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A utopia é invencível na esperança. Por Luiz Henrique Lima Faria

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Tenho percebido, nos discursos de muitos progressistas, a ausência de algo que jamais deveria ser negligenciado.

Falta-lhes a centelha insubstituível da esperança.

Não falo de um consolo vago ou da expectativa superficial de que tudo vá se ajeitar com o tempo, mas da esperança como força histórica, como afeto revolucionário, como motor da imaginação política.

Quando ela se esvai, a crítica se converte em lamento, a indignação em tédio, a ação em cansaço.

E sem esperança, a utopia perde o fôlego, torna-se uma ideia desidratada, sem força.

Há um fio persistente que atravessa os séculos, mesmo quando tudo ao redor aparenta se desfazer em ruínas.

É a insistência humana em imaginar um mundo melhor.

A isso chamamos utopia.

Não se trata de um plano meticuloso ou de um mapa infalível, mas de uma estrela que orienta o caminhar.

A utopia, quando autêntica, não oferece promessas de paraíso.

Ela afronta o inferno cotidiano com coragem, dignidade e prontidão.

Não repousa no conforto das ideias encerradas, mas na inquietação que impele ao movimento.

E é exatamente por isso que se torna invencível.

Não pelos fatos consumados, mas pela esperança que resiste dentro de nós, mesmo nas trevas mais longas.

A esperança que não se curva, não se cala e não permite a chegada da paralisia por depressão.

O filósofo Ernst Bloch (1885–1977) foi profundamente comprometido com o pensamento utópico, a esperança e a emancipação humana.

Teve a obra marcada por uma fusão singular entre o marxismo, a teologia e a literatura, que deu origem a um dos projetos filosóficos mais originais do século XX: a filosofia da esperança.

Em sua monumental obra O Princípio Esperança, Bloch defendeu que a utopia é mais do que uma fuga da realidade.

Ela é a expressão concreta do ainda-não, daquilo que pulsa nas entranhas do presente como possibilidade histórica.

Dentro desse modo de compreender o humano, sonhar é parte indissociável do processo material de transformação.

O neoliberalismo, com sua racionalidade instrumental e sua lógica de esvaziamento simbólico, tentou enterrar a utopia sob os escombros do consumo e da resignação, convertendo o desejo coletivo em satisfações privadas, fragmentadas e descartáveis.

Mas não conseguiu.

A esperança, distinta do otimismo superficial, ressurge entre os que resistem, entre aqueles que ainda acreditam na partilha do pão e da palavra.

É entre os deserdados do espetáculo exclusivo que ela permanece viva, discreta, mas insubmissa, lembrando que a história ainda está em curso e que um futuro melhor pode, sim, ser reconquistado.

Não por acaso, a filosofia de Ernst Bloch inspirou a Teologia da Libertação na América Latina, especialmente nas vozes de teólogos como Leonardo Boff e Frei Betto, que souberam reconhecer na esperança ativa uma força histórica capaz de mover os pobres, os oprimidos e os esquecidos rumo à construção de um mundo mais justo.

Sob a inspiração dessas referências tão nobres, é urgente denunciar, com toda a força, que vivemos tempos de distopia.

O discurso dominante passou a menosprezar a esperança, como se sonhar e caminhar na direção do que ainda não é, mas pode vir a ser, fosse privilégio de tolos.

Os tecnocratas da catástrofe permanente apostam deliberadamente e agem dolosamente na promoção da morte da esperança.

E quando zombam da utopia, não zombam apenas de ideias generosas, mas da própria capacidade humana de construir coletivamente, de desejar o bem comum, de lutar e viver juntos por um horizonte que ultrapasse a miséria organizada do presente.

Trata-se de um ataque não apenas ao futuro, mas à própria dignidade humana.

Mas não perceberam que os verdadeiros ingênuos são eles próprios, algozes da dignidade humana, que não levaram em conta, por arrogância ou erro de cálculo, que o encarceramento da utopia e o assassinato da esperança são ordens incumpríveis, mesmo com todo o poder que emana de seus luxuosos gabinetes.

A esperança não se extingue pela vontade que brota da brutalidade.

Ela se aninha nas brechas, nos becos, nos encontros de esquina, nos cantos de assembleia, nos olhos de quem, mesmo exausto, ainda sonha com justiça.

Eduardo Galeano (1940 – 2015), um dos principais cronistas da dignidade latino-americana, escreveu que a utopia está no horizonte.

Que ao darmos dois passos em sua direção, ela se afasta dois passos e que serve exatamente para isso, para que caminhemos.

E é nesse caminhar, feito de tropeços, desvios e reinvenções, que nos tornamos humanos.

Porque é nesse gesto contínuo de seguir adiante que a esperança resiste, renasce e nos reconstrói.

Creio que a esperança, como combustível da utopia, algo que os brutos tratam como delírio ou fraqueza, é, na verdade, o mais radical dos valores políticos.

Quem tem esperança não se rende, torna-se combatente incansável da utopia.

Por isso, a visão da utopia é capaz de transformar até o mais frágil ser humano em um adversário invencível.

Não porque vença todas as batalhas, mas porque resiste, insiste, jamais desiste.

Sua força está no incêndio íntimo que se acende diante de cada injustiça, sustentando a convicção de que o mundo pode ser outro. Muito melhor.

Que meus pensamentos e ações nunca recusem o amparo da esperança, pois é nela que reside a força capaz de me salvar dos engodos sombrios da distopia que nos cerca.

Que assim seja.

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