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Por Ricardo Queiroz

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Há algo de inquietante no centro da política brasileira em 2025.
Um tipo de silêncio tenso, como se todos soubessem que estamos diante de um fim de ciclo, mas ninguém quisesse dizer em voz alta.
Lula governa, mas já não galvaniza como antes — não por ter perdido a aura que o cerca, mas porque governa cercado por forças que não se reconhecem em seu passado, limitado por um pacto que exige renúncia de si mesmo e mediando contradições que paralisam a ação.
O Congresso age, mas em função de interesses imediatos.
A esquerda defende pactos que seus adversários e alguns “aliados” já abandonaram.
E o país parece girar em falso — entre fantasmas do passado e promessas que já expiraram.
O PT, ao reassumir o governo em 2023, apostou numa frente ampla que, embora eficaz para vencer a eleição, mostrou-se estruturalmente instável.
O apoio é errático.
A aliança com setores fisiológicos do Centrão garantiu votos no Congresso, mas não produziu base social nem horizonte político.
Governar com quem destruiu o país ontem para evitar que o país seja destruído amanhã é um paradoxo que cobra caro.
E Lula, mesmo ainda sendo o maior nome da política brasileira, já não basta por si só.
No Parlamento e nos bastidores do Estado, a fronteira entre a direita tradicional e a extrema-direita se dissolve.
Ambas compartilham a fé cega no ultraliberalismo, a disposição para desmontar políticas públicas e a naturalização da captura do Estado como projeto de poder.
A diferença está no tom, não no conteúdo.
Uma se vende como “responsável”, a outra como “revoltada”, mas ambas operam com os mesmos dogmas econômicos e métodos políticos.
A esquerda, nesse cenário, enfrenta um bloco reacionário mais coeso do que parece.
O bolsonarismo, embora sem fôlego institucional, segue presente como gramática.
Bolsonaro respira como zumbi, mas respira. Suas ideias circulam, seus quadros disputam espaço e sua base — entre milicianos, policiais e fanáticos — não arrefeceu.
A derrota eleitoral não desmontou a infraestrutura política que o sustenta.
Enquanto isso, o campo democrático se fragmenta entre gestos de conciliação e crises de identidade.
E como emblema do colapso da Nova República, o PSDB já não existe como força política.
Seu fim não é apenas o de um partido, mas o de uma era.
Aquele centro liberal, fiador da transição, mediador de conflitos e voz da estabilidade institucional, desapareceu.
A Nova República, pacto firmado no pós-ditadura, não foi destruída por um evento único — mas sim por um processo contínuo de corrosão.
Hoje, só a esquerda insiste em sustentá-la, como se ainda houvesse pacto a salvar.
Essa cena doméstica espelha, com suas assimetrias e distorções, uma cena maior: a erosão do pacto global gestado após 1945.
A ordem liberal internacional, centrada no multilateralismo, na hegemonia americana e no equilíbrio entre capital e direitos, se desfaz diante da volta dos nacionalismos, da desregulação brutal e da ascensão de novas potências.
Trump está de volta, agora no quinto mês do segundo mandato, sem freios nem mediações.
A semelhança é imperfeita, mas reveladora: tanto lá quanto aqui, os velhos consensos ruem, e os que ainda os defendem o fazem mais por inércia do que por convicção.
O Brasil tenta se posicionar no Sul Global, articula nos BRICS, ensaia uma diplomacia altiva — mas a realidade impõe limites: dependência econômica, contradições internas, conservadorismo e banditismo da elite.
A governabilidade possível, hoje, parece ser a do menor denominador comum: manter o governo funcionando, evitar rupturas, impedir retrocessos mais agudos.
Mas isso tem um custo: o esvaziamento da política como espaço de transformação.
Essa posição arrasta consigo uma contradição existencial.
Porque não basta evitar o pior.
Realpolitik sem projeto degenera em gestão do vazio.
E a política, como a história nos lembra, não tolera o vácuo por muito tempo.
A esquerda precisa de mais do que fé em Lula.
Precisa reconstruir sua imaginação, seu enraizamento, sua capacidade de propor futuro. O lulismo, com todas as suas conquistas, foi um ciclo.
E ciclos, mesmo os vitoriosos, têm fim.
O desafio não é apenas eleger um sucessor.
É disputar sentido num país em fratura, no fulcro de mais uma crise do capitalismo tardio, onde os valores democráticos foram desgastados, as instituições perderam prestígio e a população se vê exausta e descrente.
A esperança não brotará de slogans nem de nostalgia.
Vai nascer do trabalho cotidiano de reconstrução — nas periferias, nos territórios, nas escolas, nos sindicatos, nas redes de solidariedade que ainda resistem com uma linguagem compreensível.
2026 será mais que uma eleição.
Será um ponto de inflexão.
Ou a esquerda reencontra sua vocação histórica de ruptura com o injusto, ou será tragada pela lógica do menos pior.
Chama-se de “progressista” esse campo amplo e fluido que hoje tenta conter o avanço reacionário — mas o termo, por mais presente que esteja, revela mais a crise de identidade do que uma proposta de mundo.
“Progressismo” virou rótulo para um amontoado de gestos defensivos, que ainda não sabe dizer o que quer — apenas o que rejeita.
Lula pode ou não concorrer — mas isso, no fim, é detalhe.
O essencial é que a esquerda pare de administrar pactos moribundos e volte a parir utopias para atingir o possivel: força viva, popular, criadora de sentido em meio ao caos.

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