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Os banquinhos de madeira do começo do Brasil!

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* Samuel Gomes dos Santos

Desde ontem vivo pensamentos de trabalho e trabalhador.

Dia 30 de abril marca o Dia do Ferroviário, em homenagem à célebre inauguração da Estrada de Ferro Petrópolis, ou Ferrovia Mauá, em 30 de abril de 1854, quando circulou a primeira locomotiva no Brasil, a Baroneza, numa viagem de 15 km levando o Imperador Dom Pedro II e Imperatriz Tereza Cristina.

Quase 3 anos antes, em 29 de agosto de 1852, o ato do início dos trabalhos, o grande, Irineu Evangelista de Souza, o gigante Mauá, entregou ao imperador Dom Pedro II uma pá de prata ricamente adornada, com a qual Sua Majestade, como se fora um trabalhador, deu início aos trabalhos da ferrovia, com a primeira movimentação de terra.

E aqui estou, nas derradeiras horas do dia Primeiro de Maio de 2025, Dia do Trabalhador, procurando uma maneira de homenagear os trabalhadores.

Penso que dentre tantas formas adequadas de homenagear os trabalhadores, uma delas certamente é de trazer a memória do meu pai, Antônio João dos Santos, trabalhador (iletrado) da construção civil.

Para isso não preciso dizer mais do que disse em sua homenagem no Dia dos Pais de 2021, lembrando que foi num dos banquinhos de madeira construídos por ele para a minha mãe alfabetizar a mim e aos filhos das famílias operárias vizinhas, no bairro operário do Capão Raso, na minha Curitiba, que para mim começou o Brasil! Relatei o episódio no Facebook(https://www.facebook.com/100058089337343/posts/2976537029297806/), com as seguintes palavras:

Os banquinhos de madeira do começo do Brasil

Aqui estou eu, aos 59 anos, nos momentos derradeiros do Dia dos Pais de 2021, pensando como cheguei até aqui.

Meu pai foi muitas coisas antes de eu nascer (família grande, trabalho duro na roça na região de Joinville, nenhuma escola, estivador, o que mais?), mas a minha lembrança de criança é o pai carpinteiro da construção civil.

Carpinteiro na carteira, mestre de obras na real!

Massa, cimento, cal queimando, eu pirralho curioso olhando e “ajudando”, quando ele deixava.

O sol nunca o encontrou na cama. 4h30, pinico cheio jogado fora, água na bacia, água na cara, sabão, pincel e gilete, barba feita, virado de feijão com torresmo, café, marmita feita pela minha mãe, cuidadosamente amarrada com alvíssimo pano de prato, café na garrafa, tudo ajeitado no bagageiro da velha Monark, chapéu na cabeça e pé no pedal.

Fim do dia, começo da noite, o pedal o traria de volta, alquebrado, banho de bacia, jantar, dormir cedo para driblar novamente o sol no dia seguinte ao primeiro cantar do galo.

Sim, sempre um galo no quintal, sempre.

Cheguei na escola sabendo ler e escrever.

A casa simples, de madeira e alvenaria, era a mais vistosa da vizinhança, a maior, uma mansão, construída por ele aos sábados à tarde e domingos, noites de depois do trabalho, prego a prego, prego e martelo, martelo e prego, serrote, prumo, nível, tijolo, tijolo por tijolo, carrinho de mão, cimento, pedra, enxada, pá, cal, água, queima, areia, enxada, pá, carrinho, tijolo, tijolo, tijolo, pá de pedreiro, parede, chapisco, escada, madeirio, telha.

Cheguei na escola sabendo ler e escrever.

Ele falante, inteligente, terno e gravata, bom de argumento, convincente, líder condutor de massas, “advogado”, advogado iletrado, mas o filho, filho único, vai estudar, serrote, prego, martelo, banquinhos de madeira, escolinha para o filho e os meninos da vizinhança, naquele Capão Raso, bairro operário de Curitiba, de uma pobreza ingênua e sem futuro.

A professora, dona Maria, minha mãe, fora professorinha em Catanduvas -SC (ela e a irmã mais velha, a tia Eri), na década de 40.

Uma mulher letrada, joia rara naquele bairro de meias-águas e ruas poeirentas de donas Marias e donas Terezas, mergulhadas na sucessão sem fim de dias iguais de lavar, cozinhar, varrer, lavar, brigar com os maridos bêbados e deles apanhar, gritar com os filhos e dar-lhes surras.

As donas Terezas eram as mais brabas: desesperadas xingavam os seus filhos de desgraçados e lazarentos para aos gritos fazerem-nos voltar para casa para almoçar ou jantar.

Cheguei no Grupo Escolar Professor João Loyola sabendo ler e escrever.

Aprendi nos banquinhos de madeira que o seo Antonio, carpinteiro iletrado, catarinense de serra abaixo, construiu para a dona Maria, mulher de letras, catarinense de serra acima, ensinar os filhos daquela-gente-humilde-que-dá-vontade-de-chorar a construírem-se a si próprios e ao construírem-se a si próprios colocarem os seus tijolinhos na construção do Brasil.

Isso era 1967, quando para mim, tudo começou, nos banquinhos de madeira que o seo Antonio fez para a escolinha da dona Maria lá no começo do Brasil.

Os banquinhos de madeira que me trouxeram até aqui.

Grato, pai.

Que Deus o tenha em bom lugar.

Espero estar honrando o banquinho de madeira que coube a mim.

*Samuel Gomes dos Santos

Advogado, Mestre em Filosofia do Direito, Doutorando em Direitos Humanos e Desenvolvimento, filho de Antonio João dos Santos, carpinteiro da construção civil, e da dona Maria Janira Gomes, minha primeira professora, construtores do Brasil doutora Maria José!

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