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Os rumos do Banco Central.  Por Paulo Nogueira Batista Júnior

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Paulo Nogueira Batista Jr.
Paulo Nogueira Batista Jr.
Titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.

Gabriel Galípolo e os demais indicados pelo presidente Lula para o comando do Banco Central ainda não disseram a que vieram.

São economistas competentes e, pelo que se sabe, de orientação econômica menos ortodoxa.

Mas até agora pouco mudou – talvez nada.

Visto de fora, é como se o Banco Central continuasse a ser presidido por Roberto Campos Neto – com a diferença de que o governo agora não tem mais o bode expiatório.

Não quero exagerar, entretanto.

A visão de fora pode não captar mudanças ocultas, em gestação.

E a verdade é que pouco tempo se passou desde a saída do presidente anterior.

Pode-se supor que Galípolo e os novos diretores ainda estejam tomando pé da situação.

Afinal, como ignorar que o Banco Central é uma instituição grande e complexa?

Não se dá cavalo-de-pau num transatlântico.

Vamos então dar o benefício da dúvida a Galípolo e cia.

Para entender a situação do comando do Banco Central neste momento é fundamental ter em conta, entre outros fatores, o seguinte fato básico: a política econômica obedece em alguma medida à influência do ciclo político.

A perspectiva de eleições influencia inevitavelmente a condução da política econômica, inclusive a monetária.

Do ponto de vista do governo brasileiro, faz sentido praticar políticas monetária e fiscal razoavelmente apertadas entre o final de 2024 e meados de 2025, de forma a conter um pouco a inflação, para em seguida relaxar a política econômica, no final de 2025 e início de 2026, ajudando a criar um clima mais propicio à reeleição de Lula (ou à eleição de quem ele resolver indicar em seu lugar).

Isso significaria começar a reduzir a taxa básica de juro nos próximos meses.

Um economista ortodoxo discordará e dirá certamente que o Banco Central tem autonomia em relação ao governo e não deve subordinar a seus objetivos político-eleitorais.

Isso é teoria, entretanto.

Na prática, os bancos centrais quase nunca  são totalmente autônomos em relação ao poder político.

Acabam refletindo em alguma medida, de forma não declarada, a orientação geral do governo pelo qual os seus dirigentes foram indicados.

Evidentemente, o mandato do Banco Central requer obediência às metas de inflação estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Ora, a inflação e as expectativas de inflação estão “desancoradas”, isto é, superam o centro da meta (3%).

A política monetária deve então, argumenta-se, fazer a inflação convergir para a meta (ou, pelo menos, situá-la dentro do intervalo previso no regime de metas).

Porém, um risco central, sempre presente, é que alcançar a meta de inflação pode cobrar um preço proibitivo dos pontos de vista social e político.

De que adiantaria colocar a inflação no centro da meta e entregar o país de mão beijada para a direita ou a ultra direita em 2026?

Quando se considera o baixíssimo nível da oposição, tanto a bolsonarista, como a direita tradicional, a perspectiva é aterradora.

Parte do problema que estamos enfrentando, leitor ou leitora, está na definição da meta de inflação – 3% com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Estabelecer metas ambiciosas como essa contribui para forçar o Banco Central a praticar juros muito elevados.

O responsável por essa definição, recorde-se en passant, foi o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn no governo Temer, uma das várias figurinhas carimbadas que exerceram esse cargo ao longo das décadas recentes.

Na época, o argumento “científico” era que a Colômbia e o Chile tinham meta de 3%.

Por que não o Brasil?

– argumentavam Goldfajn e seus asseclas.

Como dizia Brizola, a elite brasileira é um lixo.

O governo Lula deveria ter revisto a meta de inflação logo no seu início em 2023, como parecia querer o próprio Presidente da República.

Diversos economistas, inclusive eu mesmo, argumentaram que seria conveniente elevar o cento da meta para 3,5% ou 4%, aumentando ao mesmo tempo o intervalo entre o piso e o teto da banda de 1,5 para 2 pontos percentuais.

O teto para a meta ficaria em 5,5% ou 6%,  o que permitiria absorver choques de oferta sem praticar juros exorbitantes.

Manteve-se entretanto a meta ambiciosa, com as consequências que estamos vendo.

 Não há dúvida de que uma taxa básica de juro elevada pode ajudar no combate à inflação.

Como?

Primeiramente, porque tende a gerar apreciação do real, favorecendo o controle dos preços dos bens e serviços comerciáveis internacionalmente.

Em segundo lugar, porque derruba o nível de atividade e de emprego, comprimindo os preços dos bens e serviços transacionados domesticamente.

O problema, como se sabe, é que a redução ou desaceleração da atividade econômica, ao afetar o emprego e a renda, provoca deterioração do quadro social e prejudica o governo do ponto de vista político.

Além disso, tende a reduzir a arrecadação tributária, piorando o resultado primário das contas públicas.

Ainda mais importante do ponto de vista das finanças governamentais: a taxa básica de juro aumenta direta ou indiretamente o custo da dívida, que é majoritariamente interna.

A despesa líquida de juros do setor público consolidado já supera os 8% do PIB!

O propalado crescimento do déficit e da dívida do governo tem muito mais a ver com essa carga de juros do que com o déficit primário (que está em torno de 0,6% do PIB) – contrariamente ao que sustentam ou insinuam os economistas da Faria Lima e a mídia tradicional.

Não se pode esquecer, além disso, que os juros altos concentram a renda nacional.

Não é por acaso que a turma da bufunfa defende uma política monetária apertada.

Quem embolsa os juros pagos pelo governo?

Os ricos e super-ricos com elevada poupança financeira aplicada em títulos públicos.

O Banco Central está desfazendo, pelo menos em parte, o considerável progresso feito em termos de distribuição de renda pelo governo Lula em 2023 e 2024.

Um último ponto, nem sempre notado: a taxa de juro exorbitante coloca dinheiro nas mãos daqueles que têm meios de remeter recursos para o exterior quando bem entenderem.

Com a liberdade que se concedeu mandar dinheiro para fora, a turma da bufunfa faz o que bem entende, entrando e saindo do país quando lhe convém – um legado da desastrosa gestão Fernando Henrique Cardoso, que promoveu a liberalização prematura da conta de capitais.

Algo que a China, por exemplo, jamais fez.

Depois do último aumento da Selic, a taxa real de juros ex ante se aproxima de 10%!

Preciso dizer mais?

Por todos esses motivos econômicos, sociais e políticos, Galípolo e cia. não podem demorar a reduzir os juros.

***

 Versão ampliada de artigo publicada na revista Carta Capital.

O autor é economista e escritor. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela Editora Contracorrente o livro Estilhaços.

E-mail: paulonbjr@hotmail.com

Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br

Portal: www.nogueirabatista.com.br

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