Sempre me horrorizou o fascínio que esquemas corruptos exercem sobre certas mentes.
Não me refiro apenas à sedução do dinheiro fácil ou à adrenalina de burlar o sistema, mas ao brilho nos olhos daqueles que veem no crime uma oportunidade de pertencimento e de distinção social, não uma tragédia anunciada de autoextermínio moral e ético.
Para esses indivíduos, a proximidade com o poder corrompido não representa contaminação, mas consagração.
Ser convidado a participar de um esquema sórdido é para eles a confirmação de que finalmente se foi admitido nos bastidores do jogo real, onde as regras são outras e a ética se reduz a um detalhe estético anacrônico.
Sobre esse fenômeno, na obra A Nobreza de Estado: Grandes escolas e espírito de corpo, Pierre Bourdieu leva a compreender que a corrupção não representa um desvio de uma norma ética universal, mas constitui a própria regra prática e tácita que estrutura determinados campos sociais.
Nesses ambientes, romper com a lógica dos favores não é apenas inconveniente, trata-se de uma heresia funcional que precisa ser punida.
O mérito converte-se em abstração vazia, conceito que só adquire sentido quando moldado à noção imprecisa de “perfil”, simulacro legitimado por esquemas de apadrinhamento e desvinculado de qualquer correspondência necessária com competências reais.
Assim, a fidelidade ao circuito da gestão dos relacionamentos e não às competências ou à ética torna-se o verdadeiro critério de recompensa ou exclusão.
Por consequência, aquele que se recusa a participar dos esquemas de corrupção é tratado como um agente perigoso a serviço de um suposto grupo do mal, visto que desestabiliza a certeza do domínio territorial.
Sob essa estrutura psicossocial, os atos realizados por pessoas íntegras são provas vivas de que a conduta ética é possível e, por isso, tornam-se intoleráveis aos olhos daqueles que se alimentam do espólio da pilhagem sustentada pela impunidade.
Por esse motivo, os honestos sofrem a repulsa dos realmente repulsivos.
Seu comportamento livre de corrupção, mesmo em silêncio, grita em denúncia como um efeito colateral, lançando luz sobre as trevas da falência moral que compõem o cenário tenebroso ao seu redor.
Buscando referência na arte literária, Mario Puzo conta que “a máfia não era apenas uma organização: funcionava como uma família”, um modo de operar baseado em fidelidade canina e reciprocidade, ainda que tudo isso estivesse fundado em corrupção e medo.
Os criminosos se reconheciam como aliados.
Nesse sentido, a força do esquema corrupto não está apenas no segredo, mas na dissimulação normalizada, que opera dentro das estruturas com verniz de legitimidade.
Como o personagem Michael Corleone, em O Poderoso Chefão, muitos se apresentam como gestores racionais, enquanto promovem, nos bastidores, o caos moral que sustenta seus mercados paralelos de pequenos e grandes favores.
O mais assustador é a naturalidade com que tantos convivem com esse esgoto a céu aberto, tratando a contaminação moral como uma adaptação normal e necessária à sobrevivência.
Por mais bem produzidas que sejam no cinema, as personalidades corruptas, na vida real, não passam de criminosos asquerosos que transformam as instituições em um inferno para os honestos.
Ainda assim, há quem se mantenha distante da sujeira mesmo ao custo da solidão e dos riscos.
Para essas pessoas, aderir à corrupção não é apenas uma escolha ética, mas um abismo existencial.
Não cabe na alma, não se acomoda à consciência.
Causa um horror inenarrável pois sabem que pactuar com a injustiça é permitir que os tentáculos de uma lógica pútrida alcancem sua essência, algo que lhes é precioso e que deve sempre pulsar com dignidade.
Provavelmente, esse seja um dos mais graves fundamentos da grande tragédia laboral contemporânea.
Trabalhar em ambientes onde o corrupto não apenas sobrevive, mas prospera.
Onde a rede de influência não é combatida, mas celebrada.
Onde se premia aquilo que deveria ser denunciado e eliminado das instituições.
Onde quem se recusa a ceder aos atos degenerados é tratado como inconveniente e, em certos casos, como alguém a ser expurgado.
Em tempos em que tantos se entregam ao fascínio que aprisiona, eu sigo escolhendo a dificuldade que liberta.
Prefiro a consciência limpa às benesses da cumplicidade criminosa.
Quero poder narrar minhas vitórias e derrotas sem temer a luz, sem precisar me envergonhar pelo recebimento de favores ilegítimos ou esconder pactos escusos.
Viver com integridade e contar minha história com verdade diante dos que amo e respeito é o único caminho que desejo trilhar e o legado que pretendo deixar.