Imagine um trabalhador que percorre 12 horas de ruas todos os dias, sem salário fixo, sem férias, sem qualquer direito garantido — e ainda paga do próprio bolso a moto, o combustível e o celular usados para trabalhar. Essa é a realidade de milhões de brasileiros.
A “uberização” da economia, vendida como sinônimo de modernidade, inovação e liberdade, é, na prática, uma nova forma de exploração:
- Por trás dessa narrativa sedutora, se esconde um processo brutal de precarização em larga escala;
- Jornadas exaustivas, rendimentos instáveis e ausência total de proteção social.
É o ápice da agenda neoliberal, marcada pelo desmonte do Estado social em nome da “eficiência de mercado”:
- A radicalização da lógica neoliberal, em que vínculos de trabalho formais e protegidos são substituídos por relações frágeis, intermediadas por aplicativos;
- E camufladas sob o discurso do “empreendedorismo individual”.
Nesse modelo:
- Há desregulamentação, flexibilização e transferência total dos riscos para o trabalhador;
- O avanço tecnológico não promove inclusão social, mas sim redução de custos, eliminação de direitos e maximização de lucros para as plataformas;
- As quais se apresentam como meras intermediárias, mas controlam todo o processo produtivo sem assumir responsabilidades.
O aplicativo Uber é o exemplo mais emblemático desse processo: motoristas trabalham por conta própria, sem vínculo empregatício, enfrentando baixa remuneração, jornadas longas e ausência de direitos, e entregadores de comida vivem realidades semelhantes.
Mas a “uberização” não se limita ao transporte e à entrega. Ela avança sobre outros setores, como o de serviços online, por meio de plataformas como Upwork e Fiverr:
- Conectando freelancers a clientes, cobrando taxas sobre os pagamentos;
- E, da mesma forma, os profissionais atuam sem proteção trabalhista, enfrentam alta competição e renda instável.
Para os entregadores, a realidade é dura:
- Ganham por tarefa, sem ter qualquer outro benefício remunerado;
- Arcam com todos os custos do trabalho e trabalham muitas horas para conseguir obter rendimentos mínimos, sem qualquer rede de proteção, e, inclusive, ficam desamparados em caso de doença ou acidente;
- Além disso, podem ser desligados das plataformas a qualquer momento, sem aviso ou justificativa — o que os obriga a se sobrecarregarem para sobreviver.
Na outra ponta da cadeia, ainda tem os pequenos e médios estabelecimentos, como restaurantes, que também são explorados. O iFood, por exemplo — dono de mais de 80% do mercado de entregas no Brasil — impõe um modelo que explora simultaneamente entregadores e comerciantes:
- Cobra comissões que chegam a 27% por pedido;
- Exige taxas para dar visibilidade na plataforma;
- E pratica contratos de exclusividade, sufocando a concorrência.
Apesar do cenário adverso, onde trabalhadores e empreendedores estão submetidos às regras de uma big tech — sem transparência, diálogo ou garantias, surgem sinais de resistência: entregadores têm se mobilizado em diversas cidades, exigindo melhores condições de trabalho e reconhecimento de seus direitos.
Também surgem iniciativas alternativas, como:
- Plataformas cooperativas, como o AppJusto, que praticam taxas menores e oferecem remuneração mais justa;
- Propostas de regulamentação do setor, já estão em debate no Congresso Nacional e em alguns estados e municípios;
- E, internacionalmente, países como Espanha e Reino Unido já avançam no reconhecimento de vínculo empregatício e na garantia de direitos para esses trabalhadores.
Enfim, a “uberização” promete autonomia e flexibilidade, mas entrega insegurança estrutural, perda de direitos e exploração camuflada por tecnologia.
Reverter esse quadro exige:
- Ação política e regulação pública;
- Organização coletiva dos trabalhadores;
- Fortalecimento de modelos cooperativos e solidários.
A economia digital pode — e deve — ser um caminho para o progresso. Mas, sob a lógica neoliberal, ela apenas tem aprofundado desigualdades e precarizado o trabalho humano.
A modernidade não pode ser sinônimo de precarização. É hora de escolher: ou a tecnologia serve à justiça social, ou continuará sendo um poderoso instrumento de regressão.