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Toda eleição deve combater o patrimonialismo. Por Luiz Henrique Lima Faria

Luiz Henrique Lima Faria – Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e Editor-Chefe da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (RINTERPAP).

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Ainda há quem considere normal votar em um candidato que lhe ajudou pessoalmente ou concedeu algum privilégio, como se o Estado fosse uma fazenda particular e o político, um coronel generoso que distribui favores àqueles que se ajoelham com humildade e compactuam com seus erros.

Esse vício de origem tem nome antigo e raízes profundas na história brasileira: patrimonialismo.

O patrimonialismo é uma chaga histórica que, embora pareça restrita aos compêndios de Raymundo Faoro (1925-2005) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), segue viva no cotidiano de cada período eleitoral.

Essa disfunção da democracia se consolida quando a linha entre o público e o privado se embaralha, não por ingenuidade, mas por conveniência.

É nesse cenário que o voto deixa de ser instrumento de participação cidadã e se transforma em simples retribuição de favores pessoais.

Entendo uma eleição como o momento em que refletimos sobre o futuro, não como uma oportunidade para pedir favores ou reforçar a manutenção de privilégios.

Mas como exigir esse entendimento de uma coletividade na qual parte dos eleitores aprendeu política pelo compadrio e outra parte, pelo efeito corrosivo do ressentimento?

Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, já alertava para a permanência de uma estrutura em que o Estado é apropriado por grupos que o tratam como prolongamento de seus interesses privados, perpetuando uma lógica patrimonialista disfarçada de legalidade.

Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, em Raízes do Brasil, descreve o “homem cordial” não como um ser apenas afetuoso, mas como alguém que tende a confundir os vínculos públicos e privados, tornando o favoritismo e a pessoalidade mecanismos aceitos na vida política.

Mas como ir além do patrimonialismo se, em diversos pleitos, os próprios candidatos se apresentam como benfeitores e não como representantes de uma visão de futuro?

Como propor o bem comum se a regra do jogo continua sendo buscar o bem apenas para os seus?

Penso que o primeiro passo seja cultivar um olhar crítico sobre aqueles que tratam o mandato como herança natural ou recompensa pessoal, como se ocupar uma função pública fosse privilégio transmitido por pertencimento a um grupo fechado e não a expressão legítima de um projeto coletivo.

Esse tipo de captura da esfera pública pelo interesse privado desvirtua a democracia e resgata os vícios senhoriais do passado, em que o poder circulava entre poucos e os demais eram relegados à condição de meros expectadores ou vítimas.

O segundo passo exige que desmontemos a cultura que exalta o jeitinho, a malandragem política e os arranjos informais como se fossem sinais de competência.

É preciso denunciar que a esperteza individual, quando aplicada ao trato da coisa pública, significa exclusão de muitos em benefício de poucos.

O terceiro passo, talvez o mais urgente, é reivindicar de cada candidatura algo que vá além do imediatismo, que traga compromissos sólidos com os princípios fundamentais da gestão pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

Legalidade é o compromisso de agir sempre conforme a lei, garantindo que o poder público não se desvie dos limites institucionais que o regem.

Impessoalidade assegura que as decisões administrativas sirvam ao interesse coletivo, e não a relações pessoais ou conveniências políticas.

Moralidade exige que o gestor atue com ética, integridade e senso de justiça, mesmo quando a lei silencia.

Publicidade garante a transparência dos atos, permitindo o controle social e o fortalecimento da confiança pública.

Eficiência, por fim, impõe o dever de utilizar os recursos públicos com responsabilidade, buscando resultados concretos e o melhor atendimento às necessidades da sociedade.

Tomando por base a integralidade desses princípios, toda eleição deve necessariamente ir além do patrimonialismo, pois nenhuma instituição pública deve ser tratada como quintal, nenhum eleitorado deve se reduzir ao papel de claque, e nenhuma gestão executiva pode ser convertida em mero balcão de negócios.

A eleição deve ser um exercício pleno de cidadania, orientado por valores republicanos e compromissos com o bem comum, e não um leilão de favores travestido de democracia.

Quando compreendermos o que há de essencial no sentido e no propósito de uma eleição, estaremos em condições de exigir que os candidatos também se vinculem a esse entendimento.

Nesse momento, poderemos enfim ascender a um novo patamar, no qual a política seja reconhecida como espaço de transformação coletiva e não como mera extensão do interesse de poucos que se arrogam um suposto direito privado sobre aquilo que é, por princípio, patrimônio de todos.

Assim, cada eleição não será mais a repetição infame de velhos erros e se tornará o primeiro dia da melhor parte da vida do eleitorado.

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