China, embora criticada como um erro de curto prazo, expôs as vulnerabilidades da globalização — especialmente a dependência de cadeias produtivas longas e frágeis.
Hoje, mesmo críticos de Trump reconhecem que uma revisão estratégica das relações comerciais com a China era necessária.
Prova disso é que, sob a administração Biden, diversas sanções e medidas protecionistas foram mantidas e ampliadas, validando parte do diagnóstico que Trump havia feito.”
Isso, contudo, não elimina o fato de que Trump está cometendo agora um erro estratégico brutal justamente por ignorar a realidade das cadeias produtivas na base da produção industrial no mundo contemporâneo.
É o que dá “à guerra tarifária” o caráter “voluntarista” que eu destaco no meu artigo.
São múltiplas as variáveis envolvidas na economia moderna.
Quando, no maior mercado do mundo, crescem as tarifas comerciais, a instabilidade instala-se em todos os outros mercados.
No tópico “Instituições fortes e os limites do autoritarismo”, Rodrigo observa que “Trump tensionou os limites institucionais da democracia americana.
No entanto, o fato de ter sido contido — seja pelos tribunais, pelo Congresso ou nas urnas — demonstra a resiliência das instituições dos Estados Unidos. Trump não destruiu a democracia americana. Ele a desafiou — e foi, até aqui, vencido por ela.”
Só o fato de ter, na condição de Presidente, desafiado a democracia e infundido o desrespeito a ela pela cidadania, é suficiente para indicar que é um risco institucional.
Como é um risco também para a Ciência, com sua perseguição às universidades, à saúde e ao meio ambiente dos Estados Unidos e do mundo, com sua retirada do Acordo de Paris.
Quando aos “Impactos econômicos mais ambíguos”, diz Rodrigo que “Embora houvesse temores de recessão devido à guerra tarifária, durante grande parte de seu (primeiro) mandato os Estados Unidos experimentaram crescimento econômico, queda do desemprego e alta nos salários.
Antes da pandemia da Covid-19, a economia americana apresentava resultados positivos — um aspecto importante a ser discutido.
Claro, a pandemia reconfigurou drasticamente o cenário econômico, mas seria impreciso atribuir exclusivamente às políticas comerciais de Trump os eventuais retrocessos.”
Concentrei-me em meu artigo nas perspectivas que se apresentam aos Estados Unidos e ao mundo pelo Trump atual.
É ele que acho que vai passar à História como uma personalidade insignificante, voluntarista, que tentou reverter as tendências sociais e econômicas inexoráveis do mundo contemporâneo.
Partilho com ele, porém, nos dois mandatos, os ataques à globalização financeira que transformaram o planeta num cassino.
Quanto ao Trump do primeiro mandato, entretanto, ele foi um negacionista da tragédia da Covid-19, levando à morte centenas de milhares de americanos.
O julgamento da História ainda está em aberto
“A História raramente julga de forma apressada.
Assim como figuras polêmicas do passado foram reavaliadas com o tempo, o legado de Donald Trump permanece em construção — tanto por seus erros quanto pelas questões legítimas que trouxe à tona e que continuam a reverberar na política mundial.
Trump fez parte do curso histórico de sua época. E a História, como a própria dialética ensina, é feita de síntese, não de negação.”
Antes de uma síntese, porém, sempre há um conflito entre forças opostas.
Trump representa as forças do tradicionalismo e do atraso.
Já as forças do futuro ainda não estão maduras para assumir o seu lugar, dadas as imensas contradições dentro das sociedades atuais que rivalizam entre si.
É do embate entre as duas, porém, que progressivamente deverá surgir a síntese que contenha elementos de ambas, não a dominância absoluta de qualquer delas.
Publicado originalmente na Tribuna da Imprensa online.